Por Paulo Ricardo Schier - 26/03/2016
Há muitos anos defendi meu doutorado e publiquei livro sobre CPIs. O tema central da tese: o conceito de fato determinado, que é um dos pressupostos constitucionais para a deflagração de tais comissões de investigação.
Na tese, explicando as razões pelas quais o objeto da investigação deve ser um “fato determinado", escrevi que não se autoriza investigação em vista de interesses políticos eleitoreiros, revanchistas ou pessoais. Não se tolera a investigação de situações indeterminadas com o intuito de realização de devassas, pressões políticas ou autopromocionais. A Constituição, com efeito, deferiu especiais poderes às investigações com o fito de permitir-lhes a realização do interesse público, confiando, a um dos Poderes da República, e não a pessoas levianas, a persecução desse mister. Assim sendo o manejo das investigações não pode servir para a obtenção de escopos mesquinhos, para negar a própria Constituição, as conquistas civilizatórias, os direitos fundamentais. Deve existir indisputável vinculação das investigações às finalidades constitucionais que justificam a sua existência.
É por esta razão que não se pode deixar que a constituição desses inquéritos seja orientada por critérios abusivos, irrazoáveis ou arbitrários. As consequências de uma investigação, para a esfera de direitos dos cidadãos envolvidos nela, seja sob qualquer rótulo, são sempre graves.
A preocupação central do meu livro é clara: mostrar que a exigência de que as investigações recaiam sobre fato determinado é uma imposição do Estado de Direito para impedir a realização de devassas ou se preste a desvios de poder. Devassas são práticas inquisitórias, medievais, cruéis. Devassas violam a democracia. Devassas não possibilitam defesa racional.
Aprendi em minhas aulas de Processo Penal – com o Professor Jacinto Coutinho - que ninguém resiste a 15 minutos de uma boa inquisição. Investigações genéricas sobre a vida de quaisquer pessoas inevitavelmente descobrirão crimes: nem que seja pelo indício do gato preto (“O nome da rosa” - Umberto Eco) ou pelo fato do acusado não ter chorado no enterro da mãe (“O estrangeiro” - Camus). É por isto que investigações devem recair sobre fato determinado. Do contrário, investiga-se tudo sobre alguém (ou sobre todos), e neste caso, movidos por uma cultural inquisitorial (não apenas do Judiciário, mas de uma sociedade sem cultura democrática consolidada), não é difícil achar indícios de que somos todos culpados.
É certo que, numa CPI, fatos conexos ao fato determinado podem ser perquiridos. Mas a "teoria dos fatos conexos" há de ser aceita com muita cautela pois, através dela, é possível encontrar um nexo infinito de relações causais e consequenciais que conduzirão às temidas devassas.
Escrevi sobre essas coisas há muito tempo. Bem antes da Operação Lava a Jato. O livro inclusive parece estar esgotado. E eu não estava tratando de investigações no âmbito penal. O objeto de minha tese era outro: as Comissões Parlamentares de Inquérito, ou seja, investigações que ocorrem no Poder Legislativo e sob outras regras (onde o Processo Penal ingressa apenas subsidiariamente).
Se, eventualmente, fosse possível fazer um paralelo do que escrevi e do que ocorre nas CPIs com as investigações conduzidas pelo juiz Sergio Moro, eu arriscaria dizer que a operação Lava a Jato acabou. O eventual sítio de Lula, a reforma do triplex, sua nomeação como Ministro, o Governo da Presidente Dilma (exceto no que tange com a época em que ela integrava a Diretoria da Petrobrás) são todos fatos que não guardam mais qualquer vínculo com a investigação originária (existência de rede de corrupção vinculada à estatal Petrobrás). A conexão dos fatos com o objeto central da operação já é muito tênue. Ingressou na fase em que se culpa o fabricante da arma pelo homicídio. A partir daí, todos podemos ser culpados de qualquer coisa.
Mas eu reconheço: apesar de ter estudado com excelentes professores, Processo Penal não é minha área de estudos e pesquisas. A minha análise apenas traça um paralelo com o que acontece na teoria das CPIs e não sei como a doutrina penal trata o tema das devassas!
Deixo a palavra com os processualistas!
. . Paulo Ricardo Schier é Doutor em Direito pela UFPR, com estudos pós-doutorais pela Universidade de Coimbra, e pesquisador do Mestrado do UniBrasil. . .
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