Medidas de natureza policial à mulher vítima de violência doméstica – Alterações e inclusões da Lei nº 13.505/17 - Por Ricardo Antonio Andreucci

16/11/2017

Já tivemos oportunidade de abordar, em artigo anterior publicado neste conceituado portal jurídico, a problemática da violência de gênero, ressaltando que a Lei nº 11.340/06, conhecida como “Lei Maria da Penha”, veio com a missão de proporcionar instrumentos adequados para enfrentar esse problema que aflige grande parte das mulheres no Brasil e no mundo.

A “Lei Maria da Penha”, como ressaltamos naquela oportunidade, deu concretude ao texto constitucional (art. 226, §8º, CF) e aos tratados e convenções internacionais de erradicação de todas as formas de violência contra a mulher, com a finalidade de mitigar, tanto quanto possível, todo o tipo de violência doméstica e familiar (não só a violência física, mas também a psicológica, a sexual, a patrimonial, a social e a moral).

Entretanto, a violência contra a mulher voltou aos noticiários jurídicos, por conta da recente Lei nº 13.505, de 8 de novembro de 2017, que, acrescentando dispositivos à “Lei Maria da Penha”, dispôs sobre o direito da mulher em situação de violência doméstica e familiar de ter atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado, preferencialmente, por servidores do sexo feminino.

Nesse aspecto, é necessário e imprescindível que a mulher submetida a situação de violência doméstica e familiar tenha pronto e eficaz atendimento em sede policial, já que, na maioria dos casos, são as delegacias de polícia que primeiro têm contato com os casos concretos.

De acordo com o disposto no art. 10-A da “Lei Maria da Penha”, acrescentado pela recente Lei nº 13.505/17, é direito da mulher em situação de violência doméstica e familiar o atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado por servidores - preferencialmente do sexo feminino - previamente capacitados. O § 1º deste dispositivo acrescenta que a inquirição de mulher em situação de violência doméstica e familiar ou de testemunha de violência doméstica, quando se tratar de crime contra a mulher, deverá obedecer às seguintes diretrizes:

I - salvaguarda da integridade física, psíquica e emocional da depoente, considerada a sua condição peculiar de pessoa em situação de violência doméstica e familiar;

II - garantia de que, em nenhuma hipótese, a mulher em situação de violência doméstica e familiar, familiares e testemunhas terão contato direto com investigados ou suspeitos e pessoas a eles relacionadas;

III - não revitimização da depoente, evitando sucessivas inquirições sobre o mesmo fato nos âmbitos criminal, cível e administrativo, bem como questionamentos sobre a vida privada.

No § 2º, ainda, vem previsto que, na inquirição de mulher em situação de violência doméstica e familiar ou de testemunha de delitos de que trata esta Lei, adotar-se-á, preferencialmente, o seguinte procedimento:

I - a inquirição será feita em recinto especialmente projetado para esse fim, o qual conterá os equipamentos próprios e adequados à idade da mulher em situação de violência doméstica e familiar ou testemunha e ao tipo e à gravidade da violência sofrida;

II - quando for o caso, a inquirição será intermediada por profissional especializado em violência doméstica e familiar designado pela autoridade judiciária ou policial;

III - o depoimento será registrado em meio eletrônico ou magnético, devendo a degravação e a mídia integrar o inquérito.

Para tanto, já vinha estabelecida, no art. 11 da “Lei Maria da Penha”, uma série de providências a serem tomadas pela autoridade policial no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a saber:

a) garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;

b) encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;

c) fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;

d) se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;

e) informar à ofendida os direitos a ela conferidos pela referida lei e os serviços disponíveis.

Além disso, em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, após fazer o registro da ocorrência, vem estabelecido no art. 12 da “Lei Maria da Penha” que a autoridade policial deverá, de imediato, adotar os seguintes procedimentos, sem prejuízo dos demais já previstos pela legislação processual penal:

a) ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;

b) colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;

c) remeter, no prazo de 48 horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência. O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter a qualificação dela e do agressor, o nome e a idade dos dependentes e a descrição sucinta do fato e das medidas protetivas por ela solicitadas. A autoridade policial deverá anexar a esse documento o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida, admitindo-se como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde;

d) determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários;

e) ouvir o agressor e as testemunhas;

f) ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele;

g) remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público.

Outra novidade trazida pela recente Lei nº 13.505/17, em seu art. 12-A, é a imposição aos Estados e ao Distrito Federal, de, na formulação de suas políticas e planos de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, conferir prioridade, no âmbito da Polícia Civil, à criação de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deams), de Núcleos Investigativos de Feminicídio e de equipes especializadas para o atendimento e a investigação das violências graves contra a mulher.

Nesse mesmo sentido, o art. 12-B, §3º, também acrescentado pela nova lei, possibilitou à autoridade policial requisitar os serviços públicos necessários à defesa da mulher em situação de violência doméstica e familiar e de seus dependentes.

Entretanto, houve por bem o Presidente da República vetar o “caput” e §§ 1º e 2º do art. 12-B da nova lei, que dispunham sobre a possibilidade de a autoridade policial aplicar as medidas protetivas de urgência. O texto vetado dispunha o seguinte:

“Art. 12-B.  Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física e psicológica da mulher em situação de violência doméstica e familiar ou de seus dependentes, a autoridade policial, preferencialmente da delegacia de proteção à mulher, poderá aplicar provisoriamente, até deliberação judicial, as medidas protetivas de urgência previstas no inciso III do art. 22 e nos incisos I e II do art. 23 desta Lei, intimando desde logo o agressor.

§ 1o. O juiz deverá ser comunicado no prazo de 24 (vinte e quatro) horas e poderá manter ou rever as medidas protetivas aplicadas, ouvido o Ministério Público no mesmo prazo.

§ 2o. Não sendo suficientes ou adequadas as medidas protetivas previstas no caput, a autoridade policial representará ao juiz pela aplicação de outras medidas protetivas ou pela decretação da prisão do agressor.”

Na mensagem de veto nº 436, as razões invocadas pelo Presidente da República (ouvidos o Ministério da Justiça e Segurança Pública e a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres, da Secretaria de Governo da Presidência da República), foram as seguintes:

“Os dispositivos, como redigidos, impedem o veto parcial do trecho que incide em inconstitucionalidade material, por violação aos artigos 2o e 144, § 4o, da Constituição, ao invadirem competência afeta ao Poder Judiciário e buscarem estabelecer competência não prevista para as polícias civis.”

Portanto, com o veto presidencial, reafirma-se o entendimento de que as medidas protetivas de urgência à mulher em situação de violência doméstica e familiar não podem ser aplicadas pela autoridade policial, atribuição que compete exclusivamente ao Poder Judiciário.

 

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