LAUB, O DIÁRIO E A QUEDA

04/05/2022

Coluna Direito e Arte / Coordenadora Taysa Matos

O judaísmo não parecia suficiente para humanizar aqueles garotos da escola hebraica de Porto Alegre que deixaram cair ao chão o colega de classe não judeu, o João, em seu 13º aniversário. As consequências para o caído e para quem lhe deixou cair foram uma lenta recuperação física e um tema tabu. Ao mesmo tempo, a queda demarcou para o pai de João, um cobrador de ônibus, a impossibilidade de fazer seu filho bolsista ser igual aos garotos de classe média estudantes de uma escola judaica cara de onde saíam médicos, juízes e engenheiros. A queda demonstrou que uma festa de 13º aniversário no salão de festas de um prédio com paredes descascando não equivale ao Bar Mitzvah dos jovens judeus porto-alegrenses em hotéis requintados.

O silêncio sobre algo vivido irmana o neto narrador e o avô que não gosta de falar do passado. E o não dito, nesta obra de Michel Laub, também se apresenta na relação entre o neto narrador e o seu próprio pai após uma discussão rude. Três judeus, três silêncios. Adolescente, o narrador diz ao pai que não sabe e não quer saber sobre Auschwitz, o judaísmo e o próprio avô. O atrevimento assegurou que recebesse de uma vez só os tapas que nunca havia levado, abrindo um tempo de silêncio entre pai e filho. Mas havia o diário do avô e o diagnóstico do Alzheimer do pai para reapresentar a possibilidade de observar passado e presente nas dores que se amalgamam em não ditos familiares, e irrestritos ao espaço doméstico.

A memória do avô é marcada por tantos outros homens com quem conviveu no campo de concentração, os que urinavam durante a caminhada, os famintos que roubavam sopa, os que pisavam em fezes. O particular ofício do avô em registrar verbetes de sua memória, grifando moralidades, historicidades e desejo de um mundo bom, permite a reconstrução de uma gramática relacional entre pai e filho enquanto o próprio pai já se desapega da reminiscência. O urgente deste enredo está na busca da linguagem para esse reencontro que pode, a qualquer hora, ser surpreendida pelo esquecimento total de si, do outro e do laço social. Diante do pai adoecido, resta ao narrador aproveitar sua paternidade em gestação para encerrar o silêncio e impedir que o peso do passado não silencie aquele que nem viveu ainda. Para um cientista social, não há como não ver um caminho do autoritarismo à democracia nesta jornada do silêncio à fala, mas isso são os (nossos) outros quinhentos.

 

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