Manifesto feminista anti - golpe: resistência, força e luta da mulher brasileira

01/04/2016

Por Bárbara Natália Lages Lobo [1] - 01/04/2016

Se eu iniciasse a minha fala, aqui nesta casa, onde ensina-se não?, aprende-se, interpreta-se, reflete-se e critica-se o Direito, com a seguinte indagação: O que é justiça? Quantos conseguiriam definir, perfeitamente, toda a complexidade deste ideal? Sentimento? Dever? Objetivo? Instituição?

Contudo, embora não se consiga encerrar em uma única definição o conceito de justiça, nós não abandonamos a sua busca, pois, antes de sabermos o que é justo, possuímos uma concepção maior daquilo que seja injusto.

Então, munida desta concepção, afirmo que este processo de impeachment é injusto. E a possibilidade de se atingir o resultado se apresenta como uma das cenas políticas mais injustas da nossa história.

A inexistência de motivos fiscais e legais pelos quais se pretende engendrar o golpe, já foram ditos[1]. E por que chamamos “golpe”?   Porque não há o que justifique a retirada de poder de uma presidenta eleita, majoritariamente, em plena observância da soberania popular e das normas constitucionais. Realizou-se a democracia.

O não reconhecimento dos fatos acima coloca à prova os fundamentos democráticos e republicanos do Estado Brasileiro[2]. E isso põe à prova árduas conquistas sociais, econômicas e civis na transição e derrocada do regime ditatorial.

As chamadas “pedaladas fiscais”, se é que houveram[3] (o que, em uma nomenclatura séria, desvinculada dos interesses escusos midiáticos, se chamam adequações ou ajustes orçamentários) não configuram crime de responsabilidade.

Nesta linha de raciocínio, que interesses fundamentam esta tentativa de golpe?

De início, um revanchismo, um inconformismo com a reeleição de Dilma Roussef (reeleição que, diga-se de passagem, é produto de transações políticas obscuras para aprovação da Emenda Constitucional n° 16)[4].

Além disso, vivemos, desde o governo Lula, uma verdadeira “caça às bruxas”. Com ampla investigação, apuração e punição de atos de corrupção.

Além desse vespeiro, os governos petistas, com o auxílio da democratização da mídia pelo surgimento de outros veículos de informação e expansão do acesso a esses meios, estão desmantelando o poder daquela que possui há décadas em suas mãos o modus vivendi do brasileiro: a Rede Globo de Televisão, que, inescrupulosamente, arquiteta o golpe, numa tentativa de repetir o feito de 64.

Dessa forma, a referida emissora e outros veículos midiáticos outrora hegemônicos, aliados ao empresariado (representado pela FIESP) e ao apelo das bancadas parlamentares “BBB” (bancadas da Bíblia, da bala e do boi), proferem um discurso de ódio, polarizando a sociedade brasileira, de forma a desestabilizar um governo democraticamente eleito.

Mas, tem mais: com a crise mundial, iniciada em 2008, que assola, desde então, o globo terrestre, o empresariado (que ocupa mais da metade das cadeiras do Congresso Nacional e é quem, de fato, manda na política brasileira) também pretende, com o golpe assolar a classe trabalhadora, com a extinção de direitos (atualmente são 55 Projetos de Lei em tramitação extremamente prejudiciais aos trabalhadores[5]) e um projeto flexibilizatório trabalhista devastador.

Pretendem, ainda, ferir de morte a soberania nacional com a reabertura à dependência do capital estrangeiro, por meio de políticas fiscais, previdenciárias e administrativas neoliberais, mediante desestatização de empresas públicas e redução irresponsável da máquina administrativa.

Ok! É certo que vários de nós, principalmente aqueles que tem um posicionamento de esquerda mais incisivo, reconhecemos a timidez política dos governos petistas para aquilo que consideramos o ideal, como por exemplo, a tributação sobre grandes fortunas, a tão necessária reforma política e a ampliação de direitos civis.

Apesar dessas discordâncias, é transparente o pioneirismo das políticas sociais implementadas, nos últimos quatorze anos, para a promoção da inclusão e da mobilidade sociais.

