… nada melhor do que a boa literatura para aguçar nosso olfato e nos tornar sensíveis para detectar as raízes da crueldade, da maldade e da violência que o ser humano pode desencadear (Vargas Llosa, 2013).
Inimagináveis são os efeitos do cerceamento da liberdade. Diria mesmo que são personalíssimos, pois difícil entender sua complexidade quando observados apenas pelo âmbito de outrem. A liberdade é um bem precioso, mas não está garantida a nenhum país e a nenhuma pessoa que não saiba assumi-la, exercitá-la e defendê-la; é escolha, convicção, prática, ideias que devem ser enriquecidas e postas à prova o tempo todo (Vargas Llosa, 2013).
Em 1988 a liberdade foi normatizada no artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), o qual versa sobre os direitos e deveres individuais e coletivos. Em diversos de seus artigos há referências à liberdade e suas formas de expressão, a exemplo do que citam os incisos IX, “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”; e LIV “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, dentre outros.
Enaltecendo o valor da liberdade, a Constituição igualmente reza que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” (art. 5º, XLI), ao passo que a sua privação ou restrição é uma das formas de atribuição de pena (art. 5º, XLVI). Nota-se que a liberdade é indispensável à satisfação das necessidades humanas, sendo que sua ausência figura como castigo. Nesta complexa abordagem, Lacan nos confirma que a liberdade é o delírio do homem normal (Harari, 2008) e, ao nos remetermos a Kant, observamos a corroboração desta ideia delimitada de liberdade, pois ele já citava que o homem não obedece senão às leis que ele próprio estabeleceu, sendo o fim em si mesmo (Andrade, 2011).
A liberdade, juntamente com a autonomia e a igualdade, constituem interesses fundamentais do indivíduo (Pulido, 2014), os quais são alcançados durante a convivência social. Aristóteles remete-se ao homem como um animal político, naturalmente sociável, o que significa que para o mesmo desenvolver todas as faculdades humanas, precisa estar em sociedade; esta tem como primeiro grau a família e, em seguida, para completar todo o seu potencial de aptidões, o homem requer agregar-se ao todo.
Para John Rawls conhece-se o indivíduo político por meio de suas habilidades morais, entre elas a de ser razoável, o que lhe confere senso de justiça e, por conseguinte, de cooperação social, e a de ser racional, possibilitando-lhe a compreensão do bem, tanto individual quanto coletivo, formando a base para as liberdades de pensamento, de consciência, política (Pulido, 2014). Ademais, Sócrates dizia que a pessoa justa age proporcionalmente, com desejos não maiores do que suas necessidades, e assim ela assegura não só o seu interesse de justo, mas também o de todos.
Nesse viés, como corolário da liberdade encontram-se a livre expressão de ideologias por meio da escrita, desenhos, pinturas, esculturas, músicas e de histórias reais ou fictícias que tentam representar a vida como ela é ou se gostaria que ela fosse. Ocorre que entre as diversas formas de manifestação desta liberdade, há aquelas que mais atraem e entretêm o público, abordando-o sem questionar, e que são oferecidas a ele de forma bastante fácil, como as imagens das telas.
É compreensível a fuga da realidade objetiva em busca da fantasia das telas - aliás, desde o princípio, esta foi uma das funções da literatura -, mas transformar a história real em ficção pode fazer o cidadão sentir-se exonerado de responsabilidade cívica e desacreditado de sua capacidade de intervir em um contexto que parece irreversível (Vargas Llosa, 2013). O mesmo decorre de qualquer outro meio de comunicação de massa - como a imprensa ou o rádio - cujo poder deve ser encarado em uma perspectiva cuidadosa, haja vista sua capacidade de persuasão subordinada ao seu capital financeiro (Galbraith, 1984). Em “Poemas concebidos sem pecado” (1937), é pertinente notar a explicação que Manoel de Barros pede sobre o motivo pelo qual um olhar de piedade, cravado na condição humana, não brilhar mais que um anúncio luminoso.
