Medidas para assegurar a execução provisória da condenação criminal após julgamento em segunda instância

12/04/2019

Coluna Não nos Renderemos / Coordenadores: Daniela Villani Bonaccorsi Rodrigues e Leonardo Monteiro Rodrigues

Foi apresentado recentemente o “Projeto de Lei Anticrime”, que versa sobre uma série de mudanças no Código Penal, Lei de Execução Penal, Código de Processo Penal, Lei de Crimes Hediondos e até mesmo alterações de cláusulas pétreas. Afirmando o intuito de combater a corrupção e a criminalidade, o que se percebe neste projeto, são medidas que tipificam novas condutas e endurecem penas previstas, utilizando o direito penal de forma simbólica e sem reflexão sobre as consequências da sua aplicação.

Como já citado pelo autor Nilo Batista, o Direito Penal existe com certos objetivos, nos cabendo questionar quais são esses. Um dos questionamentos que Nilo deixa ao leitor, de sua obra, Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro, é que: se o direito não é divino, qual a posição dos seus criadores, quais suas classes econômicas e quais os seus valores? Seria mesmo o direito penal que evitaria que crimes acontecessem? ¹(BATISTA,2011,p.20) “O direito penal nazista garantia as “condições de vida da sociedade” alemã subjugada pelo estado nazista, ou era a pedra de toque do terrorismo desse mesmo estado, garantindo em verdade as condições de morte da sociedade?”2 (BATISTA,2011,p.21)

Tais questões estão relacionadas ao momento neoliberal, no qual se fala da utilização da prisão, para eliminar os adversários políticos ou mesmo aqueles que não concordam com a lógica de mercado vigente na sociedade. Segundo Casara, vivencia-se um momento no qual as pessoas são tratadas como mercadoria, tudo tem seu valor de compra. Este novo modelo (neoliberal) rompe com as garantias do estado liberal, que visava limitar o poder estatal, sendo assim garantias se tornam negociáveis, para serem utilizadas quando e com quem as classes dominantes pretendem. A aqueles que não correspondem aos paradigmas impostos será reservada a lógica da sociedade punitiva de Michel Foucault.³ Sendo assim, vale o questionamento do motivo pelo qual Moro separou o caixa dois antes do envio do pacote para o plenário, principalmente, pelo fato de ser perceptível que o perfil do criminoso vem sofrendo uma mutação e nos cabe questionar a causa do tratamento diferente da população criminosa, por qual motivo deseja-se um tratamento diferente a essas pessoas? 4

Dentre os pontos, que merecem reflexão, fala-se da execução da prisão do réu após condenação em segunda instância. A antecipação de pena é clara lesão ao princípio da presunção de inocência.  

Essa medida, já havia sido objeto de reflexão perante o STF em pedido do Habeas Corpus 152.752, no qual se explicou em parte da decisão que o princípio de presunção de inocência é uma garantia conquistada pela população e introduzida no texto constitucional pelo poder constituinte originário. A presunção de inocência é um dos grandes pilares do Estado Democrático de Direito, tornando-se inviável sua alteração, tanto pela forma legislativa, quanto pela mutação constitucional via interpretação, devido seu conteúdo está previsto como cláusula pétrea constitucional. 5 “Constituição não pode ser transgredida nem degradada pela potestade do Estado, pois, em um regime de perfil democrático, ninguém, a começar dos agentes e autoridades do aparelho estatal, pode pretender-se acima e além do alcance da normatividade subordinante dos grandes princípios que informam e dão essência à Lei Fundamental da República.” (HC. 152752/PR, Min. Celso de Mello, pg. 25)

Os votos dos ministros ao julgarem a presunção de inocência se mostraram majoritariamente contrários ao que o legislador pretendia dizer no texto constitucional. Algumas votações se justificarem sob o prisma de manter a igualdade entre prisioneiros pobres e ricos, como fez o ministro Barroso.6 A incoerência do ministro poderia ser brevemente suspensa por uma leitura dos dados que explicam a composição prisional brasileira, que é composta majoritariamente por jovens, negros e de baixa escolaridade.7 A decisão ali tomada teria efeito erga omnes e era necessário, então, que o pensamento ultrapasse o cunho político e se pensasse nas consequências que geraria a toda população. O relatório divulgado pelo ministério da justiça é esclarecedor e aponta que a população carcerária brasileira é composta da seguinte maneira:

POR FAIXA ETÁRIA:

18 a 24 anos

31 %

25 a 29 anos

25%

30 a 34 anos

19%

35 a 45 anos

17%

46 a 60 anos

7%

61 a 70 anos

1%

 

POR RAÇA:

Branca

Negra

Amarela

Indígena

Outros

31%

67%

1%

0%

1%

 

 

GRAU DE ESCOLARIDADE

Analfabeto

6%

Alfabetizado sem cursos regulares

9%

Ensino Fundamental incompleto

53%

Ensino Fundamental completo

12%

Ensino Médio incompleto

11%

Ensino Médio completo

7%

Ensino Superior incompleto

1%

Ensino Superior Completo

1%

 

As tabelas apresentadas demonstram que o argumento utilizado de diminuir desigualdades é totalmente vago, já que, praticamente a decisão terá um reflexo contrário ao pretendido. 8  

O princípio da presunção de inocência está previsto no ordenamento jurídico brasileiro de diversas formas, dentre elas, na carta magna e em tratados com temáticas sobre direitos humanos. O princípio previsto no artigo 5°, inciso LVII, da Constituição Federal brasileira, 9assegura que, o réu possui o status de inocente, e todos os consectários disso, até o transito em julgado do processo.

