Introdução.
O ordenamento jurídico brasileiro, dentre os instrumentos de políticas públicas para efetivação do direito ao meio ambiente sadio e equilibrado, estatuiu o Licenciamento Ambiental. O Licenciamento ambiental é um instrumento legal, introduzido pela Política Nacional de Meio Ambiente em 1981, com o objetivo de exercer o controle prévio e realizar o acompanhamento de atividades que utilizem recursos naturais, que sejam poluidoras ou que possam causar degradação ao meio ambiente.
O Licenciamento Ambiental, geralmente, encontra-se envolvido em tensões que buscam conciliar a promoção do desenvolvimento econômico (e o crescimento econômico) e as condições socioambientais, notadamente do local que será impactado ou que abrigará o empreendimento econômico.
Comumente, o Licenciamento Ambiental envolve atores sociais, políticos e econômicos de diferentes matizes ideológicas; sendo compreendido por alguns como um obstáculo ao desenvolvimento socioeconômico e, por outros, como um instrumento de defesa do meio ambiente, seja natural, artificial, cultural ou do trabalho.
Nesse contexto, tendo como pano de fundo as ideologias antropocêntricas, biocêntrica e ecocêntrica, o Licenciamento Ambiental é objeto de intenso debate. Atualmente, o debate envolvendo a edição de uma nova legislação sobre o Licenciamento Ambiental tem sido ofuscado em razão das reformas trabalhista e previdenciária e dos tumultos jurídico e político da operação lava jato; contudo, o projeto de Lei que cria uma Lei Geral de Licenciamento Ambiental segue tramitando, tendo por palco o congresso nacional e como atores a bancada ruralista e o Ministério do Meio Ambiente.
Discute-se, entretanto, o quanto o projeto de Lei Geral de Licenciamento Ambiental colaborará para o crescimento sustentável, aperfeiçoamento os protocolos, os parâmetros técnicos, os processos e os procedimentos, ou se a nova legislação acabaria por afrouxar o Licenciamento Ambiental, atendendo muito mais os detentores do poder econômico e fragilizando o sistema de controle das atividades potencialmente poluidoras.
Projeto Lei Geral de Licenciamento Ambiental: aperfeiçoar ou fragilizar.
O debate ambiental, cingindo industriais, ruralista e ambientalista, não é novo no Brasil. A criação de uma Lei Geral de Licenciamento é uma demanda antiga dos setores produtivos e econômicos, sob o argumento de que o sistema de Licenciamento Ambiental vigente é um empecilho ao crescimento do País.
A questão, entretanto, é saber o quanto o sistema de licenciamento, atualmente vigente, é um empecilho, ou o quanto os detentores do poder econômico pretendem alterar na norma para implantar um desenvolvimento econômico, sem barreiras, com um horizonte de curto ou imediato prazo e insustentável sob o ponto de vista dos recursos naturais, da qualidade de vida, do respeito às comunidades tradicionais e a biodiversidade.
A resposta à indagação pode ser obtida à luz do projeto de Lei n.º 3729/2004, que nasceu com perspectiva sustentável e, aos poucos, em razão das pressões dos fatores reais de poder, acabou desfigurado, tendo o Poder Executivo, por convencimento, promovido inúmeras alterações que acabaram por desfigurar a base do projeto, liberando diversas atividades potencialmente poluidoras ou degradadores da obrigação de realizar o licenciamento ambiental.
Dessarte, em tese o projeto de Lei Geral de Licenciamento foi concebido com arrimo em uma perspectiva que favoreceria a aplicação de novas tecnologias, novos métodos e a revisão de todo o processo de licenciamento, atentando-se, entretanto, para a conciliação dos interesses sociais, culturais, naturais e econômicos. Ocorre, porém, que a realidade se mostrou diversa, sobressaindo a força da devastação, com favorecimento do crescimento econômico sem parâmetros ou limites.
