Jurisprudência do STJ que estabelece prazo prescricional do Código Penal para PAD do apenado influencia na superlotação carcerária

22/10/2015

Por Arthur Corrêa da Silva Neto - 22/10/2015

Nos termos do art. 24, inc. I, (3ª hipótese) e parágrafos primeiro e segundo da Constituição Federal, a iniciativa legislativa pertinente às regras de “direito penitenciário” é da competência concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal, âmbito em que à União incumbe edição das regras gerais (nacionais) federativas (CF, art. 24, parágrafo 1º), ao passo que aos Estados é atribuído o exercício da competência concorrente suplementar na matéria (CF, art. 24, parágrafo 2º).

No âmbito das competências constitucionais concorrentes sobre “direito penitenciário”, a União estabeleceu as regras gerais federativas nos lindes da LEP – Lei de Execução Penal, todavia, não editou regras sobre decadência e prescrição de processos administrativos disciplinares para apuração de falta grave imputada a apenado recolhido ao sistema penitenciário dos Estados e da União.

Diante desta omissão, para exemplificar, o Estado do Pará exerceu sua competência constitucional suplementar na matéria e editou o Regimento Interno Padrão (RIP) dos Estabelecimentos Penais do Estado (Portaria n.º 108/2004, homologado pelo Decreto Estadual n. 2.199, de 24.03.2014), assim como o Estado Gaúcho editou o Regimento Disciplinar Penitenciário do Estado do Rio Grande do Sul (Decreto nº 47.592/2010), regulamentando a prescrição (ou decadência) administrativa para a instauração de PAD (procedimento administrativo disciplinar) pelo Diretor de casa prisional, para apuração de falta grave imputada a apenado do sistema penitenciário.

Estabilizado o entendimento supramencionado, cabe-nos, ainda esclarecer, que a previsão do art. 109 do Código Penal, é em face da remissão estabelecida pelo art. 110, do diploma substantivo penal, parâmetro temporal para contagem dos prazos prescricionais da pretensão executória, os quais devem ser contados a partir do fixado na sentença como pena.

Não há nenhuma disposição na Lei de Execução Penal ou mesmo em outro diploma normativo que assinale tratar-se o menor prazo prescricional lá previsto, como sendo o prazo prescricional para apuração de falta grave.

De toda sorte, no que tange a prazos prescricionais do ordenamento pátrio o menor estipulado em uma lei penal é aquele previsto no art. 28 da Lei de Drogas, ou seja, 2 (dois) anos.

Mas, caberia, ainda o debate, como adotar um prazo prescricional de um crime para a análise da prescrição de uma infração disciplinar?

Assim, uns levantariam a tese de que o correto seria aplicar o prazo de 1 (um) ano dos reiterados decretos de indulto que são editados a cada fim de ano, os quais, estabelecem que as faltas graves ocorridas antes de 1 (um) ano da publicação do decreto devem ser desconsideradas.

Portanto, qualquer opção relativa ao prazo de prescrição da falta grave,  consoante se mencionou acima – a) 3 (três) anos nos termos do menor prazo prescricional do Código Penal (art. 109, VI, do CP); b) 2 (dois) anos nos termos do menor prazo prescricional do ordenamento penal (art. 28, da Lei de Drogas); c) 1 (um) ano nos termos dos reiterados decretos de indulto que são editados a cada fim de ano, os quais, estabelecem que as faltas graves ocorridas antes de 1 (um) ano da publicação do decreto devem ser desconsideradas – será decisão jurisdicional baseada em política criminal ou mesmo fixada no “critério do querer”, assim, equivocada.

Com efeito, entendo, que a compreensão jurídica sobre o tema deve se cingir no sentido de que ao art. 59, da LEP, prever que “Praticada a falta disciplinar, deverá ser instaurado o procedimento para sua apuração, conforme regulamento, assegurado o direito de defesa”, é imanente a estipulação de prazos prescricionais para início e final do processo, portanto, o respectivo prazo fixado no regulamento estadual é o que deve ser observado, em atenção a própria dicção legal.