O trânsito em julgado é justamente a transição da condição de uma sentença, passando de mutável para imutável. (MOREIRA, 1971, p. 145). Isso porque “o investigado, o acusado e o condenado enquanto pende recurso da sentença condenatória estão na mesma situação jurídica que o inocente, isto é, quem nunca foi investigado ou processado.”10

Não há que se falar em execução da prisão sem a existência da sentença penal condenatória irrecorrível, salvo nos casos previstos em lei.

A observância ao Princípio da Presunção de Inocência não quer dizer que um réu não possa ser preso antes da condenação transitada e julgada. A legislação brasileira permite que a prisão processual de natureza cautelar ocorra, através da prisão em flagrante. 11 Por isso, garantir a aplicação da presunção de inocência não é sinônimo de impunidade, mas sim de fazer valer uma garantia assegurada pelo Estado Democrático de Direito. Nas palavras do Min. Celso de Melo: “a prisão cautelar, como a prisão preventiva e a prisão fundada em condenação meramente recorrível, pode ser imposta, sim, aos réus antes mesmo de sua eventual condenação ou do trânsito em julgado de sentença condenatória” (HC 15775/PR, Min. Celso de Mello, pg. 16)

           Ainda, não existe relação na alegada lentidão processual e o princípio da presunção de inocência, pois os advogados cumprem prazos recursais, que se perdidos, fazem com que a sentença condenatória transite em julgado.

A consequência da mencionada antecipação no sistema carcerário é desastrosa. O Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, publicado pela revista CONJUR, informa que o país tem a terceira maior população carcerária do mundo, com 726.712 mil presos12. Tal informação, por si só, derruba a alegada impunidade. Devido às estatísticas fica empiricamente comprovado que o país prende muito e que isto não está solucionando o problema da criminalidade, ao contrário, vem acarretando grandes problemas, como a superpopulação carcerária e imensos gastos públicos para manter tal população.

Segundo dados divulgados pelo Departamento Penitenciário Nacional, 70 % da população carcerária vive em cadeias lotadas, sendo que crimes mais graves como o homicídio correspondem apenas há 11% dos presos. Atualmente, 40% dos presos estão em prisão provisória, e, a medida aumentaria de forma significativa esse número e acarretaria no fato que cadeias já superlotadas inflariam ainda mais o seu número, levando os presos a uma situação mais sub-humana do que as quais já se encontram.13

            A antecipação de pena não se justifica pela alegada lentidão, não se justifica pela necessidade da prisão e, traz ainda mais prejuízos ao sistema penal.

 

 

Notas e Referências

[1] BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 12 ed. Rio de Janeiro: Reaven.p.20

[2] BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 12 ed. Rio de Janeiro: Reaven.p.21

[3] CASARA, Rubens. No neoliberalismo pessoas são tratadas como mercadoria. Disponível em < http://www.justificando.com/2016/08/06/no-neoliberalismo-pessoas-sao-tratadas-como-mercadoria/ > Acesso dia 24 de fev de 2019

[4] Acessível em <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/02/bolsonaro-assina-pacote-anticrime-de-moro-e-medidas-irao-ao-congresso-nesta-terca-feira.shtml> Acesso dia 24 de fev de 2019

 [5] Ver o voto veiculado no site do supremo, de autoria do ministro Ricardo Lewandowski , acessível em:http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HABEASCORPUSHC152752VotoMinRL.pdf. Acesso dia 18 de fev de 2019

[6] Ver o voto veiculado no site ConJur, de autoria do ministro Barroso, acessível em: https://www.conjur.com.br/dl/anotacoes-manifestacao-oral-barroso.pdf. Acesso dia 28 de fev de 2019

[7] Acessível em : http://www.justica.gov.br/news/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf. Acesso 24 de fev de 2019

[8] Acessível em: http://www.justica.gov.br/news/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf

[9] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

[10]MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ainda e sempre a coisa julgada. Direito processual civil (ensaios e pareceres). Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, p. 145.

[11]FARIA, José Roberto Telo. Prisão em flagrante, prisão temporária e prisão preventiva. Disponível emhttps://jus.com.br/artigos/62027/prisao-em-flagrante-prisao-temporaria-e-prisao-preventiva Acesso 23 de fev de 2019

[12] Acessível em:<https://www.conjur.com.br/2017-dez-08/brasil-maior-populacao-carceraria-mundo-726-mil-presos>. Acesso dia 16 de fev de 2019

Acessível em: <https://www.conjur.com.br/2017-dez-08/brasil-maior-populacao-carceraria-mundo-726-mil-presos>. Acesso dia 19 de fev de 2019

[13] Ver voto veiculado no site do supremo, de autoria do ministro Celso Melo, acessível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC152.752Voto.pdf acesso dia 11 de abril de 2019

 

 

 

  

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