LÓGICA DO SOFRIMENTO: PRISÕES E MEDIDAS CAUTELARES COMO RESPOSTA AO ANSEIO SOCIAL, UM DESVIO DE SUA FINALIDADE.

25/08/2019

 Coluna Espaço do Estudante

            Primordialmente, faz-se necessário elencar que que toda medida cautelar tem como objetivo a proteção dos meios ou resultados do processo, sendo uma “garantia” do Estado Democrático de Direito.  No entanto, é de suma importância ponderar que durante essa incansável sede de resguardar tal tais objetos utilizando das tutelas cautelares observamos e vivenciamos muitos direitos serem atacados e desmerecidos em pequenas e grandes proporções.

  Ainda, hodiernamente, é evidente como o Direito Penal está cada vez sendo mais aclamado pela população em geral, ocasionando em decisões proferidas que se justificam pela finalidade de atender as demandas sociais, apesar de ser notória a percepção de que sequer um dispositivo legal elenca a vítima (a qual deveria ser a principal merecedora de um “resultado”) como sujeito merecedor de uma resposta.

   Muito desse alvoroço dentro da área criminal deve-se ao cenário “político-social” que nosso país vem vivendo, sendo assim, os profissionais que atuam com esta área reagem prontamente e “eficazmente” as violações de tal legislação e aplicam de modo perverso e excessivo aquilo que traz a punição tão esperada, a qual para a maior parte da sociedade é a verdade prova de que legislação brasileira é justa, rápida e eficaz e àquele que a aplica é o herói do tão bonito Estado Democrático de Direito.
          Acerca desta reflexão, devemos analisar qual é realmente a finalidade da aplicação das medidas cautelares como forma de garantir tais cuidados com o processo.

            Alonso Aragoneses elenca que “o grande problema das medidas cautelares consiste em que, se não adotada, corre-se o risco da impunidade; se adotada, corre-se o perigo da injustiça”.
            Aqui, relembra-se que o direito penal deve ser utilizado em esfera de ultima ratio, onde depois de esgotadas todas as possibilidades serão aplicadas à lei penal e diante disso a prisão cautelar será utilizada em casos excepcionais quando todos os demais mecanismos falharam.

No entanto, o que encontramos em nossa prática brasileira é um uso crescente e desenfreado deste instituto como se única exclusivamente, ele fosse a solução para a criminalidade e o responsável por garantir a paz social.
            Corroborando com tal problemática, ao analisarmos a resolução de nº 213 de 15/12/2015 do Conselho Nacional de Justiça em seu protocolo I (Procedimentos para a aplicação e acompanhamento de medidas cautelares) é possível observar que 41% da população carcerária do Brasil é composta por presos sem condenação, que aguardam seu julgamento. Inclusive, com a intenção de proporcionar maiores informações em relação ao caso, o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) realizou uma pesquisa no ano de 2015 no que tange a Aplicação de Penas e Medidas, apontando que 37,2 % dos casos em que supostos condenados estiveram presos provisoriamente, não houve condenação à prisão no final do processo, ensejando em absolvição ou em penas restritivas de direito.

            Desta forma, o que podemos notar com a utilização desenfreada de prisões cautelares é um sistema penal desproporcional e até mesmo abusivo, desconsiderado totalmente o que a lei processual penal nos traz e ferindo gravemente o princípio da presunção da inocência. Acrescenta-se ainda aqui um grave e emergente problema: a superlotação das penitenciarias no Brasil e todo o agravante que traz consigo como prática de tortura, doença, insalubridade, afetividade, ruptura de personalidade e etc.

Conforme o prof. dr. Giulio Illuminati (1999, p.92) é possível realizar uma importante reflexão acerca do tema que vem sido discutido, elencando que “garantir o procedimento cautelar como se fosse o juízo de mérito significa que o processo não alcança seu objetivo senão através das medidas provisórias”. Ainda explica em seu livro que “todo o drama da custódia cautelar reside ainda na excessiva duração dos processos, que não conseguem chegar a uma sentença em um tempo razoável. Por este motivo, toda a tensão se transfere sobre o sistema das cautelares, transformando no ponto de maior relevância prática” (p.105).

Deste modo, voltamos ao ponto em que iniciamos a discussão, refletindo acerca de que as prisões cautelares trazem sim uma sensação de alívio imediato para o descaso com a segurança pública, pois socialmente, aos olhos da população torna-se uma resposta rápida. Ademais, todo o procedimento realizado através da prisão cautelar traz aquilo que é erroneamente aceito e aplaudido como correto: o suspeito pelo crime se passa por verdadeiro autor, está sendo preso, a sociedade sente-se protegida e o Estado passa a ser visto como um garantidor assentado de segurança para a sociedade. E é com base nestas analises que conseguimos entender que maiores punições tragam uma maior violência social e um número crescente de crimes. Entende assim Aury Lopes Júnior:

“As medidas cautelares coercitivas são produto de tensão entre dois deveres próprios do Estado Democrático de Direito – de um lado, a proteção do conjunto social e manutenção da segurança coletiva dos membros da comunidade frente à desordem provocada pelo injusto típico, através de uma eficaz persecução dos delitos, e, de outro lado, a garantia e a proteção efetiva das liberdades e direitos fundamentais dos indivíduos que integram.” (LOPES JÚNIOR, 1987, p.450 apud CRUZ, 2006, p. 7)

É possível avaliar que cada vez com mais frequência o que ocorre é a aplicação de medidas cautelares por conveniência, pois as suas finalidades e necessidades estão se perdendo.

Assim partimos para a aplicação da lógica do sofrimento como um desvio de finalidade das cautelares. Mas, o que é a lógica do sofrimento e qual o motivo da mesma desviar a finalidade das medidas cautelares?

Historicamente, ao passarmos por diversas escolas penais resta evidente que sua maioria visa punir o sujeito devido às necessidades da sociedade, portanto, notamos que um sujeito só seria considerado condenado se passasse por algum tipo de martírio, se sentisse dor, se perdesse algo que socialmente encarado, lhe traria ou deveria lhe trazer um sentimento de arrependimento.

A história se repete quando uma pessoa só será considerada “arrependida” se a forma de punição e a penitencia a ela aplicada trouxer sofrimento, caso ao contrário, se passar pelo processo de reinserção (o qual está muito distante de ocorrer) ou se tiver a oportunidade de responder pelo crime que ocorreu conforme o seu direito, a mesma não aprenderá e tampouco se arrependerá daquilo que cometeu.  

As tutelas cautelares, especificamente a prisão, estão diariamente sendo corrompida pela lógica apresentada, pois, de forma afirmativa tais institutos do processo penal não estão sendo aplicados para a finalidade qual deveriam e sim para continuar com a péssima ideia de que um sujeito preso está pagando pelo crime que cometeu antes mesmo de ser considerado autor do suposto evento, tudo isso mascarado de efetividade do Estado.

 

 

 

 

Notas e Referências

CRUZ, Rogerio Schiett Machado. Prisão cautelar – dramas, princípios e alternativas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

ILLUMINATI, Giulio. La presunzione d’innocenza dell’imputato. Bologna: Zanichelli, 1984, p. 21.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal / Luigi Ferrajoli. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

ARAGONESES ALONSO, Pedro. LOPEZ-PUIGCERVER, Carlos. Curso de Derecho Procesal Penal. Madrid: 1974.

 

 

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