MULHERES MIGRANTES, ACESSO À SAÚDE E GESTAÇÃO

13/10/2020

Coluna Direitos de Crianças, Adolescentes e Jovens / Coordenadores Assis da Costa Oliveira, Hellen Moreno, Ilana Paiva, Tabita Moreira e Vivian Degann

O número de pessoas em deslocamento internacional é crescente nos últimos anos, face às dificuldades de sobrevivência em seus países de origem como: conflitos armados e/ou étnicos, desastres naturais, instabilidade política, social e econômica, dentre outras. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR, 2020) estima a existência de 79,5 milhões de pessoas em deslocamento ao redor do mundo. Destes, 40% eram meninos e meninas menores de 18 anos, dados que pode apontar para o crescimento da migração de famílias inteiras ou de menores desacompanhados.

As pessoas migrantes enfrentam muitos desafios no país de recepção. Desde dificuldades de comunicação por falta de conhecimento da língua, ao medo do estigma, discriminação e situações de violência incitadas pelo racismo, xenofobia e aporofobia. Para os que estão em situação documental irregular, a realidade é ainda pior, pois há o medo de constante de sofrer punições ao solicitar ajuda para si e sua família. Além disso, o desconhecimento dos mecanismos legais e das organizações de proteção disponiveis gera desconfiança e dificulta o acesso à cidadania. Outrossim, as expectativas de melhora de vida nem sempre são atendidas, pois estão mais expostas a situações de exploração e exclusão social, como o tráfico de seres humanos.

A Organização Mundial da Saúde (OMS/WHO, 2018) chama a atenção para o alto número de mulheres em deslocamento na Europa, tendo em vista que somam mais de 50% da população migrante, além disso, estão sob maior risco de sofrerem violência e tráfico de pessoas. A Organização Internacional para as Migrações (IOM, 2020) destaca o fenômeno da feminização da migração e a necessidade de uma abordagem sensível as questões de gênero nas políticas de inclusão de migrantes. Uma vez que, as mulheres estão construindo novos padrões de migração para si que não se restringem ao acompanhamento das suas famílias. Entretanto, estão mais susceptíveis a sofrerem exclusão laboral e a serem super qualificadas para os trabalhos que exercem. Ademais, quando possuem filhos tendem a restringir-se ao trabalho doméstico não remunerado, de meio período ou informal. A baixa renda acarreta dificuldades em atender aos critérios para a reunificação familiar ou retorno voluntários ao seu país de origem.

As mulheres migrantes enfrentam assim, maior vulnerabilidade social e econômica, além das dificuldades de cidadania inerentes a sua situação em um país estrangeiro. A gravidez, portanto, pode ser um potencializador da vulnerabilidade neste contexto que merece atenção. Em primeiro lugar, nem todos os países desfrutam de um sistema de saúde universal como o brasileiro, de modo que o acesso a saúde pode estar restrito no país de recepção, principalmente nos casos de migração irregular. No caso, da Europa, por exemplo, desde 2006 o Conselho Europeu indica que o atendimento a situações emergenciais de saúde deve estar acessível a migrantes não documentados e solicitantes de asilo, em especial a crianças, pessoas com deficiência, idosos e gestantes.

Na prática, entretanto, o atendimento às gestantes pode ficar restrito ao parto, seja por falta de clareza da legislação local, desconhecimento das mulheres ou o medo de sofrerem sanções ou deportações. Além disso, nem sempre o histórico médico da mulher está disponível, e a literatura aponta outros complicadores como contextos de violência e subnutrição que podem prejudicar a gestação (WHO, 2018). Diante disso, é recomendado pela OMS que as mulheres sejam acompanhadas em pelo menos oito visitas de pré-natal e por até 42 dias após o parto. Os atendimentos em saúde, entretanto, não são suficientes, visto que as mulheres migrantes têm outras necessidades como as econômicas e de apoio sociofamiliar. Cenário que as coloca sob maior risco mortalidade materna e fetal (Fair et. al., 2020).

