São cada vez mais comuns na nossa sociedade as fake news (ou notícias falsas, em português), que podem ser utilizadas para os mais variados fins e sobre os mais diversos temas. Quando aliadas à internet e a sua fácil difusão acabam atingindo outro patamar no que concerne aos danos gerados às vítimas. Isto fica ainda mais evidente quando as analisamos no âmbito das eleições e da saúde pública.
A título de exemplo, na esfera eleitoral as fake news são utilizadas para atingir a honra e imagem de determinados candidatos e beneficiar outros, podendo influenciar diretamente o resultado final do pleito, demonstrando como o sistema adotado pelo ordenamento brasileiro através do Marco Civil da Internet é insuficiente para combater este tipo de ilícito, razão pela qual o legislador deve buscar editar uma lei com a finalidade de coibi-lo de forma realmente eficaz.
Nas eleições dos Estados Unidos da América de 2016 na qual elegeu-se Donald Trump, por exemplo, pesquisas apontaram que houve influência direta das fake news no resultado do pleito e que, inclusive, cerca de 27% do eleitorado teria acessado ao menos uma fake news nas semanas que antecederam a eleição presidencial[1]. Outro exemplo ocorreu nas eleições presidenciais do Brasil em 2018, na qual foram utilizadas fake news com a finalidade de angariar votos e prejudicar candidatos. A própria OEA (Organização dos Estados Americanos) se pronunciou sobre o fenômeno das fake news ocorridas nas eleições brasileiras de 2018 como “sem precedentes”[2].
É incalculável o poder de persuasão das fake news, podendo influenciar de forma drástica as eleições. Caso haja demora em retirar o conteúdo falso da internet poderão ocorrer severas consequências eleitorais, podendo o candidato vítima das fake news perder diversos eleitores se não houver imediata determinação para o provedor de conteúdo retirá-las da internet, não havendo razoabilidade em se aguardar o trâmite de uma ação judicial que, via de regra, é lenta e insuficiente para atingir o objetivo de retirar imediatamente tal ilícito da internet.
Também é nítida a importância das fake news no âmbito de questões que envolvem saúde pública, tais como movimentos antivacinas e, mais atualmente, questões relativas à pandemia de coronavírus (COVID-19). A questão envolvendo “fake news e saúde pública” é tamanha que o próprio Ministério da Saúde do Brasil criou um portal para esclarecer o que é notícia falsa e o que é notícia verdadeira (https://www.saude.gov.br/fakenews).
Percebe-se, assim, que o fator tempo assume nítida importância neste tipo de ilícito, pois, quanto maior o tempo para retirar uma notícia falsa da internet, maiores serão as consequências. Diante disso, demonstra-se mais razoável que eventual legislação sobre fake news utilizasse o sistema do notice and take down anterior ao Marco Civil da Internet, pois a capacidade de gerar danos aumenta significativamente conforme haja demora em se retirar o ilícito da internet.
O sistema do notice and take down foi adotado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça antes da promulgação do Marco Civil da Internet em 2014, determinando que houvesse notificação extrajudicial para retirada de qualquer conteúdo que entendesse ilícito, a qual deveria ser atendida no prazo de 24 horas, sob pena de responsabilização solidária do provedor de conteúdo com o autor do ilícito pelo dano ocasionado[3]. O provedor de conteúdo não estaria obrigado a analisar o teor da denúncia recebida no prazo mencionado, devendo apenas promover preventivamente a suspensão das páginas, checando a veracidade das alegações em momento futuro oportuno[4].
Ocorre que, a responsabilização civil dos provedores por conteúdo ilícito de terceiros passou a ser norteada por novas regras com o advento do Marco Civil da Internet. No caput do art. 19 há previsão expressa de que o provedor de aplicações de internet somente seria responsabilizado civilmente por danos advindos de conteúdo gerado por terceiros após descumprir ordem judicial específica determinando sua remoção (judicial notice and take down)[5]. Tal comando contraria o anterior posicionamento de que esta notificação poderia ser extrajudicial. A criação desse mecanismo de litigiosidade é criticada por parte da doutrina[6], que chega a taxar tal disposição de inconstitucional por violar direitos consolidados dos usuários[7].
O Marco Civil da Internet de fato representa um avanço no trato jurídico das relações derivadas do uso da internet. No entanto, se mostra conflitante e insuficiente em alguns pontos com entendimentos e leis que beneficiavam os usuários, principalmente quando a temática envolve notícias falsas.
