Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan
O coordenador desta coluna, tão valiosa ao grupo de pesquisa Teorias Sociais do Direito – PPG de Direito da Universidade LaSalle, professor Marcos Catalan, quando entrevistado pelo Empório foi questionado sobre que o fazia sentir a necessidade de falar sobre os assuntos aqui expostos. Ao responder, afirmou que “as utopias nos movem”. Desde então, passei a reflexionar sobre a minha narrativa do que seria uma sociedade perfeita e feliz. A meu ver, a resposta a essa indagação somente será alcançada por meio pensamento (dos postulados) feministas. Assim, ao considerar o atual contexto social e político, é inegável que o feminismo se concretiza como é um compromisso inadiável, como um instrumento de transformação social. Inclusive, é o feminismo como instrumento de transformação social que poderá, quiçá, promover uma sociedade justa, por intermédio de sua forma não opressora de interpretar o mundo.
Sob essa perspectiva, tento e respingo ao utópico, pois não há nada de atual. Nesse sentido, Andrea Dworkin, em meados da década de 80 do século XX, denunciava por meio de quais modos argumentava-se a inferioridade das mulheres. Ela explicava que o argumento mais persuasivo a submissão das mulheres é aquele que se relaciona à biologia, crença essa que é a base do sistema sexual, mas “é também a justificativa para a maior parte da agressão sexual sistemática que as mulheres experienciam”[1].
Nesse ponto, a autora afirma que “se houvesse uma suposição universal de que nós deveríamos desfrutar dos mesmos direitos que os homens e que têm o mesmo valor, estaríamos vivendo em um mundo completamente diferente. Mas não existe essa premissa”[2]. Logo, com o fim de exemplificar essa argumentação de cunho biológico, Andrea Dworkin manifesta: “eu suspeito que se você fizer uma retrospectiva, muito dos acontecimentos humilhantes das suas vidas – e eu estou falando com as mulheres dessa sala – tem em suas raízes o pensamento de que você deve ser tratada dessa maneira por ser mulher”[3].
A premissa universal de igualdade, conforme sustenta Alda Facio, mantem-se inexistente materialmente[4]. Então, o argumento biológico, utilizado como fundamento de inferiorização das mulheres, segue sendo uma preocupação do movimento feminista. O cerne de tal preocupação permanece latente não só pela razão de os homens acreditarem na inferioridade biológica da mulher, mas principalmente pela razão de as mulheres acreditarem que são inferiores ou que estão destinadas a uma condição social pelo simples fato de serem mulheres.
O movimento feminista deve ser lido, portanto, como um movimento contra o sofrimento, para além de ser um movimento pela liberdade e pela igualdade, já que o movimento carrega a dor de uma e de todas as outras mulheres. Logo, a agressão sexual sistemática não pode existir na sociedade feminista e, se assim for, fato é que na sociedade feminista não pode existir o consumo de pornografia.
A pornografia tem sido mantida no ideal de que não pode ser excluída ou disseminada, mas que só pode ser alterada. Isso faz que sua ação seja perpetua. Nessa lógica, há muito sustentaram Andrea Dworkin e Catharine Mackinnon que a “pornografia é central na criação e manutenção da desigualdade civil entre os sexos. Pornografia é uma prática sistemática de exploração e subordinação baseado no sexo que prejudica diferencialmente as mulheres”[5]. Dessa forma, a pornografia torna-se elemento essencial para institucionalização do domínio masculino, pois seus impactos são diretamente relacionados com a agressão sistemática vivenciada pelas mulheres.
Fácil perceber que a regra do primeiro contato sexual de crianças e adolescentes tem-se dado pelo acesso à internet. Sobre este fato, a socióloga Gail Dines tem afirmado que a pornografia sequestrou a sexualidade dos jovens americanos, de homens e de mulheres, pois todos são constantemente expostos a uma pornografia que dita os hábitos de comportamento sexuais, cada vez mais violentos, na medida em que um se aprofunda no consumo da pornografia, que furta toda e qualquer oportunidade de desenvolver seu próprio comportamento e preferências sexuais[6].
Sem demora, à mulher cabe o aprender de uma sexualidade feminina orientada ao envolvimento de qualquer demanda, indiferente da dor física e psicodegradante que podem acarretar as fantasias sexuais daqueles que consomem a pornografia. Nesse sentido, Gail Dines esclarece que os responsáveis pela cultura pornográfica são os pornógrafos e que diferente do que o feminismo da década de 70 do século XX que partiu do ideal de um sexo livre e recebeu uma sexualidade plastificada e genérica, criada por uma indústria predatória cujo objetivo é maximizar lucros, não liberar sexualmente as mulheres[7].
Ademais, a pornografia é baseada na degradação da pessoa, de modo que jamais poderá ser saudável, visto que a imagem de alguém, majoritariamente mulher, sendo degradada torna inconsistente que possa vir a contribuir para uma sexualidade saudável. Aliás, o Comitê de Mulheres e Igualdades do parlamento do Reino Unido publicou um relatório no ano passado, que mostrou uma série de pesquisas que sugerem a existência de uma forte relação entre consumo de pornografia, atitudes que suportam violência sexual e a probabilidade de se cometer atos de violência.
Nada faria sentido, pois o consumo de pornografia não existe na sociedade feminista. Na sociedade feminista a pornografia é caso de saúde pública. Mais, a súplica de Andrea Dworkin, de querer experimentar apenas um dia de liberdade real antes de morrer, não se sustenta na sociedade feminista.
Sim! As utopias nos movem...
Notas e Referências
[1] DWORKIN, Andrea. Letters from a war zone: writings 1976-1987, London: Secker & Warburg, 1988.
[2] Idem.
[3] Idem.
[4] FACIO, Alda. Hacia otra teoría crítica del derecho. In: HERRARA, Gioconda (Coord.). Las fisuras del patriarcado: reflexiones sobre feminismo y derecho. Quito: Flacso/Conamu, 2000.
[5] DWORKIN, A. MACKINNON, C. A. Pornography and civil rights: a new day for women's equality. Organizing Against Pornography, 1988.
[6] DINES, Gail. Pornland: How Porn Has Hijacked Our Sexuality. Beacon Press, 2010.
[7] DINES, Gail. Pornland: How Porn Has Hijacked Our Sexuality. Beacon Press, 2010.
Imagem Ilustrativa do Post: Linhas // Foto de: Alexandre Pereira // Sem alterações
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