Por Arthur Corrêa da Silva Neto – 06/09/2016
No plano da processualística atual são poucos aqueles que negam a normatividade da jurisprudência.
A partir da inserção no ordenamento jurídico pátrio de institutos como a Súmula Vinculante (art. 103-A, CF/88), a Reclamação Constitucional para o Supremo Tribunal Federal – STF e Superior Tribunal de Justiça – STJ (Art. 102, I, “l” e Art. 105, I, f, CF/88 c.c. art. 988 a 993, do CPC), o Recurso Representativo de Controvérsia a tramitar sob o rito da Repercussão Geral e dos Recursos Repetitivos (Art. 543-B e 543-C, do CPC de 1973) ou no atual o Recurso Representativo de Controvérsia constitucional ou infraconstitucional (Art. 1.030, IV, do CPC e ss.), a previsão do art. 947 do CPC, relativa ao incidente de assunção de competência – IAC, os artigos 976 a 987, do CPC, pertinente ao incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR, a discussão acerca da abstrativização do controle difuso de constitucionalidade, com aplicação dos fundamentos determinantes da decisão do STF, dentre outras questões é que se tem asseverado da força normativa da Jurisprudência.
Trata-se, como se observa de decisão política irreversível, a qual certamente busca dentre outros aspectos, viabilizar segurança jurídica e igualdade no plano das relações sociais estabelecidas na sociedade.
Nessa esteira, para além de discussões acerca da adoção dos sistemas do civil law ou do common law, deve o Judiciário brasileiro absorver a inspiração advinda do Legislativo a implementando no dia a dia da prática forense.
Referida postura é necessária, pois se é cediço a garantia que tem o magistrado da independência funcional, que lhe permite análise jurídica livre para os casos que atua, de outra banda, a sociedade clama por mais segurança jurídica no âmbito dos posicionamentos jurisdicionais.
Em verdade, não deveria ser mister está presente em textos normativos obrigatoriedade de as instâncias inferiores seguirem o entendimento das instâncias superiores, quando a situação que lhe é apresentada foi analisada em todos os seus fundamentos pelas altas cortes jurisdicionais do país, pois, tal como observa-se nos ordenamentos de common law deveria haver uma vinculação ética.
Ademais dessa vinculação ética, paira sobre o debate, questões de índole jurídica e prática quando observamos festival de decisões divergentes de juízos inferiores sobre temas já pacificados nas mais altas instâncias, pois afeta sobremaneira a segurança jurídica e o princípio da igualdade.
Viola o princípio da segurança jurídica, pois o direito passa a ser uma questão de sorte, haja vista que se o processo é distribuído para um magistrado ou Tribunal se decide de uma forma, se for distribuído para outro magistrado ou Tribunal se decidirá de outra forma, assim perdendo-se a almejada unidade jurisdicional.
Acerca ainda do princípio da segurança jurídica a Constituição Federal de 1988, visando contemplá-lo no que tange a uniformização da interpretação da lei federal a designou ao Superior Tribunal de Justiça – STJ, bem assim no que concerne ao próprio texto constitucional referida missão é de nossa mais alta corte o Supremo Tribunal Federal – STF.
Dessa forma, exemplificando, quando em matéria infra-constitucional penal a decisão é proferida pela 3ª Seção do STJ (reunião da 5ª e 6ª Turmas da mencionada corte), trata-se, da mencionada uniformização da interpretação da lei federal, por conseguinte, da afirmação do entendimento daquela alta corte sobre o assunto decidido.
Neste diapasão, quando o STJ por meio das suas seções decide em sede do rito dos recurso repetitivos, conforme o art. 932, IV, “b” do novo CPC, como foi o caso do REsp 1.378.557, significa que os recursos que discutam a tese já pacificada por aquela corte podem ser decididas monocraticamente pelo Relator.
Mencionado Recurso Especial 1.378.557, tratou de caso emblemático relativo à definição de obrigatoriedade de haver fase administrativa nos processos disciplinares de apuração de falta grave de pessoas privadas de liberdade, sendo decidido inclusive que o aludido enquadramento é atribuição exclusiva do Diretor da Casa Penal, extraindo-se essa interpretação basicamente dos artigos 47, 48 e 59 da Lei de Execução Penal – LEP.
Não obstante o supramencionado julgamento nas mais diversas unidades da federação, Juízes e Tribunais vem decidindo em dissonância do estabelecido pelo Egrégio STJ e realizando audiência jurisdicional única em rito sumarizado e definindo se a pessoa privada de liberdade praticou ou não falta grave, quando o próprio STJ no mesmo julgamento aqui mencionado pontuou que definida a falta grave pelo Diretor do estabelecimento penal caberá apenas ao Juiz decidir acerca de regressão ou não e mesmo questões relativas ao controle de legalidade, sendo essa a interpretação do art. 118, da LEP.
