LEI 13.676/201: ALTERAÇÕES (POSITIVAS) NA LEI DE MANDADO DE SEGURANÇA

03/07/2018

Coluna O Novo Processo Civil Brasileiro/Coordenador Gilberto Bruschi 

Em 11.06.2018, com publicação em 12.06.2018, o Processo Civil brasileiro foi brindado com a Lei 13.676, a qual faz alterações pontuais na Lei de Mandado de Segurança (Lei 12.016/2009).

A lei é bastante singela, contando com dois únicos artigos, mas propicia uma novidade importante para os que se valem da ação constitucional do Mandado de Segurança.

Muda-se a redação do artigo 16, da Lei 12.016/2009, que passa a constar da seguinte forma: 

“Art. 16. Nos casos de competência originária dos tribunais, caberá ao relator a instrução do processo, sendo assegurada a defesa oral na sessão do julgamento do mérito ou do pedido liminar.”

Em apertada síntese, a inovação processual importante que identificamos é a possibilidade, doravante, de poder ser realizada a sustentação oral do pedido de liminar em mandado de segurança de competência originária de Tribunal.

Embora não seja usual, a legislação processual civil não proíbe a apreciação colegiada da medida liminar. O mais praticado sem dúvida tem sido o exame, pelo próprio Desembargador(a) ou Ministro(a) Relator(a) do feito no âmbito originário dos Tribunais, no exercício de sua competência singular, em virtude da urgência e risco de perecimento de direito, da medida liminar requerida.

Mas em casos extremamente relevantes, alguns dos quais temos acompanhado nos noticiários políticos recentes, tem havido deliberação colegiada já da medida liminar em mandado de segurança. A importância de certos assuntos tem levado a essa práxis.

Não se pode perder de vista que os Tribunais são, em essência, órgãos colegiados, que decidem colegiadamente, em virtude de diversas questões importantes para o Direito: segurança jurídica, formação de jurisprudência, amplo diálogo hermenêutico, possibilidade de correção do erro judiciário praticado por instâncias inferiores através de julgamento monocrático, etc.

As recentes e cada vez mais frequentes formas de decisão monocrática do processo, a exemplo do artigo 932, do CPC/2015, são, unicamente, formas de aceleração do processo no âmbito dos Tribunais, mas a modalidade de julgamento, por excelência nesse grau de jurisdição reside justamente na colegialidade – e não se pode esquecer do alerta com frequência apontado pelo professor DIERLE NUNES a respeito da denominada pseudocolegialidade, matéria importante, mas que foge ao objeto deste artigo.

Quem atua em certos ramos do Direito em que a impetração do Mandado de Segurança se faz corriqueira sabe da importância do pedido de concessão de medida liminar. A medida antecipatória contida no Mandado de Segurança, nos termos do artigo 7º, é de importância destacada nesse tipo específico de litigiosidade.

Essa importância é redobrada quando se analisam as competências originárias dos diversos Tribunais Nacionais para o processamento e julgamento de Mandados de Segurança. Passemos a um panorama destas, analisando as disposições do Texto Constitucional.

Começando pelo que dispõe o artigo 102, inciso I, alínea d, da Constituição Federal, que estabelece as competências originárias do Supremo Tribunal Federal para a apreciação e o julgamento de certos mandados de segurança:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I – processar e julgar, originariamente:

(...)

  1. d) o habeas corpus, sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas anteriores; o mandado de segurança e o habeas data contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal;

A seguir vê-se as competências originárias do Superior Tribunal de Justiça para o processamento e julgamento de mandados de segurança, conforme o artigo 105, inciso I, alínea b, da Constituição Federal:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I – processar e julgar, originariamente:

(...)

  1. b) os mandados de segurança e os habeas data contra ato de Ministro de Estado, dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ou do próprio Tribunal; (Redação dada pela EC n. 23/1999)

O mandado de segurança originário também faz parte da competência dos Tribunais Regionais Federais, conforme ocorra hipótese de jurisdição federal:

Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais: I – processar e julgar, originariamente:

(...)

  1. c) os mandados de segurança e os habeas data contra ato do próprio Tribunal ou de juiz federal;

Mesmo em relação à Justiça Eleitoral, verifica-se a possibilidade de cabimento de mandados de segurança originários para os Tribunais Regionais Eleitorais, em seu âmbito próprio/temático de jurisdição (matéria eleitoral). É o que decorre, obliquamente, da redação do art. 121, § 4º, alínea d, da Constituição Federal:

Art. 121. Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais.

