LEGÍTIMA DEFESA EM OPERAÇÕES DE GARANTIA DA LEI E DA ORDEM

28/11/2019

Foi amplamente noticiado pelos meios de comunicação, na semana passada, o envio ao Congresso Nacional, pelo Presidente da República, de projeto de lei que estabelece normas aplicáveis aos militares em operações de Garantia da Lei e da Ordem e aos integrantes dos órgãos a que se refere o “caput” do art. 144 da Constituição e da Força Nacional de Segurança Pública, quando em apoio a tais operações.

Apesar de toda a celeuma que o assunto propicia, na verdade o projeto visa ampliar o espectro de abrangência da legítima defesa, não criando outra espécie de excludente de ilicitude, mas alargando e explicitando as hipóteses em que os militares, os integrantes das carreiras policiais e os membros da Força de Segurança Nacional, estarão acobertados pela referida justificante.

Como é de curial sabença, a tipicidade penal nada mais é que uma formatação legal das condutas que violam os bens jurídicos que a sociedade visa proteger. A norma penal estabelece um mandamento determinante da não violação do bem jurídico, mandamento este que, ao ser traduzido para a esfera penal, torna-se o chamado tipo.

O tipo penal, portanto, já traz ínsita em sua essência uma carga de antijuridicidade, na medida em que sua caracterização como padrão de conduta exigido faz com que a ilicitude da conduta já seja excluída, em grande número de casos, pelo juízo de atipicidade do fato. Dessa forma, é forçoso concluir que um fato típico já carrega consigo uma aparente antijuridicidade, a qual somente será efetivamente constatada no momento da análise da ocorrência ou não das causas de exclusão da antijuridicidade.

As causas de exclusão da antijuridicidade são causas de justificação da prática do fato típico, que o tornam jurídico, ou seja, não vedado nem proibido pelo ordenamento jurídico. É o caso do agente que, para salvaguardar sua vida, mata uma pessoa, agindo em legítima defesa. Em verdade, o agente praticou um fato típico (definido por lei como crime de homicídio — art. 121 do CP), o qual não será considerado crime por ter ele agido em legítima defesa, que é causa excludente da antijuridicidade, prevista expressamente no art. 23, II, do Código Penal.

No Código Penal brasileiro, as causas de exclusão da antijuridicidade estão previstas no art. 23 e no Código Penal Militar vêm previstas no art. 42, tendo seus contornos perfeitamente delineados não apenas pela doutrina como também pela jurisprudência.

Assim é que o Projeto, em seu art. 2º, dispõe que “em operações de Garantia da Lei e da Ordem, considera-se em legítima defesa o militar ou o agente que repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.” Até aí, nenhuma novidade em relação à legislação já existente.

O parágrafo único, do referido artigo, entretanto, esclarece: “Considera-se injusta agressão, hipótese em que estará presumida a legítima defesa: I - a prática ou a iminência da prática de:

a) ato de terrorismo nos termos do disposto na Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016; ou b) conduta capaz de gerar morte ou lesão corporal; II - restringir a liberdade da vítima, mediante violência ou grave ameaça; ou III - portar ou utilizar ostensivamente arma de fogo.”

Percebe-se claramente, no referido dispositivo, a intenção de conferir polêmico alargamento ao que se entende por “injusta agressão”, que passa a englobar até mesmo o porte ou utilização ostensiva de arma de fogo.

O Projeto cuida ainda do excesso nas excludentes de ilicitude, abolindo o excesso culposo e admitindo apenas o excesso doloso, pelo qual responderá o militar ou o agente, com possibilidade de redução de pena pelo juiz.

Nesse sentido, dispõe o art. 3º: “Em qualquer das hipóteses de exclusão da ilicitude previstos na legislação penal, o militar ou o agente responderá somente pelo excesso doloso e o juiz poderá, ainda, atenuar a pena.”

Ademais, o art. 4º do Projeto veda expressamente a prisão em flagrante do agente que, em operações de Garantia da Lei e da Ordem, praticar o fato acobertado pela excludente de ilicitude da legítima defesa. Caso ocorra a prisão em flagrante, e verificando a autoridade judiciária que o agente manifestamente praticou o fato acobertado pela legítima defesa estendida (art. 2º) ou por qualquer outra excludente de ilicitude, deverá a prisão ser relaxada, de acordo com o disposto no art. 6º.

Cumpre à autoridade militar ou policial instaurar o respectivo inquérito policial para apuração dos fatos, o qual, concluído, será remetido à autoridade judiciária competente, que abrirá vista ao Ministério Público.

Nesse caso, esclarece ainda o dispositivo legal, o Ministério Público, constatados indícios de excesso doloso ou da não incidência da excludente de ilicitude, poderá requisitar diligências adicionais ou oferecer, desde logo, a denúncia.

Dispõe, ainda, o art. 5º que, “verificada a existência de indício de excesso doloso ou a não incidência da excludente de ilicitude, a autoridade judiciária poderá determinar a prisão preventiva, desde que presentes os requisitos legais, mediante requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade militar ou policial competente.”

Por fim, o art. 7º do Projeto estabelece que os militares das Forças Armadas e os integrantes dos órgãos a que se refere o “caput” do art. 144 da Constituição e da Força Nacional de Segurança Pública que vierem a responder a inquérito policial ou a processo judicial em decorrência de atos praticados em operações e em ações de apoio a operações de Garantia da Lei e da Ordem serão representados pela Advocacia-Geral da União.

Projeto encaminhado, cumprirá, agora, ao Congresso Nacional, por meio de nossos deputados e senadores, analisar e debater a proposta tendo em vista, primordialmente, os interesses e anseios da sociedade que representam, deixando de lado as divergências político-partidárias e as nefastas ingerências externas e buscando, acima de tudo, o interesse público, bem maior que deve ser perseguido por todas as instituições.

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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