Mudanças propostas ao Enem: primeiras aproximações

19/04/2019

 

             Nos últimos anos temos visto que o Exame Nacional do Ensino médio- ENEM, tem apresentado uma interpretação sistemática e histórica da realidade e se empoderado mediante diálogos, contribuindo para o fortalecimento da democracia e do Estado de Direito. Este avanço no conteúdo está vinculado a independência e autonomia na formulação da prova, produzida sem interferência governamental.

            Ao invés de reagir de forma muito melhor às analises conjunturais, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), vinculado ao Ministério da Educação (MEC) através da portaria[1] nº 244 de 19 de março de 2019 determinou a criação de uma comissão no órgão, cujo objetivo é realizar leitura transversal dos itens disponíveis no Banco Nacional de Itens (BNI) para a montagem das provas do Exame Nacional do Ensino Médio e verificar a sua pertinência com a realidade social, de modo a assegurar um perfil consensual do Exame. Nesse sentido, cabe perguntar: qual será o resultado prático dessa medida?

            No campo da educação, é de grande importância a introdução dos temas transversais no cotidiano escolar. Há, dentro do espaço educacional ainda uma resistência para trabalhar com tais pautas, o que contribui para a invisibilidade das questões sociais. No caso brasileiro, em que historicamente é marcado por formas de opressão e de violência a grupos minoritários, é fundamental que as instituições de ensino se atualizem para o reconhecimento das demandas emancipatórias, em defesa do Estado de Direito e das liberdades democráticas. Esse é o seu verdadeiro papel. 

            A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) referente ao ensino médio determina que temas transversais podem ser apresentados por meio de projetos e pesquisas. Em nosso entendimento, a possibilidade do não desenvolvimento dos temas transversais no Enem tem a ver com a forte pressão exercida pelos grupos conservadores e apoiadores do Projeto “Escola sem partido”, com o objetivo de evitar “doutrinação ideológica” à “doutrinação marxista” no conteúdo, pois estes não têm apresentado compromisso com o debate no interior da escola sobre sexualidade, gênero, questão racial, direitos humanos, dentre outras temáticas relevantes para a formação dos alunos(as).

            A atual Reforma do Ensino Médio sancionada pela Lei nº 13.415[2], de 16 de fevereiro de 2017 representa os limites em curso para o campo da educação e para a democracia. Com este modelo, a não obrigatoriedade de determinados componentes curriculares, como Sociologia, Filosofia, Artes, e um maior respaldo à educação profissional confere aos estudantes menos espaço para desenvolver a capacidade de questionar, criticar e refletir. Pois bem, na realidade periférica brasileira, o Estado Social nem se firmou e tem sido desarticulado com uma série de recuo das proteções sociais. As reformas tendem por perseverar pela reprodução do instituído e de sua legitimação. Não por outra razão, assinala Mészàros[3]

(...) as mudanças, sob tais limitações, apriorísticas e prejulgadas, são admissíveis apenas com o único e legítimo objetivo de corrigir algum detalhe defeituoso da ordem estabelecida, de forma que sejam mantidas intactas as determinações estruturais fundamentais da sociedade como um todo, em conformidade com as exigências inalteráveis da lógica global de um determinado sistema de reprodução. (2005,p. 25)

             Nas palavras de Mészàros[4] (2006, p. 275), “A educação tem duas funções principais numa sociedade capitalista: (1) a produção das qualificações necessárias ao funcionamento da economia, e (2) a formação dos quadros e a elaboração dos métodos de controle político”. No Brasil, que é parte nas “veias abertas da América Latina” entendemos a importância de que a escola não seja apenas um espaço para assimilar conteúdos, mas que aponte para a educação crítica com vistas a mudanças em termos políticos, econômicos, sociais, culturais e subjetivos.

            A criticidade deve ser estimulada pelos professores para a tomada de consciência e com vistas a participação política dos sujeitos sociais, é significativo que o currículo esteja em consonância com as lutas sociais, isso é relevante na prática e pode contribuir para a igualdade de direitos em muitos aspectos. Da forma em que está, o discurso do novo que implicaria fazer emergir o real sentido democrático em matéria educacional, acaba dando roupagem moderna a antigas práticas legitimadoras da ordem vigente.

            É muito importante perceber que em termos de direitos, o Estado tem atuado à revelia do sentido da Constituição, neste caminhar, para os grupos dominantes a educação é uma esfera a ser mantida sob seu controle, sobretudo, em vista da produção social da força de trabalho para a produtividade e passividade, em favor do lucro, e por sua vez toma forma mercadológica. Temos desse modo uma série de elementos do âmbito neoliberal que se perpetuam a favor do poder estatal na contramão de aspirações progressistas de um ponto de vista social e democrático. No caso latino-americano e especificamente brasileiro, estruturalmente construído sob a lógica patrimonialista, a educação critica cabe ser a “ponte donde brota o lugar” civilizatório.

 

Notas e Referências

[1]http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=529&pagina=41&data=20/03/2019 Acesso em 20 de março de 2019

[2] BRASIL, Lei nº 13.415, de fevereiro de 2017. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13415.htm  Acesso em 20 de março de 2019

[3] MESZÁROS, István.A Educação para além  do capital.Tradução:IsaTavares.SãoPaulo:Boitempo,2005.

[4] MÉSZÁROS, István. A teoria da alienação em Marx. Tradução: Isa Tavares. São Paulo: Boitempo, 2006.

 

 

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