LEGÍTIMA DEFESA FUNCIONAL

06/02/2020

A legítima defesa funcional é modalidade de legítima defesa prevista no parágrafo único do art. 25 do Código Penal, tendo sido introduzida pela recente Lei nº 13.964/19, originada do chamado Pacote Anticrime.

Na teoria do crime, a tipicidade penal nada mais é que uma formatação legal das condutas que violam os bens jurídicos que a sociedade visa proteger. A norma penal estabelece um mandamento determinante da não violação do bem jurídico, mandamento este que, ao ser traduzido para a esfera penal, torna-se o chamado tipo.

O tipo penal, portanto, já traz ínsita em sua essência uma carga de antijuridicidade, na medida em que sua caracterização como padrão de conduta exigido faz com que a ilicitude da conduta já seja excluída, em grande número de casos, pelo juízo de atipicidade do fato. Assim, é forçoso concluir que um fato típico já carrega consigo uma aparente antijuridicidade, a qual somente será efetivamente constatada no momento da análise da ocorrência ou não das causas de exclusão da antijuridicidade.

As causas de exclusão da antijuridicidade são causas de justificação da prática do fato típico, que o tornam jurídico, ou seja, não vedado nem proibido pelo ordenamento jurídico. É o caso do agente que, para salvaguardar sua vida, mata uma pessoa, agindo em legítima defesa. Em verdade, o agente praticou um fato típico (definido por lei como crime de homicídio — art. 121 do CP), o qual não será considerado crime por ter ele agido em legítima defesa, que é causa excludente da antijuridicidade, prevista expressamente no art. 23, II, do Código Penal.

No Código Penal brasileiro, as causas de exclusão da antijuridicidade estão previstas no art. 23 e no Código Penal Militar vêm previstas no art. 42, tendo seus contornos perfeitamente delineados não apenas pela doutrina como também pela jurisprudência.

Existem várias modalidades de legítima defesa, sendo certo que o legislador, ao acrescentar o parágrafo único ao art. 25 do Código Penal, criou mais uma variante, que, a bem da verdade, poderia ser inserida na categoria de legítima defesa de terceiro.

Assim, atua em legítima defesa funcional o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.

A Lei nº 13.964/19, entretanto, deixou claro que, também nessa modalidade de legítima defesa, são necessários os requisitos legais, a saber:

a) agressão injusta, atual ou iminente: a agressão pode ser definida como o ato humano que causa lesão ou coloca em perigo um bem jurídico. A agressão é injusta quando viola a lei, sem justificação (“sine jure”). Agressão atual é aquela que está ocorrendo. Agressão iminente é aquela que está prestes a ocorrer.

b) direito próprio ou de terceiro: significa que o agente pode repelir injusta agressão a direito seu (legítima defesa própria) ou de outrem (legítima defesa de terceiro), não sendo necessária qualquer relação entre eles.

c) utilização dos meios necessários: significa que o agente somente se encontra em legítima defesa quando utiliza os meios necessários a repelir a agressão, os quais devem ser entendidos como aqueles que se encontrem à sua disposição. Deve o agente sempre optar, se possível, pela escolha do meio menos lesivo.

d) utilização moderada de tais meios: significa que o agente deve agir sem excesso, ou seja, deve utilizar os meios necessários moderadamente, interrompendo a reação quando cessar a agressão injusta.

e) conhecimento da situação de fato justificante: significa que a legítima defesa requer do agente o conhecimento da situação de agressão injusta e da necessidade de repulsa (“animus defendendi”).

Nesse aspecto, para os efeitos do dispositivo legal, considera-se “agente de segurança pública” aquele que se enquadra nas disposições do art. 144 da Constituição Federal (policiais federais, policiais civis, policiais ferroviários federais, policiais militares, policiais penais federais, estaduais e distritais, e guardas municipais), além de integrantes da Força Nacional de Segurança Pública, todos no exercício da função ou em decorrência dela.

Dispõe o art. 144 da Constituição Federal:

“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

VI - polícias penais federal, estaduais e distrital. (...)”    

A nosso ver, o dispositivo legal introduzido pela Lei Anticrime e constante do parágrafo único do art. 25 do Código Penal, se afigura desnecessário, uma vez que o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes, já estava acobertado pela legítima defesa de terceiro.

Evidentemente que o policial, por exemplo, que mata um criminoso que mantém vítima refém sob a mira de arma de fogo, atua acobertado pela excludente de ilicitude da legítima defesa de terceiro, repelindo injusta agressão atual, usando moderadamente os meios necessários.

A Lei nº 13.964/19, entretanto, quis deixar clara a incidência da excludente de ilicitude nas situações mencionadas, espancando, de vez, alguns entendimentos doutrinários e jurisprudenciais equivocados, que sustentavam a impossibilidade de uso de força letal pelos agentes de segurança pública em caso de ocorrências criminais com reféns.

 

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