LEI N° 13.811/2019: SERIA O FIM DO CASAMENTO ANTES DOS 16 ANOS?  

05/06/2020

Breves considerações acerca da inovação legislativa

A nova Lei 13.811/19 trouxe alterações no que tange ao direito de família, previsto no Código Civil de 2002, reflexos e efeitos acerca do casamento em idade núbil e sua legalidade civil. Sem dúvida, a idade para legalização do casamento é característica necessária para os devidos efeitos civis, sendo essa causa de proibição, absoluta vedação e ainda em alguns casos de impedimento para se casar.

A idade núbil é o atingimento legal para contrair núpcias, é a condição necessária para estar apto para casar, estar pronto e preparado para esse ato que reflete outras responsabilidades na vida civil do indivíduo. No Brasil, a aptidão para o casamento, chamada também de idade núbil, é de 16 (dezesseis) anos, conforme art. 1.517, caput, do Código Civil (2002), o qual prescreve que: “O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil”.

Desde o ano de 2005, a Lei nº 11.106/2005 dispõe de apenas uma hipótese para a validade de um casamento de pessoa menor de 16 anos, que seria em caso de gravidez, conforme art. 1.520 do CC.

Apesar de alguns autores defenderem a possibilidade de a gravidez ser bem tolerada pelas adolescentes, com tanto que elas tenham assistência pré-natal adequada durante todo o período gestacional, o que nem sempre acontece, devido a vários fatores, que vão desde a dificuldade de reconhecimento e aceitação da gestação pela jovem até a dificuldade para agendamento da consulta inicial do pré-natal, inclusive, Fraser (1995) alerta que, em muitos países, a gravidez infantil tornou-se caso de saúde pública.

Neste ponto, destacamos os diversos efeitos negativos da gravidez na adolescência, como, por exemplo, maior incidência de anemia materna, doença hipertensiva específica da gravidez, desproporção céfalo-pélvica, infecção urinária, prematuridade, placenta prévia, baixo peso da criança ao nascer, sofrimento fetal agudo intra-parto, complicações no parto, entre outros que pode ser prejudicial a mãe, bem como para a criança.

Há época do projeto da referida Lei, a deputada Laura Carneiro (DEM-RJ) divulgou números alarmantes sobre o casamento infantil, sendo 877 mil crianças brasileiras se casaram até os 15 anos de idade, sendo 88 mil com 10 anos de idade. Na tentativa de se proteger os direitos da criança e do adolescente, pensando em amenizar os dados citados pela ex-deputada, e diminuir os riscos para o crescimento da criança/ adolescente, a evasão escolar, a responsabilidade antecipada advinda dos efeitos do casamento civil, entre outras situações que decorrem da gravidez na infância, o atual presidente, Jair Messias Bolsonaro, sancionou a Lei 13.811/2019.

Segundo a deputada Laura a lei viria a beneficiar e ratificar os tratados e leis esparsas a que o Brasil é signatário. Dessa feita, confere nova redação ao art. 1.520 do Código Civil, vedando qualquer possibilidade de casamento antes da idade núbil, pois que “não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil, observado o disposto no art. 1.517 deste Código”.

 

Reflexos e Conflitos na Interpretação da Lei n° 13.811/19

A partir da nova redação da lei não será possível, em qualquer caso, o casamento de menor de 16 anos (idade núbil). Os efeitos, contudo, não se aplica a quem se casou antes da vigência da lei, ainda que menor de 16 anos. Desse modo, se haver ainda assim casamento posterior à lei em vigor, tratar-se-á de revelia legal, pode ser visto ato nulo ou anulável.

Defende-se, entretanto, Cavalcante (2019) que seria caso para anulação do casamento, de acordo com o disposto no art. 1.550, do Código Civil, que expressa “É anulável o casamento, inciso I - de quem não completou a idade mínima para casar”.

Todavia, há controvérsias na doutrina, Tartuce (2019), por exemplo, posiciona-se, ainda, contrário à afirmação feita no âmbito doutrinário no sentido de o casamento infantil ser atualmente uma hipótese de nulidade de pleno direito, pois a lei proíbe a prática do ato sem cominar sanção.

Noutro giro, questiona-se se a vedação da nova lei atinge também aos menores de 16 anos que estão inseridos na união estável. Arnaud Neto (2019) analisa que se a resposta for “não” muito pouco ou nada mudará na realidade das pessoas que visava proteger. Contudo, se a resposta for sim, diz ele que a consequência ainda pode ser mais prejudicial, já que se extirpa direitos e garantias da pessoa vulnerável por excelência,  como o o direito a receber assistência financeira do outro companheiro, direitos previdenciários e até mesmo sucessórios.

Nesse sentido, a nova lei penderia para a não proteção e agressão dos direitos da mãe, bem como da criança.  Outro conflito na própria legislação versa da não revogação dos dispositivos, no qual o Código prevê hipóteses para o casamento infantil, o que gera estranheza para a integral aplicabilidade da nova lei. São eles: o art. 1.553 e o art. 1.551, ambos do Código Civil, àquele por permitir a confirmação do casamento após alcançar a idade núbil, mediante autorização dos responsáveis ou por suprimento judicial, e este por indicar que não se anulará, por motivo de idade, o casamento que resultou de gravidez.

 

CONCLUSÃO

Será necessária adaptação dos fatos à norma, necessidade de mais alterações legais, sem deixar de assegurar e proteger os direitos dos vulneráveis, aqui entendidos como crianças e adolescentes na idade menor de 16 anos. 

Importa ressaltar, que as alterações passam pela esfera do direito civil, mas não deixam de fora outros ramos do direito, em virtude das implicações sociais, devendo, num futuro breve, ser questionada e solucionada em decisões do Poder Judiciário.

Apesar de nobre a intenção da lei, ela se torna vazia se não houver o fomento de políticas públicas, preocupadas com os aspectos da gravidez e suas nuances, que orientem, cuidem e acompanhem menores de 16 anos.

 

Notas e Referências

ARNAUD NETO, Raphael Carneiro, 2019. Lei que proíbe casamento para menores de 16 anos vale para a união estável? Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-abr-05/raphael-arnaud-lei-veda-casamento-menor-16-anos> . Acesso de 10 maio 2020.

BRASIL, Código Civil, Lei n° 10.406/2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm> . Acesso em 10 maio 2020.

CAVALCANTE, Márcio André Lopes, 2019. Lei 13.811/2019: altera o Código Civil para acabar com as exceções que autorizavam a realização do “casamento infantil”. Disponível em: <https://www.dizerodireito.com.br/2019/03/lei-138112019-altera-o-codigo-civil.html> . Acesso em 11 maio 2020.

FRASER AM, Brockert JE; WARD RH. Association of young maternal age with adverse reproductive outcomes. N Engl J Med. 1995

TARTUCE, Flávio. A Medida Provisória 881/2019 e as Alterações do Código Civil - Primeira Parte: Desconsideração da personalidade jurídica e função social do contrato. Disponível em: <https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/703994479/a-medida-provisoria-881- 2019-e-as-alteracoes-do-codigo-civil-primeira-parte-desconsideracao-da-personalidadejuridica-e-funcao-social-do-contrato> . Acesso em: 11 maio de 2020.

 

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