Por Naína Ariana Tumelero - 24/05/2016
Nós, animais humanos, somos dotados da capacidade da racionalidade, um diferencial que nos deixa em privilégio. Esse diferencial é que nos colocou e nos mantém em uma sociedade contratual, admitiu a capacidade da comunicação, nos faz levantar ao primeiro toque do relógio e escolher uma roupa que cubra o nosso corpo de animal racional.
Ela nos permite obedecer às regras, ou burla-las com destreza, e aqueles seres humanos que se encontram com sua racionalidade duvidosa, não são considerados tão humanos pelas lentes da sociedade.
Esta mesma capacidade nos faz ver a todos os demais elementos da natureza com superioridade, como nossa propriedade. Do modo que, em nome do capital, o que era “nosso”, passa a ser “meu”, “seu”, “deles”, descaracterizando a responsabilidade coletiva. Assim se dá com o meio ambiente e o seu debate frente aos direitos humanos.
Lá na construção da Modernidade, Locke (1994, p. 98), ao firmar a Economia Liberal nos pilares do trabalho e da propriedade, explicou a transformação de elementos do meio ambiente em produtos, para ele, a obra produzida pelo trabalho das mãos dos homens passa a ser sua propriedade, ou seja, sempre que o homem tira um objeto colocado pela natureza e investe seu trabalho, acrescenta algo que o agrega, e, assim, isso também se torna sua propriedade.
Assim fizemos, nossa racionalidade se moldou a ponto de nos vermos como seres desconexos do restante do meio ambiente, como se a natureza fosse nosso produto. Se não é o seu caso particular, é o caso do sistema que integramos.
A crença no desenvolvimento por meio da industrialização, o consumo da carne e os nossos copos plásticos do café diário são pequenos exemplos dos incontáveis hábitos que vivenciamos corriqueiramente e que nos mantém nesta posição de “vantagem”. Vantagem em aspas, porque tais hábitos afrontam diariamente a utopia de o Meio Ambiente ser um direito difuso e coletivo.
A esse respeito, cabe o discernimento de que, embora o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado esteja positivado no artigo 225[1] de nossa Carta Magna de 1988, ele não se encontra previsto taxativamente nos instrumentos internacionais de Direitos Humanos.
A previsão normativa nestes instrumentos é ampla, a exemplo a da Declaração Universal de Direitos Humanos e do Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador)/1988, que dispõem, respectivamente: “toda pessoa tem direito a um nível de vida adequado que lhe assegure saúde e bem estar” e “direito de viver em meio ambiente sadio e de contar com serviços públicos básicos”.
Tal situação nos leva a uma rápida conclusão, que o Direito ao Meio Ambiente, embora categorizado como Direito Fundamental, não é reconhecido como um Direito Humano, e essa pequena diferença conceitual traz inúmeros impactos.
É exatamente por isso, que se justifica a afirmação de Bobbio (1992, p. 15), de que a problemática do fundamento destes direitos reside essencialmente na diferença de “um direito que se tem” e um “direito que se gostaria de ter”, do modo que, este limbo normativo faz com que o Direito ao Meio Ambiente seja, até o momento, um “direito que se gostaria de ter”.
Ainda explica Bobbio (1992, p. 19), que os Direitos do Homem como Direitos Fundamentais não são assim pela simples “natureza”, mas sim por uma contingência histórica, porque em certa época e em determinada civilização um direito pode ser visto como fundamental, mas em outro momento ou outra cultura, não.
Também se torna relevante reconhecer que, conforme explica Sarlet (1998, p. 31), os direitos fundamentais serão sempre humanos, porque o ser humano sempre será o titular deles, mas, a recíproca ainda é duvidosa, visto que, para o autor, os direitos fundamentais são direitos do ser humano que já estão reconhecidos e positivados constitucionalmente em determinado Estado.
E então, qual o impacto desse reconhecimento na garantia dos meus, seus, nossos Direitos Humanos?
A diferença reside essencialmente na efetivação da categoria, porque, ao utilizar a expressão “Direitos Humanos”, estamos afirmando uma proteção integral, de garantia internacional. Quando assim conceituados estes direitos aumentam sua extensão e sua força de aplicação, e nós, seres racionais organizados em sociedade, temos a garantia de que o nosso Direito ao Meio Ambiente, finalmente, será um “direito que se têm”.
Notas e Referências:
[1] Artigo 225/CF 88. “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo para as presentes e futuras gerações”.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. – Rio de Janeiro: Campus. 1992.
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil: ensaio sobre a origem, os limites e os fins verdadeiros do Governo Civil. Trad. Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a economia política e do Contrato Social. Trad. Maria Constança Peres Pissarra. Petrópolis: Vozes, 1996.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.
. Naína Ariana Tumelero é, além de Vegetariana e Feminista, é formanda em Direito, membro do Grupo de Estudos em Relações Internacionais, Direito e Poder e do Projeto de Mediação Escolar, todos na Unochapecó. . .
Imagem Ilustrativa do Post: Jamal ! // Foto de: starrypix // Sem alterações
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/starrypix/6729599261
Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode
O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.