Ministério Público recorre para reduzir pena desproporcional não fundamentada – promoção de Justiça e um breve link entre o CPP e o NCPC

10/09/2015

Por Maurilio Casas Maia - 10/09/2015

O Promotor de Justiça Flávio Mota Morais Silveira (MP-AM) interpôs recurso de Apelação e apresentou razões recursais a fim de reformar sentença excessivamente aplicada e sem a devida fundamentação na Comarca de Eirunepé-AM.

Em recurso no qual se acentuou o papel de “Custös Legis et Iuris” do agente ministerial, o MP buscou a redução da pena base na qual não visualizou proporcionalidade e razoabilidade para o caso concreto – declarou o promotor de Justiça que: “Embora o crime seja grave, considerei a pena muito alta e, diante da inércia da defesa dativa em recorrer, resolvi apelar em favor do réu”.

Em suas razões, o Promotor de Justiça findou por enfatizar, com o perdão da redundância, o caráter de promoção de Justiça de sua carreira – acima do veio acusatório-repressivo –, ao expressar: “O Ministério Público é o fiscal da ordem jurídica. Não é apenas retórica dizer que a nós nos interessa o fiel cumprimento das Leis e da Constituição”. Ademais, ponderou-se ainda que a “simples referência aos termos da lei, sem qualquer fundamentação (...) fere o dever de motivação das decisões judiciais (art. 93, IX, CF/88) e o próprio princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI, CF/88)”.

Aliás – é importante que se diga –, as razões ministeriais avançaram, de certo modo, no tempo e está de acordo com a posição firmada pelo NCPC: Art. 489 (...) § 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;”

Nessa senda, o Procurador de Justiça Rômulo de Andrade Moreira lançou a seguinte ponderação ao tratar do artigo 489 do NCPC e sua aplicação ao Processo Penal: “A questão posta é a seguinte: este dispositivo aplica-se (ou aplicar-se-á) às decisões proferidas ao longo de um processo de natureza penal? Para nós a resposta é, sem dúvida, afirmativa especialmente porque a fundamentação é exigência constitucional, prevista no art. 93, inciso IX, da Constituição (...). Por outro lado, o art. 3º do Código de Processo Penal estabelece que no Processo Penal admite-se (como é óbvio, aliás) a aplicação dos princípios gerais do Direito. Ora, a motivação das decisões judiciais é um princípio inafastável do Direito e de um Processo Penal democrático e garantidor”. (MOREIRA, Rômulo de Andrade. O novo Código de Processo Civil, a fundamentação das decisões judiciais e o Processo Penal Brasileiro. Revista Jurídica Consulex, Brasília, n. 438, 15 Abr. 2015, p. 44).

Portanto, sendo o dever de fundamentação uma garantia constitucional, sua ausência não poderia ser compatibilizada com a inércia do Custös Iuris. Afinal, “[u]ma decisão devidamente fundamentada é decisão democrática.(...). Não se pode transigir com direitos fundamentais; não se troca menos fundamentação das decisões por mais julgamentos. A equação é inconstitucional" – conforme precisa dicção de Juliana Oka.

Portanto, quando o Ministério Público discorda e manifesta seu inconformismo frente às sentenças desrespeitosas à Constituição – no caso, inciso IX, art. 93 –, exerce seu precioso mister de tutelar a ordem jurídica, missão essa muito importante para o (re)equilíbrio do Estado Democrático de Direito, mormente no âmbito do Processo Penal.

Com efeito, as razões do recurso ministerial amazonense tornam concretas as palavras do Promotor de Justiça Gustavo Roberto Costa (leia clicando aqui): “(…) Não cabe ao Ministério Público adotar discursos de ódio. Não cabe a adoção, pela instituição, de sensos comuns, notadamente quando conflitam frontalmente com direitos e garantias conquistados a duras penas. Defender a sociedade sim, mas não como uma eventual maioria entende que deve ser defendida. (…) Defendê-la sem nunca descurar do fato de que o criminoso e sua família também são membros dessa mesma sociedade, e que os direitos e garantias fundamentais aplicam-se a eles tanto quanto a qualquer outra pessoa (…). Não deve o Promotor de Justiça agir como um vingador da sociedade; como mero encarcerador público – que o aproximaria da figura do carrasco –, como se o grave problema das prisões não fosse seu.” (g.n.).

Em suma, o nobre e constitucional recurso ministerial em defesa do condenado é a prova documentada que – mesmo com o acolhimento de um pleito condenatório –, a injustiça e ilegalidade jamais devem ser ladeadas ou ratificadas pela inércia ministerial.

A seguir, confira as razões ministeriais.


Autos nº: 0003481-51.2013.8.04.4100

Apelante: Ministério Público do Estado do Amazonas

Apelado: A.B.D.L.

Peça Profissional: Razões do recurso de apelação

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EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO AMAZONAS,

COLENDA CÂMARA CRIMINAL,

EXCELENTÍSSIMO(A) DESEMBARGADOR(A) RELATOR(A),

DIGNO(A) PROCURADOR(A) DE JUSTIÇA

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O MINISTÉRIO PÚBLICO DO AMAZONAS, por intermédio do Promotor de Justiça que esta subscreve, com fulcro no artigo 600 do Código de Processo Penal, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência apresentar as suas RAZÕES DE APELAÇÃO em face da sentença condenatória de fls. retro, onde figura como apelado A. B. D. L., objetivando a diminuição da sanção imposta ao ora apelado.