(...)

  • 4º Das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais somente caberá recurso quando:

(...)

V – denegarem habeas corpus, mandado de segurança, habeas data ou mandado de injunção.

Vê-se, portanto, que se tratam de matérias e competências que a própria Constituição Federal definiu como relevantes. Inclusive a ponto de serem apreciadas, em primeiro grau de jurisdição, diretamente pelas variadas Cortes, conforme suas especializações e jurisdições especializadas.

Tais competências originárias são assim definidas em razão de se tratar, no geral, de remédios constitucionais impetrados contra atos praticados por altos dignitários, o que exige um cuidado esmerado na análise de constitucionalidade e legalidade.

De outra parte, ressalte-se que a Lei 13.676/2018 não se aplica, a priori, à Turma Nacional de Uniformização e às Turmas Recursais de Juizados Especiais Federais, no âmbito federal de jurisdição, conforme Lei 10.259/2001, assim como não se aplicam aos Colégios Recursais dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, previstos na Lei 9.099/95.

É que esses colegiados, nos termos dispostos pelo artigo 98, da Constituição Federal, não são Tribunais em sentido estrito, mas meramente colegiados de juízes de primeiro grau, com funções jurisdicionais distintas dos colegas que se encontrem em primeiro grau de jurisdição nesses microssistemas de justiça. Não se tratam, portanto, de Tribunais em sentido técnico e constitucional.

“Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;” (grifamos)

O texto é de compreensão claríssima. A Súmula 206 do STJ, por exemplo, toma por premissa para o não cabimento de recurso especial contra acórdãos proferidos por Turmas ou Colégios Recursais justamente o fato de que não são “tribunais” em sentido estrito.

Porém, nada impede que, por uma medida de simetria, diante da boa perspectiva trazida pela Lei 13.676/2018, possam também adotar essa medida em seus âmbitos, mediante singela alteração regimental. Não haveria ilegalidade na medida, caso adotada.

Outro debate trazido pela recente Lei 13.676/2018 gravita em torno da possibilidade de realização de sustentação oral no bojo do agravo interno interposto contra a decisão que indefere a liminar pleiteada no âmbito do mandado de segurança originário de Tribunais.

Ora, é nítido que a Lei 13.676/2018, ao alterar a Lei de Mandado de Segurança, faz menção expressa unicamente à permissão da defesa oral de argumentos no julgamento do mérito e na apreciação da medida liminar, pelo colegiado do Tribunal cuja competência é originária para apreciar a ação constitucional.

Não previu a lei, e poderia já ter solucionado esse problema conjuntamente com sua vigência, a possibilidade da liminar ser indeferida singularmente pelo Relator(a) do Mandado de Segurança originário no Tribunal, decisão da qual cabe agravo interno, nos termos do art. 1.021, do CPC/2015.

Ora, esse agravo interno terá como objeto do pedido e interesse processual justamente os mesmos versados na liminar apresentada quando da impetração do mandado de segurança originário.

Impedir a possibilidade de defesa oral nesse caso, somente pelo motivo de se tratar de mecanismo processual diverso, mas dotado do mesmíssimo objeto do pedido, seria criar notória e indesejada contradição processual. Querela meramente abstrata e formal, academicismo que o CPC/2015 buscou banir em prol da primazia do julgamento do mérito e da concepção de efetividade da prestação jurisdicional.

Para dar efetividade ao que se defendeu aqui (sustentação oral também no agravo interno contra liminar indeferida no mandado de segurança originário), bastaria uma singela alteração regimental, no âmbito dos Tribunais, ou o simples deferimento, pelo(a) Relator(a), de pedido nesse sentido formulado pelos patronos em data razoável anterior ao julgamento do recurso de agravo interno.

Já tive oportunidade de manifestar sobre o rol trazido pelo artigo 937 do CPC/2015 ser meramente exemplificativo e não taxativo, o que compreendo como a melhor interpretação para a dinâmica jurisdicional e procedimental.

Resgato aqui essa minha discussão, através de um trecho da obra MANUAL DOS RECURSOS CÍVEIS, cuja 3ª edição acaba de ser lançada, livro que foi elaborado em coautoria com o Prof. Denis Donoso:

“A sustentação oral só é possível, no CPC/15, nas seguintes hipóteses: recurso de apelação, recurso ordinário, recurso especial, recurso extraordinário, embargos de divergência, ação rescisória, mandado de segurança, reclamação, agravos de instrumento unicamente quando se tratar de tutelas provisórias.

