Lava jato e o ativo intangível das construtoras

11/12/2015

Por Charles M. Machado - 11/12/2015

É evidentemente comum, que em meio ao mar de lama da operação lava jato, o único propósito as ações das partes envolvidas estão objetivadas em identificar culpados, identificar valores possivelmente desviados, recuperar esses valores. Quanto as pessoas físicas e jurídicas, umbilicalmente envolvidas, seu objetivo maior é virar a página desse capítulo com o menor dano possível.

Nesse instante, as pessoas arroladas no processo sofrem deteriorações patrimoniais das mais diversas, tanto aos cofres quanto a imagem, e a profundidade do dano pode bem ser mensurada pelo resultado contábil das empresas envolvidas.

Atestados de inidoneidade, suspensão de pagamentos, penhora de bens e faturamentos, devolução de valores, proibição de novas contratações, rebaixamento da nota de crédito, criam um estado de sufocamento das empresas levando as mesmas a uma drástica e veloz alteração societária, quando não culmina com o seu pedido de Recuperação Judicial.

Nesse instante os ativos da empresa se esvaem numa velocidade maior do que apuração dos fatos e a busca da verdade, e o prejuízo bate as portas das empresas bem mais rápido do que as decisões finais.

As Leis 11.638/07 e 12.973/14 criaram um novo marco para o Direito, notadamente para o Direito Contábil, com a adoção do padrão internacional de contabilidade (IFRS) como marco regulatório do direito contábil no Brasil, que não transformou apenas a contabilidade, mas também a cultura jurídica brasileira. O conflito entre a tradição do “common law”, onde são forjadas as normas jurídico contábeis, e a tradição do “civil law”, ainda prevalecente na prática do direito no Brasil, não deve provocar a supremacia de uma dessas tradições; ao contrário, esse conflito tende a gerar um “tertium genus”. Sendo assim, os profissionais que atuam em algum dos ramos do direito ligados à empresa e à prática empresarial deverão se adaptar a essa nova realidade jurídica.

No que diz respeito ao direito tributário (um desses ramos do direito ligado à atividade empresarial), sua aplicação já vem sofrendo um movimento de 180 graus. A forte influência da legislação tributária sobre a prática contábil, que durou mais de 30 anos, não só arrefeceu como inverteu o sentido do vetor. Ou seja, a legislação comercial, no âmbito do atual marco regulatório contábil (IFRS), passa, efetivamente, a delimitar os conceitos jurídicos que serão utilizados pela legislação tributária.

O Acervo técnico das construtoras

A proteção do ativo intangível das empresas envolvidas na operação lava-jato, se deteriora com o avançar da operação e das diversas conexões patrimonias, identificar e salvar por operações societárias esses valores é fundamental.

Logo é fundamental que essas empresas, assim como todas as prestadoras de serviços aos setores públicos da economia tem isso claro, e principalmente avaliado, devidamente reconhecido e lançado. Para melhor demonstrar a realidade patrimonial, no que diz respeito à qualificação econômica e financeira, além de atender aos dispositivos contidos no § 1 do art. 30 da Lei 8.666 de 21/06/93, (Lei de Licitações). Existe a necessidade de se escriturar e identificar, no Demonstrativo de Posições Financeira (antigo balanço patrimonial), em que se identifica a contabilização no grupo de ativos intangíveis da empresa, os valores relativos ao acervo técnico, pois este diz respeito à qualificação econômico-financeira, destacamos aqui o trabalho de do Prof. Msc. Wilson Alberto Zappa Hoog, www.zappahoog.com.br.

“Reforçamos nesse texto que todos os acervos técnicos devem compor o fundo de comércio em decorrência da sua utilidade para o exercício da empresa, e devem ser avaliadas pela métrica contabilística adequada, a sua mensuração, ou seja: pelo método holístico.”

Os acervos técnicos representam uma configuração de bens intangíveis. São os documentos que comprovam toda a experiência adquirida por uma célula social ao longo do exercício de sua atividade. Visa, entre vários fatores, demonstrar a realidade patrimonial, atender aos dispositivos contidos no § 1 do art. 30 da Lei 8.666, de 21/06/93, (Lei de Licitações).(apud)

A transferência de acervos técnicos entre sociedades empresárias ocorre mediante contrato de transferência de tecnologia ou assistência técnica, ou em operações de trespasse do estabelecimento empresarial; pode ser também em operações societárias, tais como: fusão, cisão ou incorporação. Não serão aceitas as inclusões no acervo técnico, de atividades que sejam condizentes com o objeto social das células sociais. O próprio Código Civil em seu artigo 83, III, faz previsão a esses ativos, no conjunto de direitos pessoais de caráter patrimonial.

Ressaltamos que o acervo técnico refere-se sempre às atividades realizadas e que estejam discriminadas com as respectivas características científicas e técnicas. Um relatório do acervo técnico deve conter os trabalhos realizados, a produção de bens ou de serviços, livros e artigos e outros materiais, e, em caso de serviços de engenharia; temos as ARTs registradas no CREA. Em outros serviços, temos os contratos de prestação de serviço já liquidados, que tem como principal objetivo, dar suporte ao processo técnico-administrativo de uma pessoa jurídica.

O acervo técnico contempla também os programas de educação continuada de técnicos, e o domínio de tecnologias de ponta ou conhecimentos avançados sobre algumas das formas de conhecimento humano, tais como: a medicina, a física, a biologia, o direito, a contabilidade e os vários ramos da engenharia a ela relacionadas.

