Malala Yousafzai, 17 anos, Prêmio Nobel da Paz

29/09/2015

Por Luiz Ferri de Barros - 29/09/2015

Ao ser agraciada com o Prêmio Nobel da Paz em outubro de 2014, Malala Yousafzai, de 17 anos, ativista paquistanesa pelo direito da educação das meninas, é a mais jovem personalidade a receber a honraria.

No livro Eu sou Malala (2013), escrito em parceria com a veterana jornalista britânica Christina Lamb, ela relata sua vida. No Paquistão, o livro foi banido das escolas particulares logo após seu lançamento, em 2013, sob o argumento de desrespeito ao Islã e de ser anti-Paquistão e pró-Ocidente.

Em resposta ao Prêmio Nobel que foi outorgado à jovem em outubro de 2014, escolas particulares paquistanesas, em antagonismo com o Dia Internacional Malala, instituído com o apoio da ONU imediatamente após o atentado que ela sofreu em 2012, criaram em novembro de 2014 o Dia Anti-Malala, propagado com cartazes que diziam: Eu não sou Malala.

Por sua juventude, a rebeldia face ao arbítrio, o senso de independência, a fortaleza e o caráter, a vida parece prometer a Malala Yousafzai um longo caminho. Pela intolerância de seus inimigos, o mundo jurídico, policial e militar lhe devem garantias de segurança.

Em 2013, no dia em que completou 16 anos de idade, a paquistanesa Malala Yousafzai discursou nas Nações Unidas para uma audiência de 400 pessoas, dirigindo-se aos líderes políticos mundiais em defesa do direito à educação gratuita para todas as crianças. Em 2014, aos 17 anos, tornou-se a mais jovem vencedora do Prêmio Nobel da Paz desde que a premiação foi instituída, em 1901.

O preço que pagou antes de alcançar os mais altos níveis de reconhecimento universal não foi pequeno: em 2012, aos 15 anos, Malala ficou entre a vida e a morte ao ser baleada na cabeça por terroristas do Talibã, que a tinham numa lista de pessoas marcadas para morrer por conta de sua corajosa e intensa militância em prol da educação de meninas.

O Talibã, um movimento radical islâmico, inicialmente surgido no Afeganistão, onde tomou o poder em 1996, após o “11 de Setembro”, em 2001, desloca-se para o Paquistão e passa a disputar com o governo e o exército o domínio do Estado, quando não se infiltrando no próprio Estado, em especial buscando a imposição de uma lei islâmica fundamentalista que pela violência contraria preceitos do próprio Islã.

O domínio do Talibã sobre as populações e os territórios sob sua influência deriva da doutrinação religiosa, da violência que impõe o medo e a obediência, e, entre outros fatores, também de um sistema de justiça paralelo baseado no poder dos mulás (líderes religiosos) – sensivelmente mais rápido na resolução de conflitos do que a justiça oferecida pelo poder judiciário.

Malala nasceu e vivia no vale do Swat, uma região não muito distante de Islamabad, capital do Paquistão, porém de acesso difícil devido à precariedade das estradas. Pelo que relata da vida no vale, fica claro que a influência do Talibã na região, em maior ou menor grau nos anos 2000 e seguintes, representou um retrocesso histórico, em que uma teologia radical, isolacionista e violenta tentou impor-se ao Estado laico, processo facilitado pela instabilidade das instituições e pela corrupção generalizada.

Malala lutou contra isto bravamente, em que pese sua tenra idade. No comunicado que o Talibã emitiu assumindo a responsabilidade pelo atentado contra a adolescente, um porta-voz nega que a sua campanha pela educação tenha sido a causa do ataque, para, no entanto, dizer: “Executamos o ataque e toda pessoa que fale contra nós será atacada da mesma maneira. Malala foi nosso alvo por seu papel pioneiro em pregar o secularismo. Era jovem, mas promovia a cultura ocidental (...). Era pró-Ocidente; falava contra o Talibã (...)”.

A epopeia de Malala iniciara-se em 2009, aos 12 anos. Nesta idade passou a escrever um blog semanal no portal da BBC, sob pseudônimo, narrando como era a vida no Swat sob o domínio do Talibã. A ideia original foi de um jornalista, que a auxiliou na tarefa, e que havia proposto a pauta a seu pai – então presidente da Associação de Escolas Particulares.

Malala se ofereceu para o projeto e foi apoiada pelos pais. Na primeira explicação sobre o sentido que buscava para esses escritos, o repórter citou o Diário de Anne Frank, de onde se vê que todo cuidado era pouco. Uma coisa leva a outra, a militância de seu pai à frente da Associação de Escolas Particulares, em defesa dos estabelecimentos de ensino – que na época estavam sendo sumariamente explodidos pelo Talibã – levaram-no a participar do conselho de anciãos da cidade; embora não fosse um ancião, falava várias línguas, o que o qualificava como bom porta-voz do grupo.

