Por Antonio Marcos Gavazzoni - 22/06/2015
Nem todo o acesso à informação possível nos nossos dias nos exime de conviver com realidades que, vistas por um observador de outro mundo, pareceriam no mínimo esdrúxulas. Convenções sociais, legais e políticas ditam comportamentos muitas vezes contraditórios, a depender do ambiente ou contexto no qual estamos inseridos.
Em seu livro “A Visão em Paralaxe”, Slavoj Žižek aponta que o reconhecimento de antagonismos na ordem social constitui a tarefa maior de nossos tempos. A partir da noção de paralaxe – um efeito de aparente deslocamento do objeto observado devido à modificação na posição do observador, o autor discorre sobre as mais diversas situações da sociedade contemporânea.
Ao aproximarmos o conceito para a nossa realidade, podemos fazer exercícios interessantes acerca de temas que afetam diretamente a nossa vida em sociedade. Quando falamos sobre recursos públicos, por exemplo, podemos utilizar a figura simples de uma moeda de R$1 arrecadada com esforço próprio do Estado e contribuição direta de seus cidadãos para ilustrar as diversas formas como essa fonte de recursos é vista, a depender do observador. P
ara o Governo, esse R$1 já está comprometido integralmente com as demandas permanentes e crescentes de que precisa dar conta – e ainda ficará devendo se levar em consideração todas as vinculações obrigatórias do recurso. Não obstante a publicidade dada a essas obrigações, a mesma moeda é vista de forma diferente por organizações de classe que defendem, muitas vezes com legitimidade, mais recursos para seus representados.
E temos ainda o julgamento por parte de estruturas do legislativo e judiciário, em que a mesma moeda teria que ser dobrada de tamanho e valor para atender tanto as demandas dos pagadores de impostos – que são quase todos os cidadãos – e as necessidades específicas de categorias. Sobre um mesmo objeto, a moeda de R$1, desenvolvemos discursos, estratégias e defesas de verdades bastante diferentes.
Essa lacuna paraláctica converge em um fenômeno de autoengano coletivo, presente em várias obras de pensadores da modernidade. Se apontarmos o dedo para um objeto com o dedo indicador na posição vertical, situado no centro do objeto, e observarmos o mesmo com apenas um dos olhos fechado, depois com o outro, veremos que ele terá mudado de posição. Na verdade, nunca saiu do lugar.
Na vida em sociedade, escolhemos com qual dos olhos veremos as realidades que nos convêm. Mas essa visão parcial nos distancia da realidade e nos impede de nos aprofundarmos nela. Enquanto não houver unidade de visões sobre as nossas realidades, continuaremos contando moedas com mais de dois lados que formam uma conta que nunca fecha.
Antonio Marcos Gavazzoni é formado em Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), mestre e doutor em Direito Público pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Foi Procurador Geral do Município de Chapecó e professor na UNOESC, na Escola Superior da Magistratura de Santa Catarina e na UNOPAR. Em janeiro de 2015 assumiu pela terceira vez a Secretaria de Estado da Fazenda do Estado de Santa Catarina, cargo que ocupa até o momento. Email: contatogavazzoni@gmail.com
Imagem ilustrativa do post: sunny street // Foto de: David Schiersner // Sem Alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/freaky_designz/17093939607 Licença de uso: https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0/legalcode