Mad Max e o anarcocapitalismo (ou quando o mundo acaba antes do capitalismo)

11/03/2016

Por Átila Da Rold Roesler - 11/03/2016

Mais de trinta anos depois do primeiro filme, o diretor australiano George Miller nos premia com a continuação do clássico filme pós-apocalíptico que concorreu e ganhou o Oscar 2016 em diversas categorias[1]. Além da ação quase ininterrupta, das incansáveis perseguições, da fantástica fotografia de dias amarelados e noites azuis, do empoderamento feminino, o que mais se destaca é a concepção de uma sociedade anarcocapitalista, isto é, a completa ausência do Estado mínimo e o triunfo supremo da livre iniciativa num trágico cenário futurista. Alvíssaras! Tudo e todos estão à venda e salve-se-quem-puder!

A visão anarcocapitalista (cujo conceito do ponto de vista da lei natural é atribuído ao economista Murray N. Rothbard[2]) defende a ausência total do Estado, que é visto como uma entidade agressiva que rouba a propriedade privada através da tributação, cria monopólios, favorece poucos em detrimento de muitos, restringe o livre comércio e prejudica o progresso da sociedade. Em breve síntese, os defensores do anarcocapitalismo acreditam que os seres humanos têm o direito natural ao seu próprio corpo e ao resultado de seu trabalho, na troca livre e voluntária da propriedade privada, rejeitando qualquer forma de intervenção estatal mesmo quanto à segurança que deve ser provida por cada um em livre associação com os outros membros da sociedade.

Em Mad Max: Estrada da Fúria, temos a sociedade anarcocapitalista em pleno funcionamento num cenário pós-apocalíptico, quando percebe-se que mesmo na ficção a luta de classes continua a girar o motor da História e que a desigualdade social se aprofundaria diante da absoluta ausência de leis e do Estado. Nessa realidade, a justiça é privada e cega. Aqui, importa proteger os bens a qualquer custo. A disputa por água, alimentos, veículos, combustível, enfim, qualquer tipo de recurso ocorre em situações de extrema violência e gera desesperança plena.

Quais seriam os limites éticos do capitalismo? Sem a presença do Estado, cria-se uma legião de desesperados, cobertos de feridas, que restam abandonados à própria sorte onde tudo está à venda por um preço, inclusive, corpos humanos, bolsas de sangue e úteros maternos. As classes sociais continuam bem definidas nesta ficção pós-apocalíptica: os poderosos dominam os poucos recursos naturais ainda existentes no mundo, manipulando o resto da sociedade por meio de qualquer religião patética e de promessas que nunca serão cumpridas; aos desgraçados de sempre não resta quase nada; e a classe média continua fascinada pela casta superior e a aspira por meio da meritocracia.

Exageros à parte, o pesadelo imaginado por Miller parece cada vez mais próximo, real e ameaçador. O filme coloca em xeque a exploração do homem pelo homem, as consequências nefastas da ausência do Estado, a exploração sexual das mulheres, a escassez dos recursos naturais, o perigo do fundamentalismo religioso, a iminência de uma catástrofe nuclear que nunca deixou de existir, a incapacidade do ser humano para dialogar entre si, o engodo do conceito de livre mercado. Nessa sociedade pós-apocalíptica, só os poderosos sobrevivem. Simplesmente não há para quem recorrer tampouco para onde correr, o que fica claro no final da história.

Enfim, estamos falando sobre ficção. Mas talvez o mundo acabe antes do capitalismo, de fato.


Notas e Referências:

[1] Em número de prêmios, "Mad Max: Estrada da Fúria" foi o grande vencedor do Oscar 2016, com seis categorias, incluindo melhor edição, direção de arte, figurino, maquiagem, edição e mixagem de som.

[2] Conforme: https://mises.org/profile/murray-n-rothbard.


Átila Da Rold RoeslerÁtila Da Rold Roesler é juiz do trabalho na 4ª Região e membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD). Pós graduado em Direito e Processo do Trabalho e em Direito Processual Civil. Foi juiz do trabalho na 23ª Região, procurador federal e delegado de polícia civil. Publicou os livros: Execução Civil – Aspectos Destacados (Curitiba: Juruá, 2007) e Crise Econômica, Flexibilização e O Valor Social Do Trabalho (São Paulo: LTr, 2015). Autor de artigos jurídicos em publicações especializadas. Professor na pós-graduação na UNIVATES em Lajeado/RS e na FEMARGS – Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do Rio Grande do Sul. 


Imagem Ilustrativa do Post: capitalism // Foto de: Frank Hebbert // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/f-r-a-n-k/2070903466

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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