Malala passou a acompanhar o pai nas reuniões do conselho. Logo, cerca de um ano após a experiência com o blog da BBC, o jornal The New York Times produziu um documentário sobre o fechamento das escolas de meninas no Swat, com o foco na vida de Malala. Havia uma data marcada pelo Talibã para que as meninas deixassem de ir às escolas. Malala pergunta: “Como impedir 50 mil meninas de ir à escola em pleno Século XXI?”. Sucederam-se dezenas de entrevistas. Suas declarações à mídia firmaram-na num perigoso papel de liderança feminina em um território conflagrado e sob ameaça fundamentalista.

Não obstante o medo, que a fazia trancar portas e que a levou a não mais andar a pé até a escola, Malala seguiu corajosamente com suas declarações públicas à imprensa e em frequentes palestras.

Confiava-se, também, que nem mesmo o Talibã mataria uma criança: e assim o foi. Mas, aos 15 anos ela foi baleada, pois pela tradição não era mais criança. Passou por quatro hospitais para receber os socorros médicos, que incluíram várias cirurgias cranianas e faciais. Este momento da narrativa é especialmente dramático, não apenas pelas decisões médicas envolvidas como pelas questões políticas levantadas pela situação, e pela logística operacional militar para garantir sua segurança evitando novos atentados.

Após os dias iniciais de recuperação, a reabilitação que demorou meses foi no exterior, em Birmingham, no Reino Unido, onde Malala hoje vive com a família. Feito o arranjo com o hospital inglês, ela foi transportada até a Inglaterra no jato particular da família que governa os Emirados Árabes Unidos: “Dizem que é o auge do luxo, com uma cama de casal, dezesseis assentos de primeira classe e um mini-hospital na parte traseira, com uma equipe de enfermeiras europeias chefiadas por um médico alemão. Só lamento não ter estado consciente para desfrutar”, ela narra com humor.

Eu sou Malala é um livro instrutivo e emocionante, que mescla a história pessoal da menina, em tom confessional, a um apanhado histórico do Paquistão desde sua fundação em 1947, descrevendo a condição da mulher paquistanesa, com foco nos anos críticos da talibanização do vale do Swat. O ataque surpresa dos fuzileiros navais Seals a Abbottabad, onde mataram Osama Bin Laden, é também apresentado no texto, com comentários variados sobre o jeito paquistanês de enxergar o episódio.

Malala é uma menina. Afora a militância que quase lhe custou a vida e a levou aos píncaros da respeitabilidade e da honra, antes do atentado, quando morava em Mingora, sua cidade natal, Malala Yousafzai era apenas uma menina como suas amigas de escola e como milhões de outras adolescentes no mundo.

Fã de Justin Bieber, fechava-se no quarto com suas amigas para dançar. Briga e faz as pazes com sua melhor amiga o tempo todo. As vampiras da série Crepúsculo a fascinavam e o seriado Betty, a Feia na época a inspirava a ser jornalista. Antes de o Talibã cortar a TV a cabo, gostava de assistir ao programa Masterchef.

Estudiosa, competia pelo primeiro lugar na classe com duas de suas colegas, e participava dos concursos de oratória. Entre suas leituras, cita Oliver Twist, Romeu e Julieta e O Alquimista, por sinal comentando que Paulo Coelho não seria igualmente otimista se conhecesse o Talibã e os políticos paquistaneses. Aos 11 anos tentava entender Uma breve história do tempo, de Stephen Hawking, uma leitura improvável, ou surpreendente, eis que Malala declara no livro sua dificuldade com a física, que todavia a fascina.

Malala era uma menina igual às outras, para quem nos piqueniques no campo a brincadeira favorita eram os casamentos de faz de conta, em que cantavam músicas de Hollywood e se lambuzavam com maquiagem que pegavam das mães. Sua militância a fez diferente, entretanto. O atentado e o que veio depois, em sofrimento e em glória, roubaram-lhe o que sobrava de sua infância. Mas no hospital de Birmingham, reconhecendo a criança à sua frente, uma das médicas que a assistia deu-lhe de presente um grande urso branco de pelúcia que a acompanhou durante a reabilitação.

A militância levou-a a desejar abraçar a política, segundo diz para fazer o que os políticos prometem mas não fazem. Ao discursar nas Nações Unidas, aos 16 anos, a pequena Malala Yousafzai já demonstrava o porte e a força das grandes mulheres orientais, trajando sobre sua túnica tradicional um dos xales que pertenceram a Benazir Butto, com que foi presenteada por seus filhos após o atentado.

Benazir Butto foi a primeira mulher a eleger-se para o cargo de primeiro-ministro no Paquistão, em 1988, tendo sido assassinada em 2007. O homem que baleou Malala em 2012 foi prontamente identificado. Continua solto.


 

Originalmente publicado na Revista da OAB/CAASP.

São Paulo, fevereiro de 2015.


Luiz Ferri de Barros é Mestre e Doutor em Filosofia da Educação pela USP, Administrador de Empresas pela FGV, escritor e jornalista.

Publica coluna semanal no Empório do Direito às terças-feiras.                                        

E-mail para contato: barros@velhosguerreiros.com.br 


Imagem Ilustrativa do Post: Malala Yousafzai // Foto de: Southbank Centre // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/southbankcentre/13008430294

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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