Os defensores do novo projeto de Lei sobre o licenciamento atacam o problema da burocracia sem compreender as razões de sua origem e, ainda, querendo fazer acreditar que a burocracia é o único motivo para os possíveis gargalos do licenciamento ambiental. Ao que parece, sob o pseudo objetivo da desburocratização do licenciamento para favorecer a geração de emprego e de renda, a alteração legislativa marcha desconsiderando problemas elementares, dentre os quais pode-se destacar:
- A gestão federativa da Política Nacional de Meio Ambiente. A ausência de normas complementares, na forma do parágrafo único do art. 23, acaba estorvando os entes da federação, em especial os Municípios;
- Os problemas institucionais dos órgãos que compõem o SISNAMA – Sistema Nacional de Meio Ambiental. Os órgãos ambientais (Secretarias e Autarquias), estão sucateados e não recebem investimentos. Por motivos de acefalia ou por pressão social, o orçamento público privilegia gastos com as políticas públicas de Educação, Saúde/previdência/assistência social e Segurança. Os órgãos ambientais não possuem as estruturas e os equipamentos elementares para licenciar ou fiscalizar as atividades poluidoras/degradadoras;
- A judicialização do Licenciamento. Com o advento da Lei n.º 7.347/85, que trata da tutela dos interesses difusos e disciplina as hipóteses de propositura da ação civil pública e, ainda, com o crescimento da atuação do Ministério Público e a efetivação da cidadania; as decisões administrativas dos órgãos ambientais e as manifestações técnicas passaram ser objeto de questionamento junto ao Poder Judiciário, tendo por resultado indireto, a constituição de um temor reverencial das equipes técnicas na expedição de laudos e pareceres, aumentando o prazo de análise, o rigor (muitas vezes desnecessário) nas conclusões[1].
- As falhas técnicas decorrentes do protocolos, sistemas, procedimento e processos ligados ao Licenciamento Ambiental. As falhas técnicas estão ligadas a falta de estrutura dos órgãos ambientais. Arruinados pelo descaso, as instituições responsáveis pela garantia do meio ambiente estão condenadas pela falta de aparato técnico, pela falta de recursos financeiros e humanos. Nesse diapasão, os órgãos ambientais não acompanham a evolução tecnológica e muito menos podem aperfeiçoar os protocolos e os sistemas para favorecer a eficiência do licenciamento e mudar o paradigma da gestão burocrática pela concepção gerencial.
Conclusão.
O Licenciamento Ambiental requer um olhar holístico e que compreenda não apenas o problema focal ou a necessidade singularizada de um grupo econômico específico. O Licenciamento Ambiental deve ser inserido dentro do planejamento estratégico das pessoas jurídicas de direito público e de direito privado.
Acreditar que é possível crescer economicamente e gerar emprego e renda sem um processo de licenciamento ambiental é o mesmo que acreditar ser possível colher sem plantar. Temos e devemos evoluir no processo de Licenciamento Ambiental, porém, a evolução deve ser pautada em soluções que respeitem o Ser Humano e os recursos naturais.
O Licenciamento Ambiental não é o vilão do crescimento, ao contrário, é o combustível sustentável da evolução do Ser Humano. Evoluir faz parte da natureza humana e a questão categórica não é inibir o crescimento e o desenvolvimento da sociedade. A questão é alcançar um desenvolvimento que respeite o Ser Humano, que respeite o Planeta Terra e seus recursos naturais. Não é compreensível e muito menos admissível que o modelo de produção capitalista e de desenvolvimento econômico desconsidere a conservação e a preservação dos recursos naturais ou que não inclua o Ser Humano, tratando-o como um objeto, como uma máquina, como um bem descartável.[2]
Notas e Referências:
[1] Não se questiona a ação do Ministério Público ou do Poder Judiciário, pois há motivo para que aconteça e estão salvaguardados pela Constituição Federal. A questão, entretanto, requer uma revisão quanto às relações institucionais entre os três poderes, buscando aperfeiçoar os métodos de solução administrativa para os problemas.
[2] CARMO, Wagner. A cultura da Devastação. Revista Empório do Direito. 2017. Disponível em www.emporiododireito.com.br. Acesso em 26 de jan. 2018
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