Vale assinalar que, no Brasil, a televisão surgiu a partir do desenvolvimento da tecnologia do rádio e, dentre os modelos público, estatal e comercial, rapidamente aderiu ao último, cuja publicidade nas transmissões foi autorizada pelo Decreto 20.047/1931, uma vez que o governo brasileiro na época não tinha capital para estruturar os outros sistemas de radiodifusão (Amorim, 2015). A sua construção perante o governo seguiu um rumo que permitiu vultoso impacto social, tanto que atualmente se consegue perceber o quão relevante são as informações advindas dos meios televisivos, ademais, sua influência é citada e entendida por muitos como tendo força semelhante a um quarto poder, o poder midiático. Ainda cabe ressaltar que o real detentor do poder é aquele que está em posição de impor aos demais elementos sociais o seu desenvolvimento ao longo do tempo (Ost, 1999).
O poder persuasivo dos meios de comunicação é tanto que a partir do que é apresentado (de forma sistemática e organizada) por eles, grupos sociais se condicionam a falar sobre o assunto mais divulgado. Alusões a estas fontes são universais e automáticas - “li isso no jornal” ou “vi isso na televisão” -, de onde se iniciam quase todas as conversas políticas (Galbraith, 1984). A televisão, a imprensa e o rádio têm função deveras relevante especialmente pelo nobre ideal da comunicação, o que permite a formação, a instrução e o debate políticos na sociedade, bem como o acesso amplo ao conhecimento de todas as demais esferas que participam e interferem no desenvolvimento de um povo, em vista disso, sua responsabilidade é extrema.
Tais conversas políticas, frequentemente originadas de acordo com a conveniência e divulgação dos meios de comunicação, quando permeadas por trocas de ideias que buscam a proximidade verídica dos fatos, compreendendo-os por sua história, são vitais para o amadurecimento e a evolução social. Do contrário, arrisca-se por seguir um caminho de espectadores em um mundo que, embora seja democrático, comporta-se de forma letárgica, com homens e mulheres resignados, aqueles a que todas as ditaduras aspiram (Vargas Llosa, 2013).
Este comportamento letárgico das massas caracteriza um estado doentio desencadeado por certa manipulação informativa, a qual tende a reprimir as reações inconscientes da coletividade - bem como se verifica quando ocorrem as repressões individuais - todavia, a longo prazo, as tentativas desta repressão acabam por falhar, já que estão em oposição fundamental aos nossos instintos (Jung, 2008). Vale citar que somente quando os manipuladores de opinião pública adicionam às suas atividades alguma pressão comercial ou atos de violência é que parecem alcançar sucesso temporário (Jung, 2008). Diante de tamanha relevância comercial sobre a sociedade, quaisquer argumentações partidárias, econômicas ou culturais advindas dos meios disseminadores de opiniões, deixam de ser imparciais e destoam da democracia.
Notas e Referências
AMORIM, Paulo Henrique. O quarto poder: uma outra história. 1. ed. São Paulo: Hedra, 2015. 573 p.
ANDRADE, Regis de Castro. In: FRANCISCO WEFFORT. Os clássicos da política. 10. ed. São Paulo: Ática, 2011. v. 2, p. 49-69.
GALBRAITH, John Kenneth. Anatomia do poder. Tradução de Hilario Torloni. São Paulo: Pioneira, 1984. 205 p.
HARARI, Roberto. O psicanalista, o que é isso? Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2008. 226 p.
JUNG, Carl G. O homem e seus símbolos. Tradução de Maria Lúcia Pinho. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. 429 p.
OST, François. O tempo do Direito.Tradução de Maria Fernanda Oliveira. Lisboa: Instituto Piaget, 1999. 442 p.
PULIDO, Carlos Bernal. In: FELIPE DUTRA ASENSI e DANIEL GIOTTI DE PAULA. Tratado de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. v.1, p. 387-401.
VARGAS LLOSA, Mario. A civilização do espetáculo: uma radiografia do nosso tempo e da nossa cultura. Tradução de Ivone Benedetti. 1. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013. 208 p.
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