O rol trazido pelo art. 937 não é taxativo, e é possível que outras leis ou o regimento interno do tribunal prevejam também outras hipóteses de cabimento de sustentação oral.

Nos processos de competência originária dos tribunais previstos no art. 937, VI (a saber ação rescisória, mandado de segurança e reclamação), caberá sustentação oral também no julgamento do agravo interno interposto contra decisão do relator que a houver extinto sem apreciação do mérito.

A ressalva é importante diante da relevância das ações originárias de tribunais, visto que, em regra, não é cabível sustentação oral em agravo interno.”

(DONOSO, Denis; SERAU JR., Marco Aurélio. Manual dos Recursos Cíveis – teoria e prática, 3º ed., Salvador: Juspodivm, 2018, p. 139-140)

Vê-se do excerto transcrito que, inclusive a decisão monocrática que extingue o mandado de segurança originário comporta agravo interno e, no bojo desse recurso, tem-se a possibilidade da sustentação oral. Argumento que pode ser emprestado, por analogia e sem prejuízo, para o raciocínio aqui empregado.

Portanto, não há limitação processual para a adoção da sustentação oral para defesa da liminar em mandado de segurança originário de Tribunal que tenha sido indeferida pelo Relator e que tenha sido impugnada através de agravo interno (art. 1.021 do CPC/2015).

Não haverá qualquer óbice, portanto, para que também no julgamento deste recurso de agravo interno venha a ocorrer a defesa oral visando a concessão da medida liminar pleiteada no remédio constitucional originário de Tribunal.

A Lei 13.676/2018 entra em vigor na data de sua publicação, isto é, dia 12.06.2018, conforme disposição de seu artigo 2º. Assim, mandados de segurança impetrados a partir de então perante os Tribunais, no exercício de suas competências originárias, acima indicadas, comportarão o uso da medida processual aqui preconizada.

Compreendo desnecessárias eventuais alterações nos Regimentos Internos dos Tribunais a fim de dar aplicabilidade ao instituto processual trazido pela Lei 13.676/2018.

Por alguns motivos variados.

O primeiro deles porque assim não exigiu a própria norma processual. De fato, não fez menção à tradicional expressão “conforme dispuser o regimento interno dos Tribunais”. E se a lei não exige, não podem os Tribunais normatizar ou exigir em sentido contrário.

De outra parte, trata-se de medida muita singela de ser posta em prática, conforme as práticas, costumes e dinâmica administrativa já existentes nos variados Tribunais a respeito das sustentações orais: normalmente um prévio cadastramento ou requerimento aos Cartórios e Secretarias; o lapso temporal pré-determinado e, por fim, o respeito a determinadas preferências legais em relação aos tipos processuais (o mandado de segurança só seria precedido pelo julgamento de habeas corpus) e às pessoas que pretendam realizar a referida sustentação oral (preferência para advogadas gestantes ou lactantes, por exemplo).

Por derradeiro, não se pode prescindir da garantia trazida pelo artigo 937, § 4º, do CPC/2015, que trata da sustentação oral através de mecanismos de videoconferência ou similares. Já discorri a esse respeito na obra já mencionada:

“O art. 937, § 4º, assegura importante prerrogativa aos advogados que residirem em cidade diversa daquela onde está a sede do tribunal, permitindo a realização de sustentação oral através de videoconferência ou qualquer outro meio eletrônico suficiente à transmissão de sons e imagens em tempo real. Para tanto, exige-se apenas que o requerimento seja efetuado até o dia anterior à sessão de julgamento.”

(DONOSO, Denis; SERAU JR., Marco Aurélio. Manual dos Recursos Cíveis – teoria e prática, 3º ed., Salvador: Juspodivm, 2018, p. 140)

Para nós, tal medida pode ser aplicada, sem prejuízo, à inovação constante da Lei 13.676/2.018, ainda que esta se volte para norma específica (Lei 12.016/2009), visto que é medida que amplia o acesso à justiça e não pode ser interpretada restritivamente.

Louvável alteração temos entre nós.

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Imagem Ilustrativa do Post: Promulgação da Constituição // Foto de: Senado Federal // Sem alterações

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