Coluna Espaço do Estudante
A usucapião é uma das formas de aquisição originária da propriedade, sendo concedida a quem exercer a posse de um bem por um determinado lapso temporal.
Destarte, tem-se a ideia de que a referida prescrição aquisitiva é medida que pode ser aduzida somente em petição inicial, a fim de se ter declarado um direito em face da coisa. Contudo, há a possibilidade de que o réu de eventual demanda possessória ou petitória suscite a usucapião em peça defensiva, conforme súmula 237, do Supremo Tribunal Federal, não apenas se defendendo, mas também atacando, “comprovando que preenche os requisitos de determinada modalidade de usucapião” (MONTENEGRO FILHO, 2017, p. 131).
Assim, considerando o princípio da eventualidade, em que a contestação é o momento útil ao réu para apresentar toda a matéria de defesa que entenda pertinente, entende-se que a única oportunidade que o réu tenha para arguir a usucapião é no momento da contestação, uma vez que os artigos 336, 341 e 342, do diploma processual civil, são explícitos ao determinar a obrigação do réu em deduzir toda sua matéria defensiva em momento oportuno, sob pena de se considerarem verdadeiras as manifestações suscitadas pelo demandante, estando impedido de suscitar qualquer outra tese defensiva depois da contestação, salvo as exceções legais.
Nesse sentido segue o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, o qual, nas apelações nº 70077548279 e nº 70077983559, ad exemplum, afirmou o entendimento de que a exceção de usucapião deve ser veiculada na contestação, além de ser instruída com as provas do preenchimento de seus requisitos, conforme aplicação da súmula 237 do STF, a qual possui a seguinte redação: O usucapião pode ser arguido em defesa.
Diante o exposto, pode-se considerar que a alegação de usucapião em defesa se caracteriza como uma defesa de mérito indireta, uma vez que, conforme lição de Theodoro Júnior (2017), a defesa de mérito indireta é a que, embora se reconheça a existência e eficácia do deduzido pelo autor, a parte contrária trás à tona outro fato novo que seja impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, sendo exemplos de defesa indireta de mérito a prescrição e a compensação.
Há ainda a possibilidade de se deduzir a usucapião em reconvenção, submetendo-se aos requisitos da referida peça processual, ou seja, devendo a matéria ser conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa, conforme inteligência do artigo 343, do Código de Processo Civil, além da compatibilidade de rito.
Neste sentido, cabe salientar o ensinamento de Nery Junior (2018, p. 927):
- 20. Usucapião em reconvenção. Desde que se atente para a regra do litisconsórcio passivo necessário (v. coment. CPC 343 § 4.º), o réu pode ajuizar reconvenção pleiteando usucapião. O autor da ação principal deverá ser, obrigatoriamente, réu da reconvenção (reconvindo), além do que o reconvinte terá de pedir a citação dos confinantes, da pessoa em nome de quem o imóvel usucapiendo se encontra registrado ou matriculado e, por edital, réus que se encontram em lugar incerto e eventuais interessados (CPC 259 III). Trata-se de litisconsórcio passivo necessário por força de lei. Frise-se que o juiz da causa principal deve ser também competente para julgar o pedido de usucapião (v. CPC 47). Na comarca de São Paulo, por exemplo, a competência para processar e julgar usucapião é do juízo da vara de registros públicos. Portanto, em São Paulo, se a ação estiver se processando em juízo cível, inviável a reconvenção com pedido de usucapião por incompetência do juízo cível para julgar o pedido reconvencional. V., na casuística abaixo, verbete “Usucapião como matéria de reconvenção”.
Ocorre que tal posição não é uníssona, uma vez que a jurisprudência vai de encontro ao entendimento da possibilidade de arguição da referida prescrição aquisitiva em reconvenção, seja pelo fato da ampliação dos sujeitos passivos e a intervenção do MP no andamento processual, seja pelo fato de a usucapião ser matéria exclusivamente de defesa.
Nesse sentido, vale registrar a apelação nº 70080674575 e 70071722615, ambas oriundas do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o qual decidiu acerca da impossibilidade da exceção de usucapião em reconvenção, tendo em vista a incompatibilidade de rito, sem prejuízo do recebimento da postulação reconvencional como tese defensiva, em face dos princípios da fungibilidade, economia processual e da celeridade na resolução efetiva do conflito.
Logo, é de se considerar a procedência do entendimento da impossibilidade da usucapião em reconvenção, principalmente devido à incompatibilidade de rito, tanto nas ações possessórias, quanto nas petitórias, tendo em vista a necessidade da manifestação do Ministério Público, conforme artigo 178, inciso I, do Código de Processo Civil, da pluralidade de sujeitos no polo passivo, bem como a necessidade de intimação dos entes políticos, para querendo, manifestarem interesse na causa, devendo a parte suscitar a referida prescrição aquisitiva somente em contestação, a fim de desconstituir a pretensão do demandante, uma vez que não há questionamentos acerca da possibilidade de sua arguição na referida peça processual.
Notas e Referências
Montenegro Filho, Misael. Ações possessórias no novo CPC / Misael Montenegro Filho. – 4. ed. rev., atual. eampl. – São Paulo: Atlas, 2017.
NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil comentado / Nelson Nery Junior, Rosa Maria de Andrade Nery. – 17. ed. rev., atual. eampl. – São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2018.
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