Por Luís Carlos Valois – 02/07/2016
As redes sociais estão cheias de aforismos, sentenças e ditados dos mais diversos. Resultado da nossa pressa de cada dia, do pouco espaço, impossibilitando a todos se manifestarem, ou mesmo da dificuldade de um pensamento mais complexo, os motivos podem ser vários, mas as frases feitas têm tido cada vez mais sucesso no mundo virtual.
Nietzsche é um dos campeões de citações. Destruidor da moral ordinária, suas frases expõem a hipocrisia de que somos reféns, o que faz bem até ao maior hipócrita, pois, afinal, faz parte da hipocrisia a possibilidade de o hipócrita criticar a própria hipocrisia que o caracteriza.
Ocorre que tem uma frase de Nietzsche, a qual sempre tive vontade de citar, mas não queria deixá-la jogada assim, ao léu, em um simples post de Facebook.
Foi então que me deparei com um fato perfeito para a frase não ficar afastada de um raciocínio mínimo. Mas, para me referir a tal citação, necessário falar de outro personagem da história, este já não tão nobre quanto o filósofo alemão.
Trata-se de Cesare Lombroso. Lombroso foi um médico italiano que viveu entre os séculos XIX e XX, considerado o pai da criminologia porque é tido como o primeiro a ter estudado o criminoso. Sua obra mais importante tinha esse nome: "O Homem Delinquente".
Lombroso acreditava que a ciência poderia encontrar características especiais em uma pessoa para classificá-la como criminosa, e analisou orelhas, narizes, olhos, tamanhos de crânio etc. Ele, Lombroso, nem percebia que seu objeto de pesquisa estava previamente selecionado pela polícia e pela repressão política da época, e começou a encontrar características parecidas entre os presos.
O médico italiano fez escola. A nossa Lei de Execução Penal ainda tem influências de Lombroso em um tal de exame criminológico que, embora não procure mais medir a testa do indivíduo, procura examinar a autoestima, os níveis de violência e de afetividade, como se uma pessoa presa com ratos, baratas, em uma cela superlotada, pudesse ter alta autoestima, mantendo um bom nível de afetividade.
Lombroso especificamente não possui mais boa fama no meio jurídico. Chega até a ser ofensa chamar alguém de lombrosiano, embora tenhamos inúmeros deles. A aparência ainda é fator encarcerador, bastando uma visão rápida de qualquer penitenciária ou camburão da polícia.
Não obstante os estudos alienados do mundo e da política terem levado Lombroso a conclusões ridículas, o médico foi um dos grandes incentivadores da reforma penitenciária no seu tempo. Ele acreditava que, se o criminoso era um doente, a prisão poderia ser um hospital e, portanto, levar a alguma espécie de cura.
Muitos têm esse pensamento hoje em dia, com mudanças de perfil aqui ou ali, mas têm. Embora só a dificuldade de reflexão acima referida possa fazer alguém acreditar que o encarceramento pode ajudar alguém a aprender a viver em sociedade, muitos acreditam ou, o que acho mais provável, usam esse argumento, chamado de "ressocializador", como justificativa para não deixar transparecer o ódio contra o preso.
Pois então, conta a história que ambos, Nietzsche e Lombroso, habitaram a cidade de Torino, na Itália, na mesma época, por um breve período de tempo. Isso teria sido no ano de 1888, ocasião em que se preparava a primeira tradução italiana de Nietzsche (BOLLONE, 2009).
Nietzsche morava próximo à sua editora, na via Carlo Alberto, número 6, região frequentada por Lombroso, com restaurantes, livrarias e universidades, além de um instituto biológico. Assim, abstraindo a miopia de Nietzsche, que o fazia quase cego, podemos imaginar um encontro, casual que seja, dos dois.
E se podemos, podemos também imaginar Nietzsche dizendo algo a Lombroso que, no final das contas, não teria percebido a profundeza da frase ou não teria dado muita importância à mesma, tão compenetrado no seu trabalho que era.
Mas algo de valor a ser dito, válido para todos os demais lombrosianos de hoje em dia: “Finalidade do castigo - o castigo tem a finalidade de melhorar aquele que castiga - este é o último recurso dos defensores do castigo" (NIETZSCHE, 2001, p. 219).
Notas e Referências:
BOLLONE, Pierluigi Baima. Cesare Lombroso e la scoperta dell'uomo delinquente. Torino, Itália: Priuli & Verlucca, 2009.
NIETZSCHE, Friedrich. A gaia da ciência. 2001. São Paulo: Cia das Letras, 2001.
. Luís Carlos Valois é Juiz da Vara de Execuções Penais do Amazonas, mestre e doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo, membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, membro da Associação de Juízes para a Democracia – AJD, e membro da Law Enforcement Against Prohibition (Associação de Agentes da Lei contra a Proibição) – LEAP. .
Imagem Ilustrativa do Post: prison guard tower // Foto de: Rennett Stowe // Sem alterações
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