Livre Convencimento ou Livre Apreciação das Provas?

27/07/2017

Por Jeffrey Chiquini – 27/07/2017

O processo, além de toda sua função constitucional, é instrumento que visa a reconstrução histórica dos fatos.

No processo constitucional, esta reconstrução dos fatos deriva da colheita e produção de provas. Estas, por sua vez, destinam-se à obtenção do convencimento do juiz sobre a existência, ou não, do crime. Razão pela qual, no sistema acusatório, prevalece que o convencimento do julgador deverá ser obtido, única e exclusivamente, através das provas.

Provas, são elementos produzidos sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Por isso, diz-se que como regra as provas são produzidas em contraditório judicial, com exceção das provas cautelares, não repetíveis e antecipadas, que embora produzidas na fase pré-processual possuem o mesmo valor das provas produzidas na fase processual.

E dizer que o convencimento do juiz é obtido apenas através das provas, é consequência lógica e obrigatória do sistema acusatório, que exige certeza da existência do crime para que haja condenação.

Entretanto, embora saibamos que a Constituição Federal adotou o sistema acusatório, infelizmente ainda prevalece na doutrina e na jurisprudência que o sistema de avaliação das provas, adotado pelo atual sistema processual, é o livre convencimento motivado.

Segundo este sistema de avaliação das provas, o juiz poderá se convencer livremente sobre a existência do crime, bastando que fundamente sua decisão e desde que não se utilize exclusivamente de elementos colhidos na fase pré-processual para formar seu convencimento.

Porém, este sistema do livre convencimento motivado, que para alguns está amparado no artigo 155 do Código Processual[1], nada mais é do que resquício do sistema inquisitório, que permite aos senhores inquisidores que se convençam por qualquer motivo, que se utilizem livremente dos elementos colhidos no inquérito policial e que condenem o réu por suas próprias crenças e convicções.

A relevância dessa discussão está no fato de que diariamente acusados são condenados sem provas, através de blindagens argumentativas como a famosa frase: corroborando os elementos colhidos na fase pré-processual, com os demais elementos produzidos em contraditório judicial, condeno o réu.

Admitir que o juiz se convença livremente, desde que fundamente sua decisão, é uma folha em branco aos inquisidores, que poderão se convencer por qualquer motivo, desde que façam uso da já pronta blindagem argumentativa de termos como corroborando e cotejando, para dizer terem se convencido por meio de provas, quando, em verdade, formaram sua convicção por elementos além dos produzidos em contraditório judicial.[2]

Acontece que no processo constitucional a convicção do julgador sobre a existência do crime depende de juízo de certeza e certeza advém, única e exclusivamente, através das provas.

Este é o desejo do constituinte, ao dispor no art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. E por devido processo legal temos o respeito ao contraditório e a ampla defesa.

Por isso, em proteção ao desejo constitucional e ao sistema acusatório, o sistema de avaliação das provas prevalecente não deveria ser interpretado como o é pela doutrina e jurisprudência, que afirmam que o juiz poderá se convencer livremente, bastando que fundamente suas decisões. Isto porque, em verdade, o juiz não poderá se convencer livremente sobre a existência do crime, pois sua convicção dependerá da existência de provas.

Então, a conclusão que se faz, é que o juiz possui a livre apreciação das provas, pois que o juízo de certeza, exigido para haja convencimento sobre a existência do crime, depende de provas e somente por meio delas poderá o juiz se convencer e fundamentar sua decisão.

Nesta linha, Aury Lopes Jr. ensina que o livre convencimento é, na verdade, muito mais limitado do que livre. E assim deve sê-lo, pois se trata de poder e, no jogo democrático do processo, todo poder tende a ser abusivo. Por isso, necessita controle. Não se pode pactuar com o decisionismo de um juiz que julga conforme sua consciência[3].

No mesmo sentido, o Professor Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, ensina que falar em processo é falar de atividade recognitiva, pois a um juiz com jurisdição que não sabe, mas que precisa saber, é dado o poder de dizer o direito no caso concreto.[4]

Ou seja, o saber do juiz no processo democrático está vinculado às provas e somente a elas.

É importante, ainda, destacarmos que o processo acusatório busca segurança jurídica nos julgamentos, conforme exigência do Estado Democrático de Direito. E só há falar em segurança jurídica havendo limites ao convencimento do julgador, posto que quanto maior seu campo discricionário decisório, menos segurança jurídica se tem nas decisões.

Conclui-se, então, que o contraditório é o núcleo estruturante do processo penal e princípio unificador do processo constitucional.


Notas e Referências:

[1] “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”.

[2] “Tendo em vista que a decisão estava preordenada, e o resultado antecipado, o que lhe restava era somente buscar maneiras de sustentar o que anteriormente já havia planejado, pois, por ter o domínio amplo das premissas, era possível que as manipulasse”. BRUM, Nilo Bairros de. Requisitos retóricos da sentença penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980.

[3] LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 13. ed. Saraiva, 2016, p. 382.

[4] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. A lide e o conteúdo do processo penal. Curitiba: Juruá, 1989, p. 135.


Jeffrey Chiquini. Jeffrey Chiquini é Advogado criminalista. Especialista em Direito Penal e Processual Penal. Professor de direito penal da Faculdade Opet. Professor de processo penal da Escola da Magistratura Federal (ESMAFE) e professor de direito penal e processo penal em cursos preparatórios para concursos. .

Imagem Ilustrativa do Post: Crime Scene Investigation // Foto de: _AlanCurran // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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