Em segundo lugar, apesar das mulheres migrantes terem desvantagens semelhantes a outros grupos em situação de vulnerabilidade econômica e social nos países de acolhida, há o diferencial de serem atravessadas por discriminações interseccionais por congregarem a aporofobia e a xenofobia na visão de muitos. Outrossim, enfrentam barreiras diversas no acesso às políticas públicas como choques de cultura, dificuldades de comunicação, medo e estigmas sociais, além de estarem mais susceptíveis a questões de saúde mental (POLICY DEPARTMENT FOR CITIZEN'S RIGHTS AND CONSTITUTIONAL AFFAIRS, 2019).

É preciso desenvolver estratégias de atendimento que respeitem a diversidade cultural das mulheres migrantes, além de universalizar os atendimentos de saúde gratuitos a esta população que já enfrenta tantas intempéries em seu curso de vida e, por vezes, se encontra sob o peso da solidão em um país estranho. Deste modo, estão mais sensíveis a atitudes preconceituosas dos profissionais que devido a alienação frente aos contextos de vida das mulheres migrantes podem desconsiderar outros fatores importantes para a saúde materna como o acesso a moradia digna, alimentação e condições trabalho.

A guisa da conclusão, o número de pessoas em deslocamentos ao redor do mundo é crescente e demanda ações concretas e articuladas entre os países para garantir o acesso à cidadania a todos. Mesmo diante do contexto recente de fechamento de fronteiras, os deslocamentos continuam e se mostram cada dia mais perigosos, seja nas travessias ou nos países de recepção que não estavam preparados para atender a esta demanda em tempos de pandemia. Ademais, crimes de ódio contra migrantes parecem crescer, como os casos recentes de incêndios em acampamentos de refugiados[1] e em alojamentos de trabalhadores migrantes[2] na Espanha. Outras preocupações são as recentes acusações contra o governo americano de esterilização forçada de mulheres migrantes não documentadas em centros de detenção[3].

Tendo em vista que grande parte das mulheres migrantes estão em idade reprodutiva, é necessário, portanto, desenvolver estratégias de atendimento acolhedoras e desprovidas de estereótipos a elas. Além disso, é de suma importância garantir o acesso gratuito ao planejamento reprodutivo, pois elas não devem ser alvos de políticas públicas somente na gestação, mas também no seu cotidiano. Devem assim, ser respeitadas enquanto mães e enquanto mulheres. Com foco em fomentar sua autonomia social, política e econômica no país, ou seja, para que a condição de migrante não as condicione a precarização da sua cidadania.

          

Notas e Referências

ACNUR. Tendencias Globales: Desplazamiento forzado en 2019. Copenhague: ONU, 2020.

FAIR, F., et. al. Migrant women's experiences of pregnancy, childbirth and maternity care in European countries: A systematic review. PloS one, v. 15, n. 2, e0228378, 2020. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0228378

IOM. World Migration Report 2020. Ginebra: IOM, 2020.

POLICY DEPARTMENT FOR CITIZENS' RIGHTS AND CONSTITUTIONAL AFFAIRS. Directorate General for Internal Policies of the Union. Access to maternal health and midwifery for vulnerable groups in the EU. Brussels: Policy PE, 2019.

WHO. Improving the health care of pregnant refugee and migrant women and newborn children Technical guidance. Ginebra: ONU, 2018. Disponível em https://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0003/388362/tc-mother-eng.pdf. Acesso em 20 set. 2020.

[1] https://www.rtve.es/noticias/20200909/nuevo-incendio-vuelve-azotar-campo-refugiados-lesbos/2041818.shtml

[2] https://elpais.com/elpais/2020/07/08/eps/1594218155_607566.html

[3] https://www.dw.com/es/migrantes-esterilizadas-en-c%C3%A1rceles-de-eeuu-la-punta-del-iceberg/a-55045960

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