Os acervos técnicos estão entre os ativos mais importantes de uma empresa, por serem fundamentais no exercício do negócio. A sua ausência implica a impossibilidade de se habilitar a uma licitação: vide inciso II, do art. 27, da Lei 8.666/93. Cabe esclarecer que à luz da teoria pura da contabilidade, para efeitos do inciso III do referido artigo, temos a necessidade de escriturar tal ativo no Demonstrativo de Posição Financeira, especificamente como ativo não circulante, pois este diz respeito à qualificação econômico-financeira, logo, presente na fase do procedimento licitatório, a ser aferido nos moldes do art. 27 da referida lei. Estes acervos técnicos inclusos no Balanço Patrimonial se fazem necessários para fins de se ter a revelação da verdade formal sobre a qualificação econômico-financeira.

Deve-se lembrar que a apresentação de acervo técnico, com conteúdo falso, é motivo suficiente para a declaração de inidoneidade de um licitante, uma vez que o conteúdo falso caracteriza uma ilicitude.

Todos os acervos técnicos compõem o fundo de comércio em decorrência da sua utilidade para o exercício da empresa e devem ser avaliados, pela métrica contabilística adequada, pela mensuração do fundo de comércio.

Logo constitui-se em bens previstos no Artigo 87 do Código Civil, podendo inclusive fazer parte do capital social da empresa, nos termos do artigo 981 do Código Civil.

O acervo técnico e sua escrituração são tão vitais que a contratação de serviços técnicos de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, torna inexigível a licitação, nos termos do art. 25 da Lei 8.666/93, para fins de licitação, sendo necessário, apenas que se prove tal fato e se faça a distinção entre os serviços técnicos profissionais generalizados e os serviços técnicos profissionais especializados, onde se incluem nesta casta os serviços relativos a: “estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos; pareceres, perícias e avaliações em geral; assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias; fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços; patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas; treinamento e aperfeiçoamento de pessoal; e as restauração de obras de arte e bens de valor histórico”, pois ao se referir à notória especialização, no bojo do § 1º do art. 25, temos o reconhecimento público da alta capacidade técnica, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, que permita concluir que o seu trabalho é essencial e, indiscutivelmente, o mais adequado à situação real. Naturalmente não estamos falando da natureza dos serviços que não estejam marcados pela singularidade ou notória especialização. Pois, os trabalhos rotineiros que configuram a temática de domínio comum, não representam um acervo técnico, para fins da dispensa de licitação. Isto posto, a notoriedade profissional está além da habilitação profissional em um Conselho Federal representativo de uma categoria, por ser a proclamação da fama consagradora do profissional ou da pessoa jurídica, no campo de sua especialidade, ou seja: é o indiscutível e notório valor do acervo técnico na sua especialidade. Logo, este intangível que compõe o fundo de comércio, deve estar presente nos seus registros contábeis.

O art. 31 da Lei 8.666/93 determina que na documentação relativa à qualificação econômico-financeira, incluem-se o balanço patrimonial (texto não atualizado) e as demonstrações contábeis do último exercício social, portanto, nele deve estar inclusa a avaliação monetária do acervo técnico. O §1º do referido artigo determina que ”A exigência de índices limitarse-á à demonstração da capacidade financeira do licitante com vistas aos compromissos que terá que assumir caso lhe seja adjudicado o contrato, vedada a exigência de valores mínimos de faturamento anterior, índices de rentabilidade ou lucratividade”.

É deveras importante que se possa realizar o enquadramento deste acervo técnico nas demonstrações contábeis como um ativo intangível, aviamento/fundo de comércio, para que estas situações específicas sejam reveladas e surjam para atender às necessidades dos fornecedores de créditos e dos investidores, além das hipóteses previstas legalmente, inclusive a do antigo balanço patrimonial contida no CC/2002, art. 1.188. Assim, as demonstrações devem conter e exprimir, com fidelidade e clareza, a situação real da empresa e, atendidas as peculiaridades desta, bem como, as disposições das leis especiais, indicará distintamente, o ativo e o passivo, portanto, deve o balanço indicar o ativo fundo de comércio, formado pelo acervo técnico, destinado à exploração da atividade. Sua base é um laudo de avaliação feito por perito em contabilidade, para a mensuração monetária de sua utilidade econômica.

Como bem destaca o Professor Wilson, em obra citada “ A teoria pura da contabilidade identifica alguns requisitos básicos para que se efetue o reconhecimento contábil de um acervo técnico, como elemento do fundo de comércio, pelo método holístico, conforme segue:

1) A posse do acervo técnico, com uma relação de imediatidade de seu uso; 2) O valor de utilidade do acervo técnico para o exercício da empresa; 3) O nexo causativo entre: a condição (elementos do estabelecimento empresarial, nele incluso o acervo técnico); a causa (os negócios jurídicos); e o efeito (o lucro superior à remuneração mínima de 6% do ativo operacional).

Sem a avaliação desses ativos, inclusive com a possibilidade de reavaliação e avaliação negativa, as empresas estarão assistindo o derretimento do seu valor.”

O ativo intangível é um bem que deve ser ativo para que possa ser utilizado em atos negociais da empresa envolvida, pois com o passar dos tempos ele se constitui no maior ativo delas, o que se conclui em muitas empresas que com o passar dos anos tornam-se gestoras de macas, como no caso da Nike, Telefunken entre outras marcas já consagradas.

Registra, e identificar é fundamental, evitando que tais valores sejam deteriorados antes de um destino comercial para o mesmo.

Afinal quanto vale o acervo técnico de empresas com décadas de vida?


Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito. Email: charles@dantinoadvogados.com.br


Imagem Ilustrativa do Post: Covering over the Woodley Park/Adams Morgan Metro station // Foto de: Joshua Davis // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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