MOBILIDADE URBANA E O CASO UBER

20/09/2019

Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan

O debate relacionado à mobilidade urbana e a sustentabilidade das cidades está em efervescência no Brasil. Em 2013, a mobilização popular nas Jornadas de Junho não buscava apenas a redução do valor das passagens de ônibus. As pessoas foram às ruas reivindicando o acesso à cidade. Buscavam não só preços mais justos no transporte público, mas qualidade de vida. No ano seguinte, curiosamente, chegou ao Brasil uma inovação fruto do que se convencionou denominar “economia compartilhada”. A UBER instalou-se no Rio de Janeiro com a promessa de revolucionar a mobilidade urbana.

Seu modelo inovador usa a tecnologia para conectar os usuários aos motoristas e intermediar o serviço de transporte individual de passageiros por meio de um aplicativo para smartphone. Qualquer pessoa cadastrada no aplicativo e com acesso à Internet, pode solicitar o serviço de motoristas igualmente cadastrados na plataforma.

O serviço de transporte individual de passageiros não é uma novidade no setor. A atividade vem sendo desempenhada por taxistas há mais de um século. Antes disso, por tantos outros profissionais. O que diferencia a UBER é sua tecnologia de natureza disruptiva[1], o que significa que ela tem a capacidade de subverter determinadas áreas da economia por apresentar soluções inovadoras frente as condutas até então repetidas por agentes econômicos tradicionais. E no âmbito dos transportes, de fato o fez de modo a estimular pessoas que não usavam táxi, a aderirem à inovação proposta. 

De outra banda, é inegável a necessidade do uso de automóveis nos grandes centros urbanos.

Ermínia Maricato discorre sobre a influência do automóvel nas cidades:

O automóvel conformou as cidades e definiu, ou pelo menos, foi o mais forte elemento a influenciar o modo de vida urbano na era da industrialização. Daquilo que era inicialmente uma opção – para os mais ricos evidentemente – o automóvel passou a ser uma necessidade de todos[2].

Embora se trate de uma época diferente, vemos marcas dessa cultura, atualmente. A dependência do automóvel ainda é muito evidente nas cidades brasileiras que, marcadas pela urbanização dispersa e setorizada e, principalmente, pela precarização do transporte, público faz com que o automóvel se torne necessário. Diante disso, o serviço prestado pela UBER se mostra, sem dúvida, uma alternativa aos meios de transporte urbano tradicionais para seus usuários, consumidores que se sentem atraídos pelos preços razoáveis e pelas propostas de um uso consciente dos automóveis, do compartilhamento de viagens, e o discurso legitimador do consumo sustentável. 

Entretanto, segundo dados disponibilizados no site da própria empresa[3], os carros chegam a ficar parados entre engarrafamentos e estacionamento cerca de 95%[4] do tempo. Aliás, particularmente no que tange ao tempo no trânsito, os brasileiros passam em média 2 horas e 28 minutos deslocando-se entre sua casa, trabalho e afazeres em geral[5]. Considerando que a mobilidade, no contexto urbano, é um dos fatores que mais impactam a qualidade de vida das pessoas, essas informações nos levam a questionar se de fato o incentivo ao uso de automóveis, mesmo que de forma moderada, é uma alternativa viável nas cidades brasileiras.

O debate interrompido há 6 anos encaminhava-se na direção oposta.

A discussão sobre a mobilidade se dava na esfera do incentivo ao investimento no transporte público coletivo que, quando priorizado, tende a trazer diversos benefícios para a sociedade como, por exemplo, a redução do número de acidentes, da emissão de gases poluentes na atmosfera e diminuição do congestionamento no trânsito, além da consequente melhoria na qualidade de vida.

Assim, ainda que a UBER se proponha a revolucionar a mobilidade, isso não parece ocorrer de forma positiva, pois, a expansão da empresa significa mais automóveis em rota, rumo que indica a contramão do desenvolvimento sustentável das cidades e da promoção da mobilidade urbana, até porque

[em] outras palavras, o mais desejável modo de transporte, aquele que admite a liberdade individual de ir a qualquer lugar em qualquer momento, desde que haja infraestrutura rodoviária para essa viagem, funciona apenas quando essa liberdade é restrita a alguns[6].

Procura-se demonstrar, dessa forma, que, na medida em que o uso de automóveis é vulgarizado, ele torna insustentável qualquer modelo de mobilidade urbana funcional, evidenciando a falha do Estado em cumprir esse objetivo.

Para além disso, é importante que se aprofunde o debate sobre mobilidade urbana de forma que a consolidação e implementação de políticas públicas ocorram de forma efetiva.

Temos aqui uma oportunidade para refletir sobre a conformação das cidades e a exclusão social e como a mobilidade urbana contribui para a democratização dos espaços públicos e da cidade como um todo. Afinal, compreender a mobilidade urbana e seu papel no desenvolvimento social diz respeito ao modo de vida que queremos nas cidades.

 

Notas e referências

[1] MELO, Claudio Auri. O futuro da mobilidade urbana e o caso UBER. Revista de Direito da Cidade, Rio de Janeiro, v. 8, n. 2, p. 775-812, 2016.

[2] MARICATO, Ermínia. O automóvel e a cidade. Revista Ciência & Ambiente, Santa Maria, n. 37, p. 5-12, jul./dez. 2008.

[3] Futuro, seu Uber chegou. Uber Blog. Disponível em: https://www.uber.com/pt-BR/blog/uber-futuro-mobilidade/. Acesso em: 17 de set, 2019. 

[4] Seu carro passa 95% do tempo parado. Exame. Disponível em: https://exame.abril.com.br/blog/oportunidades-disfarcadas/seu-carro-passa-95-do-tempo-parado/.  Acesso em: 17 de set. 2019.

[5] Por ano, cada paulistano passa, em média, 1 mês e meio no trânsito. Estadão. Disponível em: http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,por-ano-paulistano-passa-em-media-1-mes-e-meio-preso-no-transito,10000076521. Acesso em: 17 de set. 2019.

[6] MARICATO, Ermínia. O automóvel e a cidade. Revista Ciência & Ambiente, Santa Maria, n. 37, p. 5-12, jul./dez. 2008.

 

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