40 milhões de pessoas saíram da linha da pobreza. O PROUNI formou 400 mil pessoas, sendo a metade destas negras. Segundo o IBGE, no ano 2000, a mortalidade infantil era de 30 crianças para cada 1000 nascidas vivas. Hoje, reduziu-se esse trágico indicador à metade. A esperança de vida ao nascer, que era de 69 anos, em 2000, hoje é de 75 anos, graças a programas de saúde, como por exemplo, o “Mais Médicos”.

As mulheres, hoje, podem ficar 2 meses a mais com seus filhos, recebendo o salário maternidade. A licença paternidade foi estendida.

As empregadas domésticas possuem os mesmos direitos que todos os trabalhadores, rompendo-se assim com um passado escravocrata, marcado pela separação entre a casa grande e a senzala. Todos esses pontos, por si só, me fariam continuar a votar nos candidatos do Partido dos Trabalhadores, caso essa dualidade política (intermediada maquiavelicamente pelo PMDB) persistisse.

Contudo, diante do risco de se fortalecer a popularidade do PT, por um gigante que é a sua marca e a “alma”, ataca-se. Um ex-metalúrgico, doutor honoris causa em 55 instituições, sendo grande parte delas estrangeiras, e, reconhecidamente, o melhor presidente de toda a história deste País, deixa os grandes grupos acima citados apreensivos.

Exploram, assim, com um bombardeio midiático, a burguesia medioclassista, tacanha e mesquinha, que se revolta, de forma odiosa, contra o que pareceu ser a ascensão do proletariado (como se a ele não pertencessem). Dessa forma, desqualificam na fala, mas, reforçam na prática a temível e inconteste “luta de classes”.

Institucionalmente, recebem o aval de políticos corruptos que se valem do ódio classista para transluzir seu falso moralismo.

Nesta cena, ganham os agentes públicos e os advogados oportunistas, ávidos por holofotes, espetacularizando de forma cínica a imoralidade que também os acomete.

Nesta toada, o feminismo se mostra arma de grande valor. Na política e na Justiça, cujo símbolo é um busto feminino, com uma espada na mão e uma balança na outra, que há muito deveria ter retirado a venda dos olhos, pelo dever de olhar atentamente a conjuntura e as peculiaridades dos casos concretos. Olhar este que deve sempre ter a lupa dos direitos constitucionais. Contudo, esta venda está sendo retirada pela indignação, investigação e punibilidade seletiva próprias dos juízos de exceção.

Mas, voltemos ao machismo presente na situação em análise.

O que se sente ao observar as mulheres na política é a presença de um sujeito em uma vida a que ela cultural, social, econômica e historicamente não pertence.

As mulheres não são acolhidas na política, mas sim, toleradas como um corpo estranho (o qual se pretende eliminar). A mulher, na vida pública, possui um significado de ruptura muito forte com o patriarcado para ser aceito.

Para que se tenha uma ideia, em quase todos os cargos eletivos, a representação feminina não ultrapassa o percentual de 15%.

Vamos imaginar juntos a cena da posse de Dilma Roussef: uma mulher divorciada assumindo o mais alto posto Executivo do Brasil ao lado de um homem (!) (?). Não. Ao lado de sua filha. Ela não usou o falo como necessidade para se tornar a PresidentA do Brasil.

Dilma no poder tem um significado maior do que o classismo dirigido a Lula. Dilma no poder é a maior elevação da democracia.

E isso se comprova pelos ataques violentos a ela dirigidos (que somente representam uma dimensão macro das violências diárias sofridas por todas as mulheres). Opressão, humilhações, violência física e psicológico. Impedimento e controle institucionalizado sobre nossos corpos.

Fica claro, assim, que o cenário político é um simulacro excludente e exclusivista: aristocrata, plutocrata, coronelista, machista, racista, classista e homofóbico (LGBTfóbico, para usar uma expressão abrangente).

O empoderamento dessas “minorias qualitativas” é fonte de ataque. No caso das mulheres, quando se foge da “improdutividade do trabalho doméstico”, sem aceitar as concessões do jogo sujo político, endossam um protagonismo social e político indesejável.

