A resolução de conflitos e seus métodos de aplicação no Direito cada vez mais é alvo de debates na doutrina e, principalmente, nas varas de família.
Como sabemos, quase sempre as partes procuram advogado quando os ânimos estão alterados e o “sangue está nas alturas”, transferindo uma carga emocional muito grande aos patronos, tornando-os, por vezes, terapeutas para conseguir compreender a celeuma. O que se nota é que quando se chega nesse nível de litígio, a parte só relata a “ponta do iceberg”, e, o que realmente gerou todo esse aborrecimento está lá embaixo, ferindo, sendo assim, fica muito difícil resolver o que ele foi buscar, mesmo que o juiz consigne sentença favorável, a parte mantém-se insatisfeito com o resultado, pois não resolverá a matriz do problema, apenas esconderá.
Nos casos de família em que exista um menor entre os litigantes, quem mais sofre nessas situações? Evidentemente são as crianças. Elas ficam no meio do tiroteio, submetidas algumas vezes a escolher entre genitores. O que é lastimável. A criança é a maior vítima desses adultos complexos e desentendidos.
Mas esse não é o ponto alto do presente artigo, mas sim, perpassa pela resolução de conflitos na teoria de Bert Hellinger, com um breve contexto histórico e de desenvolvimento da constelação familiar, e conclui acerca da possibilidade de aplicação do direito sistêmico para pacificação de litígios nas áreas de família.
Bert Hellinger, conforme extrai-se de sua biografia: “estudou filosofia, teologia e pedagogia. Ele trabalhou durante 16 anos como missionário para uma ordem católica entre os Zulus na África do Sul. Lá ele esteve intensamente envolvido com a influência da dinâmica de grupo.”[1]. Após essa atividade missionária, tornou-se psicanalista e desenvolveu o seu próprio método: Constelação Familiar (Familien-Stellen).
Ao buscar o uso das constelações como método de conciliação e resolução de conflitos, Bert Hellinger encontrou em seus estudos a possibilidade de resolver os conflitos de uma melhor forma. Em suas palavras, “os relacionamentos tendem a ser orientados em direção a ordens ocultas. […] O uso desse método faz emergir novas possibilidades de entender o contexto dos conflitos e trazer soluções que causam alívio a todos os envolvidos”[2].
Importante acrescer que o criador das constelações familiares, notou que quando uma das ordens do amor está em desordem, gera todo um conflito. As ordens básicas da vida segundo Bert são: 1ª Pertencimento, 2ª Hierarquia, 3ª Equilíbrio (dar e receber). E, ao analisar, conforme explana Tânia Rocha sobre as Ordens do Amor na teoria das Constelações Familiares, tem-se:
A cura pessoal e sistêmica ocorre com a restauração de uma situação ideal, em que as leis de pertença, ordem e equilíbrio são respeitadas. O trabalho das Constelações Familiares torna possível tomar consciência de quais membros da nossa família foram excluídos e reintegrá-los.[3]
Sob essa perspectiva, é possível dizer que as constelações familiares de Bert Hellinger são adequadas para resolução de inúmeros problemas familiares, porque faz o participante olhar para seu interior, toca na dor que realmente causou o embaraço, e faz aparecer a parcela de culpa quanto ao relacionamento inexitoso a cada qual.
De modo que, tem-se a transformação da dor em amor e em entendimento. O amor vem à tona, a permitir aos “combatentes” sentar e resolver da melhor forma seus conflitos, voltando seus olhos exclusivamente ao direito e interesse de quem mais importa ao filho.
Extrai-se da doutrina:
No próprio processo de uma constelação, é possível sentir o alívio do sistema familiar em conflito, quando certas demandas afetivas são percebidas e olhadas.É esse alívio que traz a possibilidade do encerramento do processo judicial na fase conciliatória. As partes finalmente se olham e percebem a responsabilidade de cada um para a situação de conflito que foi construído.[4]
Por sua vez, Sami Storch, juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, já esgotado com as brigas infundadas que chegavam a sua análise, observando que os processos ficavam anos no judiciário amarrotado, sempre os mesmos problemas emocionais e patrimoniais que chegavam, resolveu “fazer justiça”, mas de um modo que fosse justo para as duas partes, foi então que conheceu a constelação familiar de Bert Hellinger e viu que era possível aplicar no Direito de Família. Assim, onde surgiu a expressão “Direito Sistêmico”, obtendo altos índices de conciliações e encontrando soluções bem sucedidas aos conflitos na Justiça[5].
Em síntese, o Direito Sistêmico tem como finalidade mostrar a ciência dos relacionamentos humanos e a técnica das constelações familiares que Bert Hellinger desenvolveu ao longo dos anos, de modo, a impactar os conflitos entre as partes e proporcionar uma compreensão maior com reconhecimento recíproco, beneficiando o alcance de conciliações reais e absolutas.
