NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS E SUA APLICAÇÃO NO PROCESSO DO TRABALHO: análise do art. 2o, II, da Instrução Normativa 39 do TST e do Enunciado 131 do FPPC

13/06/2019

 

O CPC/2015, entre as inúmeras novidades, trouxe a possibilidade das partes convencionarem por meio de negócios processuais atípicos.

Segundo Fredie Didier Jr[1]: “Negócio processual é o fato jurídico voluntário, em cujo suporte fático se confere ao sujeito o poder de regular, dentro dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais ou alterar o procedimento.”

O artigo 190 instituiu a possibilidade de celebração de negócios jurídicos processuais, que podem ser conceituados como o negócio jurídico celebrado, em juízo ou fora dele, com a intenção de produzir efeitos processuais, antes do processo (pré-eficácia do negócio processual), no curso do processo ou depois de encerrado o processo (pós-eficácia do negócio processual).[2]

No entanto, a autonomia da vontade das partes não é absoluta, não podendo as partes transacionarem quando houver: nulidade, inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.

Dúvida surge ao pensarmos no tema de forma interdisciplinar. Pergunta-se: as relacões de emprego retratam manifesta situação de vulnerabilidade, tornando então impossível a aplicação dos negócios processuais ao Processo do Trabalho?

Certamente, dentre os princípios que regem o Direito Processual e Material do Trabalho, o de maior relevância é o princípio protetivo, que tem por objeto o equilíbrio, o tratamento igual, trazer a parte mais fraca da relação contratual ao pé de igualdade da outra, equiparar o empregado ao empregador. Afinal, deve haver igualdade entre as partes do contrato ou do processo para que enfim se fazer justiça. E foi assim que surgiu no Ordenamento Jurídico Trabalhista o Princípio da Proteção.

Tal afirmativa é muito bem enfatizada na obra “A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017” (Delgado, 2017[3]):

O claro direcionamento da ordem jurídica internacional estipulada pela OIT e da ordem jurídica nacional estabelecida pela Constituição da República de 1988 e pelas leis trabalhistas do país, no sentido da fixação de incentivos e proteções ao trabalho protegido, especialmente a relação de emprego, tomam excetivas as diversas formas de contratação do trabalho humano fora desses marcos civilizatórios superiores.

São sábias a ordem jurídica nacional e a internacional ratificada, uma vez que essas modalidades excetivas de contratação trabalhista, inclusive a terceirização, tendem ao rebaixamento protetivo da força de trabalho e à precarização do valor trabalho, propiciando desproporcional, injusta e antissocial prevalência do poder econômico empresarial sobre os seres humanos que vivem do trabalho.

Neste sentido, o exemplo maior expresso em nosso ordenamento jurídico a respeito da relevância do contrato de trabalho fundado no princípio protetivo, mesmo que de maneira simbólica, é nossa Constituição Federal, que já em seu artigo 1º, e no mesmo inciso, destaca como princípio fundamental que:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

Ou seja, o direito social ao trabalho está em pé de igualdade à livre iniciativa em face do princípio protetivo, tanto que há um capítulo próprio em nossa Carta Magna, com destaque ao artigo 7º, para tratar deste direito social fundamental, além, logicamente, da própria CLT e tantas outras leis especiais relacionadas à relação de trabalho.

É bom destacar que no contrato de trabalho a máxima de que “o contrato faz lei entre as partes” não se aplica, aliás, em termos não se aplica, eis que hoje, observado o atual Código de Processo Civil e seus diversos mecanismos, em destaque a mediação, arbitragem, conciliação, nos quais, via de regra, é a vontade das partes em contratar e distratar, sem intromissão direta de um juiz, por exemplo, é que prevalece.

Em tempo, devemos relembrar que o CPC é fonte subsidiária do ordenamento jurídico processual trabalhista, aliás, o direito comum o é, em face do artigo 8º da própria CLT. E aqui devemos dar destaque também ao artigo 769 da mesma consolidação, eis que “nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho”, mas “naquilo em que for incompatível com as normas deste Título”.

O título supramencionado, o X da CLT, traz em seu artigo 764 que “os dissídios individuais ou coletivos submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho serão sempre sujeitos à conciliação”, mas, cuidado, não se trata da conciliação direta das partes, trata-se de conciliação supervisionada aos olhos e cuidado do Juiz do Trabalho, observado o princípio protetivo.

 Sequer a Lei 13.467/2017, apelidada de a lei da “Reforma Trabalhista”, da “Modernização Trabalhista”, a qual, em tese, tem por fundamento dar maior liberdade contratual às partes, excluiu do texto legal o princípio protetivo.

É certo que reforma trabalhista trouxe regras contratuais novas, como o trabalho intermitente, a rescisão contratual por acordo, o trabalho por tempo parcial, a comissão de fábrica, o novo intervalo intrajornada, etc. Porém, veja-se, ao normatizá-las não dá aso para tratamento diverso, pois determinada como deve ser esta nova forma contratual.

