Mulheres: alguns dados sobre candidaturas políticas

28/09/2022

Aprende-se nos cursos de Direito que a legislação segue os costumes. Os costumes avançariam (nem sempre) e, posteriormente, seriam contemplados por comandos normativos, que os protegeriam ou até os imporiam. 

O casamento entre pessoas do mesmo sexo é um exemplo dessa afirmação. Tornou-se um fato social com efeitos diversos, como afetivos, familiares, econômicos, jurídicos. A Justiça o reconheceu, a Lei o contemplou. 

Também há maus costumes que o processo civilizatório alcança proibir, como ofensas a grupos étnicos. Criam-se leis que preveem punição a manifestações racistas. Igualmente, é vetado o desrespeito por condição de gênero. 

Mais modernamente, no Brasil, há muitas e importantes situações em que leis se anteciparam aos costumes, atropelando vencidos hábitos e promovendo a condição de assentamento de novos, mais inclusivos ou igualitários. 

Discriminação positiva: ocorre quando algum grupo social específico, por razões históricas, está em desvantagem social, estabelecendo-se legalmente providências niveladoras, implementando-se ações afirmativas práticas. 

A legislação partidária e eleitoral, incluídas as normativas do Tribunal Superior Eleitoral, tem sido profícua em criar condições de possibilidade para o gênero feminino e pessoas negras comporem as relações políticas de poder. 

O Observatório Nacional da Mulher na Política publicou a Nota Técnica 03/2022 – Breve análise das candidaturas e do respeito às cotas de gênero nas Eleições de 2022, por Ana Luiza Backes e João Carlos Afonso Costa. 

Disponível na internet, o minucioso estudo cobre as candidaturas para todos os cargos, sejam os federais, sejam os estaduais. Trarei e comentarei os dados comparativos das eleições de 2014, 2018 e 2022, a deputado\a federal. 

Em 2014, 7.136 candidato\as (C) à deputação federal, sendo 2.270 do gênero feminino (F), e 4.866 do masculino (M); em 2.018, 8.588 C, sendo 2.767 F e 5.821 M; em 2022, 10.269 C, sendo 3.543 F e 6.726 M. 

Portanto, em 2014, 31,4% F e 68,6% M; em 2018, 32,2% F e 67,8% M; em 2022, 34,5% F e 65,5% M. Não há grande crescimento de candidaturas femininas; não obstante, 2,3% em quatro anos devem ser considerados. 

Em 2014, feminina não negra (FNN) 1.265, negra (FN) 1.005, masculina não negra (MNN) 2.942, negra (MN) 1.924; em 2018, FNN 1.550, FN 1.217, MNN 3.452, MN 2.368; em 2022, FNN 1733, FN 1.791, MNN 3.603, MN 3.077. 

Em percentuais sobre o total, as candidaturas negras, em 2014, 44,3% F, 39,5% M; em 2018, 44,0% F, 40,7% M; em 2022, 50,8% F, 46,1% M. As candidaturas femininas negras cresceram 6,8% em uma eleição. 

O cruzamento de gênero e faixa etária traz dados interessantes. Tomando-se as candidatas entre 18 e 22 anos: em 2014, 77% das candidaturas eram femininas; em 2018, 50%; em 2022, 54%. Mais mulheres que homens. 

Em faixas etárias longevas, registram-se muito menos mulheres. Na faixa de idade entre 68 e 72 anos, em 2014, 19% das candidaturas são femininas; em 2018, 24%; em 2022, 20%. O feminismo não estava estabelecido. 

Educação. Dentre outros itens, sabiam ler e escrever, em 2014, 31 F, 37 M; em 2018, 34 F, 33 M; em 2022, 33 F, 51 M. Superior completo: em 2014, 963 F, 2512 M; em 2018, 1.352 F, 3.209 M; em 2022, 2.057 F, 3.949 M. 

Os mesmos itens em percentil: lê e escreve, em 2014, 46% F, 54% M; em 2018, 51% F, 49% M; em 2022, 39% F, 61% M. Superior completo: em 2014, 28% F, 72%, M; em 2018, 29% F, 71% M; em 2022, 34% F; 66% M. 

Em um aspecto importante como a educação universitária, portanto, as mulheres ainda estão em desvantagem, embora tenham subido no item superior completo, em duas eleições, seis pontos percentuais. 

Sobre as diversas profissões, considerarei algumas delas. Empressário\a, em 2014, 4,14% F, 11,88% M; em 2018, 7,05% F, 12,08% M; em 2022, 9, 51% F, 14,57% M. O número de mulheres empresárias quase dobrou. 

Advogado\a, há expressivo crescimento feminino: em 2014, 4,80% F, 7,67% M; em 2018, 7,08% F, 7,90% M; em 2022, 7,76% F, 8,43% M. O percentual feminino de jornalista e redatora também cresceu significativamente. 

Há uma profissão “exclusiva”: dona de casa. Há profissões que oferecem apenas políticos homens: policial militar, médico. Outras profissões trazem somente mulheres: enfermeira, professora de ensino fundamental. 

Estado civil: em 2014, casado\a, 39% F, 63% M. Em 2018, 41% F, 60% M; em 2022, 39% F, 60% M. Solteiro\a: em 2014, 42% F, 24% M; em 2018, 40% F, 27% M; em 2022, 38% F, 27% M. Mais mulheres independentes. 

Merece destacar os itens divorciado\a e\ou separado\a judicialmente. Somados, em 2014, 15% F, 12% M; em 2018, 16% F, 12% M; em 2022, 18% F, 13% M. Há razoável aceitação do divórcio, inclusive de mulheres. 

Média do patrimônio declarado: em 2018, R$ 668.980 F, R$ 1.155.166 M; em 2022, R$ 579.075 F, R$ 1.381.892 M. Em 2018 os homens tinham 73% e em 2022 139% mais bens. Desproporcional vantagem de poder masculino. 

Um dado ideológico a levar em conta: os pequenos partidos mais à esquerda possuem o maior percentual de candidatas; já os pequenos mais à direita trazem relativamente menos mulheres, ficando no limite da lei. 

Outra questão relevante: de 2014 para 2018, 596 candidato\as mudaram a autodeclaração de cor\raça; de não negro\a para negro\a, 240; de negro\a para não negro\a, 239. Assunto não assentado, nem para o foro íntimo. 

De 2018 para 2022, mais 427 mudanças de cor\raça: de não negro\a para negro\a 198; de negro para não negro, 135. No período de duas eleições, no restrito universo de candidato\as, 1023 reconsideraram sua cor\raça. 

Vale acessar o trabalho. Eu pretendi destacar dois aspectos das nossas relações sociais de poder que se expressam no mundo político: primeiro, as mulheres; as lutas feministas consolidaram-nas na vida pública. 

As pessoas negras, por cidadania e força de lei, fincam posição política. As revisões nas autodeclarações de cor\etnia, todavia, um titubear sobre a própria identidade, branca ou negra, nos diz o quanto o racismo nos desatina.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Estátua // Foto de: TPrato Vitalicio // Sem alterações

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