Neste sentido, é importante que o Brasil vá ao encontro de outros países que têm buscado editar leis de combate as fake news, tais como a Alemanha e a França. Em junho de 2017, a Alemanha adotou uma lei contra a publicação nas mídias sociais de conteúdo com discursos de ódio, pornografia infantil, itens relacionados com terrorismo e informações falsas, estipulando multas elevadas para as redes sociais que falharem na remoção do conteúdo ilegal. Na mesma toada, a França em novembro de 2018 aprovou uma lei cujo objetivo principal é permitir que juízes possam determinar a remoção imediata de notícias falsas, visando principalmente o período eleitoral.
No Brasil, percebe-se que ainda não há uma lei realmente efetiva que combata as fake news. O Brasil deveria seguir os bons exemplos vindos do exterior e editar uma lei com multas significativas aos provedores de aplicações de internet por falhas na remoção de notícias falsas e determinando outros meios de coerção com a finalidade de combatê-las, uma vez que o Marco Civil da Internet é insuficiente para tal, conforme evidenciado nas eleições e em questões envolvendo saúde pública.
Em relação às fake news envolvendo saúde pública, por exemplo, os próprios provedores têm intensificado o combate contra a disseminação de notícias falsas em suas plataformas, inclusive direcionando equipes para identificar posts com fake news sobre o coronavírus (COVID-19)[8]. Tal fato demonstra, novamente, que a notificação judicial para retirada de conteúdo em determinados casos que envolvem notícias falsas é extremamente gravosa para a população, pois pode gerar danos irreparáveis.
A remoção de notícias falsas não pode decorrer somente de uma determinação judicial como prega o Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/14), visto que a demora em sua retirada pode ocasionar danos sociais enormes. Não há razões para que não sejam retiradas fake news que envolvam questões importantes como saúde pública e eleições pelo provedor de aplicações de internet após notificação extrajudicial de pessoas ou órgãos interessados, visto que o fator tempo é de suma importância neste tipo de ilícito.
Notas e Referências
[1] Neste sentido: ALCOTT, Hunt; GENTZKOW, Matthew. Social media and fake news in the 2016 election. Journal of Economic Perspectives, v. 31, n. 2, pp. 211-236, 2017; e GUESS, Andrew; NYHAN, Brendan; REIFLER, Jason. Selective Exposure to Misinformation: Evidence from the consumption of fake news during the 2016 U.S. presidential campaign. Disponível em: <http://www.dartmouth.edu/~nyhan/fake-news-2016.pdf>. Acesso em: 20/03/2020.
[2] MELLO, Daniel. Para OEA, difusão de notícias falsas no Brasil não tem precedentes. In: Agência Brasil. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2018-10/para-oea-difusao-de-noticias-falsas-no-brasil-nao-tem-precedentes>. Acesso em: 20/03/2020.
[3] STJ. REsp 1.337.990/SP. Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino. Órgão julgador: Terceira Turma. Julgado em: 21/08/2014.
[4] STJ. REsp 1.323.754/RJ. Rel. Min. Nancy Andrighi. Órgão julgador: Terceira Turma. Julgado em: 19/06/2012.
[5] Art. 19, Lei n. 12.965/14 - Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
(...)
[6] Neste sentido: LIMA, Cíntia Rosa Pereira de. A responsabilidade civil dos provedores de aplicação de internet por conteúdo gerado por terceiro antes e depois do Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/14). Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 110, p. 173 jan./dez. 2015; e SCHREIBER, Anderson. Marco Civil da Internet: avanço ou retrocesso? A responsabilidade civil por dano derivado do conteúdo gerado por terceiro. In: Direito & Internet III – Tomo II: Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014). DE LUCCA, Newton; SIMÃO FILHO, Adalberto; LIMA, Cíntia Rosa Pereira de (coords.). São Paulo: Quartier Latin, 2015. pp. 293-294.
[7] Para aprofundar, recomenda-se a leitura: FLUMIGNAN, Wévertton Gabriel Gomes. Responsabilidade civil dos provedores no Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/14). Dissertação de Mestrado. Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 2018.
[8] LOUREIRO, Rodrigo. Facebook vai notificar usuários sobre fake news envolvendo o coronavírus. In: Exame. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/tecnologia/facebook-vai-notificar-usuarios-sobre-fake-news-envolvendo-o-coronavirus/>. Acesso em 15/03/2020.
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