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I – PRELIMINARES:

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a) Interesse recursal:

O Ministério Público é o fiscal da ordem jurídica. Não é apenas retórica dizer que a nós nos interessa o fiel cumprimento das Leis e da Constituição. No caso dos autos, a pena base foi fixada acima do mínimo legal em desconformidade com os ditames do artigo 59 do Código Penal.

Eis o interesse recursal.

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II – MÉRITO DO RECURSO:

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a) Decisão recorrida:

O Tribunal do Júri reconheceu a prática do delito tipificado no artigo 121, § 2º, II, do Código Penal (homicídio qualificado pelo motivo fútil).

Ao fixar a pena-base, o Juízo a quo assim deixou consignado:

“Obedecendo às diretrizes do art. 59 do Código Penal Brasileiro, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, passo à dosimetria da pena, aplico ao réu a pena de 20 (vinte) anos de reclusão, por infração ao art. 121, parágrafo 2º., inciso II, do Código Penal Brasileiro”.

Data venia, entendo que a pena-base do delito – que deveria variar entre 12 a 30 anos – foi fixada acima do mínimo legal (20 anos) sem a devida fundamentação, motivo pelo qual a sentença deve ser reformada neste ponto.

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b) Da necessidade de fundamentação da sentença no capítulo que fixa a pena-base acima do mínimo legal. Fundamentação inidônea:

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O artigo 59 do Código Penal estabelece que, ao fixar a pena-base, deve o juiz levar em conta a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e as consequências de delito e o comportamento da vítima, e deve fazê-lo de forma fundamentada.

No caso dos autos, as circunstâncias judiciais constantes do artigo 59 do Código Penal ou são favoráveis ao recorrido ou já estão contidas no tipo (p. ex., o motivo do crime, que é fútil, já foi considerado para qualificar o delito).

Assim, entendo que a pena-base deveria ter sido fixada no mínimo – ou, ao menos, próximo do mínimo legal.

Nesse sentido é a jurisprudência:

“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. NÃO CABIMENTO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. UM CONSUMADO E DOIS TENTADOS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAS VALORADAS NEGATIVAMENTE, SEM FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ILEGALIDADE MANIFESTA. (…) 2. A fundamentação utilizada pelo Juízo singular para fixar as penas-base acima do mínimo legal, em razão da avaliação negativa de sete circunstâncias judiciais, deve ser parcialmente afastada, porquanto inidônea. 3. Em relação à culpabilidade, não foi analisada a maior ou menor censurabilidade do comportamento do agente, tampouco a maior ou menor reprovabilidade da conduta praticada. 4. Acerca dos antecedentes, tem incidência a Súmula 444/STJ, que veda a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base. 5. No tocante à conduta social e à personalidade, o Juiz de primeiro grau apenas consignou o envolvimento do paciente em crimes graves, denotando personalidade desviada para a criminalidade. Tal afirmação, desvinculada de outros elementos concretos relacionados à boa ou má índole do acusado, recai em ilegalidade. 6. A declaração de que os motivos são injustificáveis não é apta para fundamentar a exasperação da reprimenda na primeira fase, pois desconectada de elementos que desbordam do próprio tipo penal. 7. Quanto às consequências do delito, tem-se que o óbito e os ferimentos das vítimas do crime de homicídio consistem no próprio resultado previsto para a ação, razão pela qual também deve ser afastada a valoração negativa dessa circunstância judicial. 8. No que tange às circunstâncias do delito, foi demonstrada a necessidade de maior reprovação, levando-se em conta que o paciente invadiu a residência da vítima fatal, colocando em grave risco a vida das pessoas que estavam dentro da casa, inclusive de uma criança de 3 anos, situação que foge à normalidade do tipo penal e justifica a elevação da pena-base. 9. Diante da presença de mais de uma qualificadora, é possível a utilização de uma para qualificar o delito e de outra para elevar a reprimenda na primeira etapa da dosimetria, conforme entendimento firmado nesta Corte Superior. 10. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para reduzir as penas-base do paciente ao patamar de 12 anos e 9 meses de reclusão.” (HC 178.163/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 11/04/2013, DJe 25/04/2013). * * *

No caso dos autos, o Juízo a quo fez simples referências aos termos da lei, sem qualquer fundamentação, o que fere o dever de motivação das decisões judiciais (art. 93, IX, CF/88) e o próprio princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI, CF/88), que tem como seu corolário o artigo 59 do Código Penal.

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III – PEDIDO:

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Forte na argumentação exposta, requer o Ministério Público o conhecimento do recurso interposto, bem como o seu provimento, retificando-se a pena imposta ao apelado, conforme determina o § 2º do artigo 593 do Código de Processo Penal, requerendo, ainda, a intimação do apelado para, querendo, apresentar suas contrarrazões ao presente apelo e, transcorrendo o prazo para o oferecimento de sua apelação, a remessa dos autos à superior instância.

Nestes termos, pede deferimento.

De Eirunepé para Manaus, 7 de abril de 2014.

FLÁVIO MOTA MORAIS SILVEIRA

Promotor de Justiça


Maurilio Casas Maia é Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pós-Graduado lato sensu em Direito Público: Constitucional e Administrativo; Direitos Civil e Processual Civil. Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e Defensor Público (DPE-AM). 

Email:  mauriliocasasmaia@gmail.com / Facebook: aqui                                                      .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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