Nesse contexto, aqueles órgãos jurisdicionais que não observam o precedente das altas cortes, acabam por ferir o princípio da igualdade, pois é cediço que não é oportunizado a todos os cidadãos brasileiros acessarem aquele Tribunal da Cidadania, haja vista a necessária interposição de Recurso Especial.
A Defensoria Pública do Brasil cada vez mais vem se organizando a fim de cumprir sua missão relativa a viabilizar a defesa dos direitos dos cidadãos por quem atua, em todos os graus de jurisdição, porém essa ainda infelizmente não é uma realidade nacional e em todos os casos, de modo que a não observância pelos órgãos jurisdicionais inferiores dos precedentes superiores como é o caso ora citado, faz gerar a chamada seletividade penal pela violação da isonomia.
Diz-se isto, tendo em vista que aqueles que não tiverem a oportunidade de acessar ao STJ, não terão a possibilidade de ver garantido o seu direito a ampliação do contraditório e da ampla defesa que o PAD permite, logo alguns conseguindo esse direito e outros não por falha do aparato estatal é sim violar o princípio da igualdade e em matéria tão cara a democracia que é a dizente ao direito de liberdade.
Destarte, sem tolher a independência funcional do Juiz que é uma garantia do próprio Estado Democrático de Direito poderia se fomentar na carreira da magistratura a percepção aqui exposta para que principalmente as instância ordinárias sempre fizessem o exercício de observando que STJ e STF analisaram dada temática de forma exauriente acolher aquela decisão.
Não se está propondo engessamento das interpretações jurisdicionais, pois de forma diferente se a situação e os argumentos enfrentados pelo julgador de primeiro e segundo grau ainda não foram objeto de debate nas instâncias extraordinárias os Juízes e Tribunais poderão analisá-los fixando os respectivos entendimentos.
Com isso, se evitam subjetividades do julgador, pois havendo precedente estabelecido pelas altas cortes jurisdicionais acerca de situação fática colocada para sua análise deve observá-lo.
Nesse contexto, naturalmente também estar-se-ia dialogando de maneira relevante na preparação de ambiente satisfatório de estabilidade jurídica no país a permitir investimentos na economia, por conseguinte interagindo com aumento de produtividade da indústria, circulação de bens e capital, crescimento do Produto Interno Bruto – PIB, diminuição dos índices de desemprego e melhor distribuição da riqueza.
O respeito aos precedentes de certo tem o condão igualmente de modificar a cultura jurídica nacional litigiosa, transformando-a em consensualista e negocial, se direcionando para diminuição do estoque de processos.
O Poder Judiciário nacional possuir cerca de 100 (cem) milhões de processos tramitando, este é um número que fala por si, portanto, passa-se do momento de reflexão para se caminhar para medidas efetivas.
O crescimento da economia brasileira a permitir progresso social estão seriamente comprometidos em ambiente jurídico de falta de previsibilidade, e esta questão igualmente não se desatrela da constatação de que o país é hoje a terceira maior população carcerária do mundo.
Toda essa conjuntura faz decisões importantes para o direcionamento das relações sociais e econômicas no âmbito do Judiciário delongarem por lapso temporal extenso a ultrapassar 10 (dez) anos como no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 3357, ajuizada em 30.11.2004, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), em que a autora contesta a Lei gaúcha 11.643, de 21 de junho de 2001, que proíbe a produção e comercialização de produtos à base de amianto no Estado do Rio Grande do Sul, e que inclusive ainda não foi concluído, estando suspenso desde 31 de outubro de 2012.
Nessa perspectiva, a percepção do cenário em que o país vive deve servir de móvel aos atores do sistema de justiça para se reinventarem, postulando agora sim, em favor do crescimento econômico nacional, o qual passa diretamente por haver um ambiente de segurança jurídica, princípio esse que tem a força de garantir isonomia entre os envolvidos em qualquer relação jurídica e pacificação social.
Arthur Corrêa da Silva Neto é Defensor Público do Estado do Pará; Conselheiro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP; Coordenador-Geral da Comissão de Execução Penal do CONDEGE 2015-2016; Membro do Conselho Superior da DPE/PA; Membro do Conselho Penitenciário do Estado do Pará; Membro do Conselho Estadual de Política Criminal e Penitenciária do Pará – CEPCP; Coautor do Livro "Execução Penal - Novos Rumos, Novos Paradigmas. 1ª ed. 2ª tiragem, rev. Manaus: Aufiero.
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