Nada será como antes amanhã? – Por Léo Rosa de Andrade

18/05/2016

Desejamos outros modos políticos? Isso pede considerações sobre nós mesmos e sobre nossa relação com a Sociedade. São coisas sabidas, mas nem sempre levadas em conta quando reagimos aos fatos da vida pública.

Conferindo Partidarismo e o cérebro, de Suzana Herculano-Houzel (FSP, 26abr16), veremos que somos a favor ou contra determinadas orientações partidárias apenas porque estamos com certo “alinhamento” estabelecido no cérebro.

Por razões primitivas, “institivamente” defendemos nossa turma por senso de pertencimento, e atacamos os adversários, inclusive quando corretos, por estranhamento. Não contrariamos outra ideia, mas outro bando.

Também somos movidos por formatações ideológicas. Modos de pensar o mundo constituem nossa subjetividade. Pensamentos semelhantes têm maior chance de aproximação recíproca, formando estratégias de sobrevivência.

E estamos em rede. As iras políticas nossas de cada dia estão “compartilhadas’’. Talvez não se saiba, mas há uma armadilha embutida nisso. Por exemplo, o Facebook: ele devolve a cada usuário a expressão do emitido.

Por meio de operações algorítmicas faz-se análise de curtidas, postagens, comentários. Perfila-se o utente e se lhe retorna o seu próprio gosto, mas ele supõe que o seu interesse é prevalente e universal.

Então, por “instinto”, ideologia ou implicação de rede social, muitas vezes o coxinha sensato ou o mortadela esclarecido está apenas ajuntado com os seus e repetindo os lugares comuns de suas fórmulas interpretativas da vida.

Coxinha ou mortadela, ambos, talvez sem consciência, podem ser só seus bandos e seus equivalentes sociais. Isso em se falando dos espontâneos, porque é bem sabido que posturas e negócios pouco confessável movem muita gente.

Às vezes, simples desonestidade intelectual:  mortadelas acusam Temer de compor seu ministério com 7 “investigados”; coxinhas lembram que 19 compunham o governo Dilma. Reduzem moral pública a aritmética criminal.

Suspeitar de si e de convicções endossadas pela própria turma é postura que empresta serenidade para fazer análise: a coxinhice ou a mortadelice que me encerra e move será mesmo razão e argumento para melhorar o País?

Será que os brasileiros, com argumentos e atos coxinhas ou mortadelas, podemos dar conta de nós? Podemos dar conta e rumo a estas circunstâncias difíceis pelas quais estamos passando, apesar de estarmos inseridos nelas?

Considerando que a realidade das relações de poder não podem ser capturadas por essa contenda chinfrim entre duas seitas, a questão deve ser posta de outra forma: quem terá autoridade legítima para fazer andar o Brasil?

Quem encetará o necessário diálogo público da Nação? Quem são os interlocutores relevantes? A quem reconheço discernimento para formular e gerenciar políticas governamentais? Por quais processos se elegerão os governantes?

Estamos com déficit de conteúdo (no atacado, nossos políticos são ruins) e com defeito de forma (sistema legal eleitoral e de partidos vencidos). Mas a questão de fundo permanece: quem encaminhará as reformulações?

A prática política, com qualquer qualidade ou por qualquer meio, há de funcionar suportada por persuasão. Se não persuado o outro, não obtenho autorização. E se o engano, os fatos futuros me denunciam.

Nos últimos tempos houve muitas mentiras, muitos gritos de “fora...”, muita agressão. Não funcionou, não funcionará. O Brasil sempre foi e certamente continuará sendo um reflexo dos brasileiros. Nem mais, nem menos.

Para mudar não basta campanha de negação, recusa generalizada. Se reclamo mas me sonego aos processos legitimadores, permanecerão os mesmos candidatos e os mesmos eleitos. Só se faz alternativa quem se candidata.

É difícil dar marcha à ré em relações de poder consumadas. Para que aconteçam outras pessoas, outras ideias, outras práticas, há que se ir, antes das consumações, à busca de autorização pública e fazer política.

Encarar a política como ela é e pelear para que seja o que deve ser. Ela está como, por ação ou omissão, a fizemos. Ela estará melhor se for melhorada pelos dispostos a se legitimar para tanto. Ou tudo será como antes amanhã.


 

Imagem Ilustrativa do Post: LEONARD COHEN ... // Foto de: Bill Strain // Sem alterações

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