Somado a isso, agora o convencionado prevalece sobre o legislado, ou seja, o que a categoria sindical do empregado acordar com a categoria sindical da empresa ou com a própria empresa prevalece sobre a lei, certo? Não, a Lei 13.467/2017, ao alterar a CLT, inseriu o artigo 611-B, que prescreve uma série de direitos trabalhistas que não podem ser acordados convencionalmente.

Sendo assim, em que pese a tendência normativa geral pender para a autonomia das partes na contratação do negócio jurídico ou na dissolução dele por acordo, mediação ou arbitragem, observada a “manifesta situação de vulnerabilidade do empregado em relação ao empregador”, como bem salienta a Dra, Fernanda Sell de Souto Goulart, a relação de trabalho ainda é regida pelo Princípio da Proteção, e o ordenamento jurídico, seja ele doutrinário, jurisprudencial ou jurisdicional deve seguir balizado por ele, por força de lei.

Superadas as questões acerca da negociação processual com o advento do CPC/15, bem como a análise da vulnerabilidade intrínseca decorrente da relação de emprego, cabe nesta parte derradeira, abordar duas importantes fontes de direito que abordam, diretamente, a questão da aplicação do art. 190 do CPC/15 no processo do trabalho. Tratam-se do art. 131 do Forum Permanente de Processo Civil e o art. 2º, II da Instrução Normativa do TST.

Cumpre, de início, ressaltar que a análise de ambas fontes, ante ao seu caráter “sublegal”, deve se dar de acordo com a lei que ambas visam regular/explicar, sem que nos olvidemos, naturalmente, do aspecto constitucional aplicável. Isso porque, ambas possuem problemas em suas fontes, que por não seguirem o processo legislativo próprio, possuem, ambas, vinculação muito duvidosas.

A primeira fonte se trata de enunciado de um Fórum (cuja aplicabilidade é costumeiramente admitida, como no caso dos enunciados do FONAJE, que não deixa de ser um Fórum também), e a segunda uma Instrução Normativa do TST. Ambas abordam do mesmo tema de forma absolutamente antagônica. 

Isso porque enquanto o art. 131 do FPPC defende a aplicabilidade do instituto da negociação processual no processo do trabalho...

  1. (art. 190; art. 15) Aplica-se ao processo do trabalho o disposto no art. 190 no que se refere à flexibilidade do procedimento por proposta das partes, inclusive quanto aos prazos. (Grupo: Impacto do CPCno Processo do Trabalho)

O mesmo não se pode dizer do art. 2º, II da Instrução Normativa 39 do TST:

Art. 2° Sem prejuízo de outros, não se aplicam ao Processo do Trabalho, em razão de inexistência de omissão ou por incompatibilidade, os seguintes preceitos do Código de Processo Civil: II - art. 190 e parágrafo único (negociação processual);

A solução para esta celeuma, como de costume, encontra-se no meio termo.

Ao nosso sentir, acerta em partes o TST ao apontar que a vulnerabilidade intrínseca da relação de emprego deve ser considerada um impeditivo à aplicação do art. 190, ao menos em regra. E a regra que aqui se propõe é a inaplicabilidade da negociação processual, pré-processual, ou seja, aquela em que as partes definem em um momento pré-lide, quais as regras processuais se incidirão caso seja necessária a propositura de demanda judicial para dirimir qualquer desavença decorrente dessa relação contratual.

O mesmo, no entanto, não se pode dizer quanto a negociação processual ocorrida dentro de um processo judicial, e aí está a virtude parcial do Enunciado 131 do FPPC. Isso porque, não é novidade no Direito do Trabalho o afastamento de princípios protecionistas quando se está diante da figura do juiz de direito, apto a detectar e afastar, de forma subjetiva, caso-a-caso, eventuais abusos.

Não à toa, a renúncia de direitos trabalhistas - impossível em um momento pré-processual – é, há muito tempo, perfeitamente admissível diante da homologação judicial.

Ora, se pode a parte renunciar de seu direito à férias, ou até mesmo ao direito de receber parte de salários vencidos e não pagos desde que sob a homologação judicial, o porquê não se poderia admitir a renúncia de direitos processuais, desde que pela mesma via?

Daí que, a melhor interpretação parece ser aquela que afasta a possibilidade da aplicação da negociação pré-processual, com o espeque no parágrafo único do art. 190 c/c o art. 2º, II da IN 39 do TST, sem contudo inviabilizar a negociação processual durante seu curso, mediante acordo acompanhado por advogados e homologado pelo magistrado.

Por fim, deve-se destacar que essa possibilidade também não deve ser tida por absoluta, na medida em que o próprio parágrafo único do art. 190 permite ao magistrado a análise dos termos do acordo, possibilitando a não homologação do mesmo, caso presentes clausulas extremamente desvantajosas considerada as hipossuficiência da parte prejudicada.

 

 

 

Notas e Referências

[1] Disponível em https://www.editorajuspodivm.com.br/cdn/arquivos/0f9856a3ca61b0e12c52d2712d3a4de0.pdf

[2] Disponível em https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI258990,71043-Negocios+juridicos+processuais+no+novo+CPC+o+que+pode

[3] Delgado, Mauricio Godinho. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017.

Mauricio Godinho Delgado, Gabriela Neves Delgado. - São Paulo : LTr, 2017.

 

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