Mantega, Moro em causa própria – Por Léo Rosa de Andrade

28/09/2016

Quem compreende a História a partir de concepções materialistas acredita que atitudes individuais não fazem mossa nos acontecimentos. As grandes contendas entre as forças sociais é que produziriam os fatos históricos.

O indivíduo não teria com seus gestos a capacidade de mudar o mundo se não fosse ele mesmo ter produzido, por seus conflitos, sobretudo os de classes, as condições que indivíduos tão só aproveitariam.

Os grandes momentos, assim, não adviriam de vontades personalizadas. Relativizo tal conceito. É claro que ninguém produz condições históricas, mas sem dúvida há quem saiba enfeixar circunstâncias e dirigi-las.

Existe quem particularmente contribua para que a História seja deslocada para além ou aquém de um estado dado. Estamos plenos de exemplos disso. O momento político e jurídico brasileiro permite pensar essas coisas.

Estaria um juiz mudando o Brasil, ou o Brasil está-se mudando a si e, na conturbação transformadora, um juiz assumiu o protagonismo dos acontecimentos? O personagem inafastável é o heroificado Sérgio Moro.

A Ditadura de 1964 fez seus horrores e nos deixou heranças: danos morais, como torturas; avarias materiais, como corrupção; males intelectuais, particularmente o que nos censurou; o democratismo de desagravo.

A resposta aos desmando dos milicos produziu a Constituição Cidadã. Ela foi insculpida libertadora e igualitária, mas também nela se abrigaram interesses corporativos: agigantaram-se o Judiciário e o Ministério Público.

Depois, a par do fortalecimento institucional desse Poder e desse órgão, esteve a classe política a desmoralizar-se a si mesma. O Mensalão escancarou a roubalheira lulopetista, iluminou o Judiciário e criou o “juiz herói”.

O segundo governo Dilma/Temer era uma briga de comparsas a transcorrer sob medo de denúncias e desgosto da população. Desgoverno, inflação, carestia; acusações, prisões preventivas, delações. Impeachment.

Ganhou Temer na medida em que Dilma tinha os seus partidários mais incriminados e condenados. Temer, vencedor dessa contenda de cúmplices, contudo, não soube legitimar-se perante a nação.

E paira no ar uma dúvida: Curitiba chegará novamente ao Planalto? Não é adequado para o País nem fácil para o mandatário governar sob suspeita. É o que temos como momento político. Moro ainda é imperador da ocasião.

O juiz criminal das graças da população avança. Prendeu mais um ex-ministro, depois, por comiseração, mandou soltá-lo. Aí está o arbítrio personalizado. Não nas prisões; se o juiz acredita na legalidade do que faz, explica-se.

Esse juiz criminal se excede nas preventivas, mas os juízes criminais brasileiros (não trato dos demais) sempre se excederam. Isso somos nós. Agora o juiz Moro agiu em contramão de suas convicções legais.

Por um arbítrio que não advém de sua compreensão legal de dado processo, o juiz foi “bom” e mandou soltar, à parte de seus procedimentos costumeiros, um réu. Assim, ao seu injurídico talante, sem (sua) interpretação da lei.

Se alguém deve estar detido, é ilícito ao juiz, por “bondade”, soltá-lo. Moro liberou Mantega para preservar-se da má repercussão em caso de eventual insucesso em operação a que se submetia a esposa do político.

Legado lulopetista: o povo agradecido a um juiz por tomar do momento histórico e desmantelar a maior quadrilha de pilhagem de dinheiro público que o País já viu. Gratidão a um juiz criminal, todavia, não é bom.

Discrepo da “dureza” processual de Moro; reconheço-lhe legitimidade. Via-o como um juiz laborando em coerência consigo; assim não o vejo mais. Quanto aos ladrões que condenou, mantenho minha opinião.


 

Imagem Ilustrativa do Post: Ajufe apresenta medidas contra a impunidade e pela efetividade da justiça // Foto de: ajufe_oficial // Sem alterações

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