Legalizar o Estupro????

14/01/2016

Por Aline Gostinski e Thiago Minagé - 14/01/2015

“A história mostrou-nos que os homens sempre detiveram todos os poderes concretos; desde os primeiros tempos do patriarcado, julgaram útil manter a mulher em estado de dependência; seus códigos estabeleceram-se contra ela; e assim foi que ela se constituiu concretamente como Outro.”

Simone de Beauvoir, O Segundo Sexo, pág. 207

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Não, não é piada. Nos faltam palavras para adjetivar essa “ação” que marcou o início do ano em uma rede social. Inacreditavelmente, em pleno ano de 2016 existem indivíduos incentivando a violência contra a mulher e tratando o estupro como “método educacional”, como pode ser lido (se tiver estômago e coração forte) no post[1] abaixo copiado da página no facebook da comunidade: Somos contra a página "Legalize o estupro".

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Logicamente, a abominável página “Legalize o Estupro” foi tirada da rede, mas antes disso foram postados comentários inacreditáveis e tão absurdos quanto a descrição de apresentação na rede social onde alegava ser uma “Página ideológica que luta de forma democrática em prol da legalização do estupro, abordando métodos de aplicá-los enquanto ainda não está legalizado”.[2]

E realmente foram postadas “dicas” de como “fazer um estupro bem sucedido”, como pode ser visto na imagem abaixo[3]:

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Muitos dirão que é uma brincadeira, mas não é a primeira página sobre o assunto que é criada, inclusive existem vários vídeos no You tube defendendo essa “prática” e outros tipos de violência contra as mulheres, vídeos que causam verdadeira ojeriza a quem consegue assistir.[4]

E o mais chocante de tudo é que existem idiotas (na falta de um adjetivo mais adequado) que curtiram a “tal página”, e pior, algumas mulheres que apoiaram os posts, se manifestando nos comentários de forma favorável.

Esses “seres” certamente tem algum problema mental, por isso fica o convite para nossa amiga Maíra Marchi Gomes tecer alguns comentários na próxima coluna dela aqui no Empório do Direito sobre essas “mentes”.

São muitos aspectos delicados a serem abordados neste assunto e dificilmente conseguiremos esgotá-los em apenas um artigo, mas tentaremos fazer um breve panorama.

Observem:

Incitação ao crime Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime: Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.

Apologia de crime ou criminoso Art. 287 - Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime: Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.

Incitar significa estimular, impelir, instigar. Neste caso, a incitação ao crime estará caracterizada quando o agente estimula publicamente a prática de um crime.

Fazer apologia significa elogiar, louvar, fazer discurso de defesa, assim sendo, quem incorre no delito de apologia ao crime está elogiando, publicamente, autores de crimes ou a ocorrência do crime em si.

Dois exemplos simples de repúdio às atitudes pífias apresentadas nesse texto, entretanto, o Código Penal em seu artigo 213 é claro quando define que estupro é praticado ao se “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. A pena prevista para esse crime é de reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

Esse sim, conduta abjeta, desprezível, que reflete o pior dos sentimentos de quem pratica e contra quem se pratica, deve ser considerado um dos crimes mais violentos, e vejam: se existe toda uma legislação criminal caracterizando esse crime de hediondo, ao ser definido desde o sentimento de constrangimento a alguém pela ameaça à sua prática até a sua consumação, a avaliação desse artigo da lei, tende a demonstrar que ele aponta para dois momentos: a incitação (planejamento para prática do ato) e a ação de estuprar propriamente dita (execução dos atos planejados). Com isso, supera-se os crimes de incitação e apologia, pela caracterização direta no estupro.

Tais atitudes refletem todo um histórico de hierarquização, submissão e desumanização do gênero feminino, ou seja, uma cultura repugnante de auto afirmação típica da lógica que o sistema patriarcal produz e reproduz na sua forma mais cotidiana. “A agressividade viril só se apresenta como um privilégio senhorial no seio de um sistema que por inteiro conspira em afirmar a soberania masculina”.[5]

Neste universo de feminismos, plural mesmo, as mulheres lutam diariamente para instaurar um equilíbrio social, e como pode-se perceber tais mudanças na estrutura dessa sociedade patriarcal acabam atingindo alguns indivíduos que não conseguem enxergar o Outro como um ser de direitos e merecedor de respeito.

Esse movimento, a página e seus horrores, representa, portanto, a incapacidade de significativa parcela da população em compreender que: não senhores, as mulheres não gostam de sofrer violências! Não senhores, as mulheres não merecem ser estupradas! Não senhores, a roupa que ela veste não te dá direito a nada! Não senhores, a culpa não é dela! Não, não, não e não!

Já passou da hora de darmos um basta e buscarmos um espaço de diálogo e igualdade entre os sexos.


Notas e Referências:

[1] https://www.facebook.com/1668825950039942/photos/a.1668907863365084.1073741827.1668825950039942/1669157290006808/?type=3&theater

[2] www.pensadoranonimo.com.br [3] https://www.facebook.com/unidoscontraoestupro/photos/a.187131531639356.1073741827.186726605013182/187141104971732/?type=3&theater [4] Vide: https://www.youtube.com/watch?v=HDNljFXRI_E https://www.youtube.com/watch?v=W3EG4r3Rq8Y https://www.youtube.com/watch?v=2HX4VeCDkgM [5] Simone de Beauvoir, O Segundo Sexo, pág. 931.


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Thiago M. Minagé é Doutorando e Mestre em Direito. Professor de Penal da UFRJ/FND. Professor de Processo Penal da EMERJ. Professor de Penal e Processo Penal na Graduação e Pós Graduação da UNESA. Advogado Criminalista.

E-mail: thiagominage@hotmail.com


Imagem Ilustrativa do Post: NOT for sale: human trafficking // Foto de: Ira Gelb // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/iragelb/5611594783

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