O mais interessante é que a técnica de aplicação das constelações ao direito sistêmico não se destina somente às partes envolvidas em conflitos, mas todo o conjunto de pessoas ligadas, desde os profissionais da Justiça (juízes, promotores, advogados, mediadores e conciliadores) até os demais profissionais que tenham como atribuição auxiliar na resolução de conflitos (psicólogos, assistentes sociais, policiais, conselheiros tutelares, agentes de proteção, etc.)[6].
Essa abordagem sistêmica do direito com fundamento nos princípios da filosofia Hellingeriana busca o entendimento desde a elaboração da lei até sua aplicação na prática. Ou seja, um olhar mais profundo para interpretar a aplicação da ciência jurídica sob uma linha terapêutica. Ou ainda, um “ver de cima” as relações humanas e aplicar o que é mais justo a ambos sem interferência direta do juiz.
No entender do Sami Storch, antes de decidir, o juiz deve considerar a realidade e olhar a criança e os pais por um outro prisma, além de outras pessoas eventualmente envolvidas, sem julgamentos de qualquer tipo. Com tal postura, por si só, o juiz já estará facilitando uma conciliação entre as partes (que constituem um só sistema). E, caso se faça necessária uma solução imposta, esta será mais bem recebida por todos, pois todos sentirão que foram vistos e considerados pelo juiz.[7]
Não é novidade, que a tradicional forma de proceder os conflitos no Judiciário se encontra escassa e não se vê mais como exclusivamente eficaz, uma vez que, a sentença de mérito, manifestada pelo juiz, nem sempre está confortável a ambas as partes envolvidas e não é incomum descontentar ambos, em diversos casos se prolonga em recursos processuais ou extraprocessuais para demorar a ter um desfecho para a execução da sentença, assim gerando custos altos ao Estado e ainda mais desconfortos e inseguranças para as partes envolvidas.
E assim, desponta a visão romântica do direito sistêmico e das constelações familiares na aplicação de divórcios com filhos envolvidos, onde sua aplicação enfraquece sofrimentos através do AMOR que ainda permanece através dos filhos. Indubitavelmente, a disseminação desses meios de resolução de conflitos é um grande avanço para todo o sistema jurídico, aumentando o número de conciliações, quanto mais nas varas de família.
Notas e Referências
HELLINGER, Bert, in FRANKE-BRYSON, Ursula, O rio nunca olha para trás. Conexão Sistêmica, 2013, p. 15.
HELLINGER, Bert, Biografia de Bert Hellinger. Disponível em:
https://www.hellinger.com/pt/bert-hellinger-o-original/bert-hellinger/biografia-breve Acesso 19/04/2021.
ROCHA, Tania. As Ordens do Amor. Disponível em: https://constelarflorianopolis.com.br/as-ordens-do-amor-3/ Acesso 16/04/2021.
STORCH, Sami. Direito Sistêmico: primeiras experiências com constelações no judiciário. In Filosofia, Pensamento e Prática das Constelações Sistêmicas – nº 4. São Paulo: Conexão Sistêmica, 2015.
______, Sami. O que é o Direito Sistêmico. Artigo. Data da publicação 29/11/2010. Disponível em https://direitosistemico.wordpress.com/2010/11/29/o-que-e-direito-sistemico. Acesso em 12/10/2017.
[1] HELLINGER, Bert, Biografia de Bert Hellinger. Disponível em:
https://www.hellinger.com/pt/bert-hellinger-o-original/bert-hellinger/biografia-breve Acesso 19/04/2021.
[2]HELLINGER, Bert, in FRANKE-BRYSON, Ursula, O rio nunca olha para trás. Conexão Sistêmica, 2013, p. 15.
[3] ROCHA, Tania. As Ordens do Amor. Disponível em: https://constelarflorianopolis.com.br/as-ordens-do-amor-3/ Acesso 16/04/2021.
[4] STORCH, Sami. Direito Sistêmico: primeiras experiências com constelações no judiciário. In Filosofia, Pensamento e Prática das Constelações Sistêmicas – nº 4. São Paulo: Conexão Sistêmica, 2015. p 20.
[5] STORCH, Sami. O que é o Direito Sistêmico. Artigo. Data da publicação 29/11/2010. Disponível em https://direitosistemico.wordpress.com/2010/11/29/o-que-e-direito-sistemico. Acesso em 12/10/2017.
[6]STORCH, Sami. Direito Sistêmico: primeiras experiências com constelações no judiciário. In Filosofia, Pensamento e Prática das Constelações Sistêmicas – nº 4. São Paulo: Conexão Sistêmica, 2015.
[7] STORCH, Sami. O que é o Direito Sistêmico. Artigo. Data da publicação 29/11/2010. Disponível em https://direitosistemico.wordpress.com/2010/11/29/o-que-e-direito-sistemico. Acesso em 12/10/2017.
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