O Plano Nacional de Políticas para Mulheres, o fortalecimento dos movimentos feministas nos últimos 10 anos, a Lei Maria da Penha, a Lei do Feminicídio tentam subverter um cenário de sub-representação.

A ONU Mulheres, no dia 25 de março de 2016, condenou a violência praticada contra a presidenta, em virtude dos xingamentos e atos de violência contra elas praticados nas manifestações.

Temos hoje em nossas mãos uma importante missão: ter coragem e persistência para defesa da soberania popular, da nossa participação cidadã, (restrita, é verdade, ao voto) mas, cuja validade querem usurpar, minando, assim, o elemento mais presente e palpável da nossa cidadania.

Lincoln Secco[6], ao citar Robert Owen, que no século XVIII, ao teorizar o socialismo e cunhando “feminisme” esse movimento de luta por direitos iguais entre os sexos, , reflexivamente, que “o grau de emancipação da mulher era a medida mais segura para mostrar o nível de emancipação humana”.

Por isso não vou me calar. Porque se eu me omito, num momento deste,eu estarei contrariando tudo aquilo que eu leio, tudo o que eu acredito, toda a minha história e a História do meu País.

Se eu me calasse, eu atentaria de forma imperdoável contra a minha natureza e contra tudo o que o feminismo e o poder das mulheres representam para mim.

E é por nossas mães, irmãs, filhas, amigas. Por nós mesmas e por todas as mulheres que não podemos admitir o golpe. E se este houver, nós vamos resistir, com toda força e garra próprias da mulher brasileira!

Podemos não conseguir definir o que seja justiça, mas, sem dúvida, o machismo não integra o seu conceito, pois, não existirá a justiça (como ideal, sentimento, dever, objetivo e instituição), se não houver igualdade!


Notas e Referências:

[1] Texto apresentado no Ato de Juristas Mineiros pela Democracia, organizado pela Frente Brasil Popular, no dia 29 de março de 2016, na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.

[1] Recomenda-se a leitura do texto: “Supremo Tribunal Federal deve barrar ou nulificar impeachment sem crime de responsabilidade” – Por Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes Bahia, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira e Paulo Roberto Iotti Vecchiatti, publicado no dia 23/03/2016, disponível em: <http://emporiododireito.com.br/supremo-tribunal-federal-deve-barrar/>.

[2] Artigo 1° da Constituição da República Federativa do Brasil: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da  pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

[3] A análise das contas apresentadas pela Presidência da República estão ainda está pendente de julgamento pelo Congresso Nacional. O que há, até o presente momento (dia 30 de março de 2016) é a reprovação pelo Tribunal de Contas da União. A competência para controlar externamente, fiscalizando contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial a Administração Pública é do Congresso Nacional, conforme disposto no artigo 71 da Constituição da República de 1988.

[4] A Emenda Constitucional n° 16 alterou o artigo 14 da Constituição da República: “§ 5º O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente.”

[5] Extremamente importante a leitura atenta da matéria: Tramitam 55 ameaças aos direitos trabalhistas na Câmara e no Senado, publicada em 22 de março de 2016. Disponível em: http://causaoperaria.net/2016/03/22/tramitam-55-ameacas-aos-direitos-trabalhistas-na-camara-e-no-senado/.

[6] Importantíssima análise em: A imagem da mulher e a esquerda, publicado em 04 de março de 2015, disponível em <http://blogdaboitempo.com.br/2015/03/04/a-imagem-da-mulher-e-a-esquerda/>.


Bárbara Lobo. Bárbara Natália Lages Lobo é Doutoranda e Mestre em Direito Público pela PUC-Minas. Professora de Direito Constitucional, Direito do Trabalho e Processual do Trabalho. Servidora do TRT-3ª Região. Autora do livro "O Direito à Igualdade na Constituição Brasileira" (Belo Horizonte: Forum, 2013). .


Imagem Ilustrativa do Post: Martinique beauty // Foto de: Fiona Shaw // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/94119531@N06/8580686406

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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