Não obstante, é cediço o entendimento manso e pacífico do STJ acerca do prazo prescricional para apuração de falta disciplinar ser de 3 (três) anos, como se observa dos julgamentos viabilizados no HC 85.947-SP, DJe 14/12/2009, HC 52.806-RS, DJe 12/4/2010; HC 138.954-SP, DJe 22/2/2010, HC 153.860-SP, DJe 8/11/2010 e HC 111.650-RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 28/6/2011.

Porém, ademais, da argumentação supracitada a partir do julgamento realizado no REsp 1.378.557, um dos precedentes que deu origem ao verbete sumular 533 do STJ, necessário se faz haver um verdadeiro over rule naquele precedente do Tribunal relativo ao prazo prescricional de 3 (três) anos, seja pela questão jurídica acima já assinalada dizente ao princípio da legalidade, pois não há nenhuma lei que indique ser o prazo de 3 (três) anos o prazo de apuração de falta disciplinar, seja por que a Corte está indicando a observância do previsto na legislação estadual, ao sinalizar o fortalecimento da fase administrativa, no REsp 1.378.557, logo a normativa estadual estabelecendo prazo prescricional, o prazo nela fixado é o que deve ser seguido.

Outrossim, deve ser lembrado igualmente que quando o Tribunal no REsp 1.378.557, assenta que o PAD é imprescindível e que a atribuição exclusiva para definição de falta grave é do Diretor do Estabelecimento Penal, necessário se faz que a Corte reflita as consequências que tal decisão representou para o sistema, diz-se isto, pois em que pese pelo art. 194 da LEP o processo de análise de direitos como progressão de regime, livramento condicional, dentre outros, ser judicializado, quando um dado apenado estiver com um PAD em andamento tais pedidos ficarão sobrestados por uma prejudicialidade que está fora do alcance do Judiciário, assim é notório observar que essa combinação de decisões pode trazer reflexo dantesco para o sistema prisional, haja vista que um apenado que se envolva em situação de suposta prática de falta disciplinar poderá ter que esperar 3 (três) anos para ter sua situação resolvida para só então pleitear algum direito.

Piorando o cenário, ainda há na panaceia de entendimentos jurídicos, inclusive no contexto de decisões judiciais notadamente no primeiro e segundo grau, direcionamento no sentido de que em se reconhecendo a falta disciplinar o direito para nova contagem não é da data do fato da indisciplina, mas sim da decisão que decretou a falta, em que pese o STJ já ter firmado posicionamento diverso nos termos da segunda parte de sua súmula 534.

Dificultando mais ainda a situação do apenado, por conseguinte do sistema já superlotado, o Tribunal da cidadania, no EREsp. 1.176.486-SP, pacificou o entendimento que o cometimento de falta disciplinar grave pelo apenado determina a interrupção do prazo para a concessão da progressão de regime prisional – primeira parte do verbete sumular 534 – logo nesse interregno de 3 (três) anos o apenado perpassa por toda essa indefinição de situações que podem muito bem ser móvel para participação de uma rebelião, ingresso em uma facção criminosa, entre outras tantas situações perniciosas que podem ocorrer no sistema prisional.

Toda essa trajetória de ideias nos parece está na contramão de tudo que vem sendo sinalizado pelo Supremo Tribunal Federal no que tange ao enfrentamento do problema carcerário alusivo à superlotação e aos males que dela decorrem.

No sentido do enfrentamento aqui mencionado vale conferir o assentado no RE 592.581, relatoria do Ministro Ricardo Lewandowsky, no qual se reconheceu a tese “É licito ao Judiciário impor à administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do que preceitua o art. 5°, XLIX, da Constituição Federal, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível, nem o princípio da separação de poderes”, bem como também recentemente na ADPF 347, da relatoria do Ministro Marco Aurélio em que se fixou a tese do “estado de coisas inconstitucionais” do sistema prisional brasileiro a permitir o descontigencimento do fundo penitenciário nacional, dentre outras questões.

Nesse contexto, conclui-se que uma mudança de paradigma do STJ no tema que se está enfrentando acerca do estabelecimento do prazo prescricional de 3 (três) anos para apuração de falta disciplinar em detrimento do prazo fixado nos diplomas estaduais que regulam o processo apuratório, faz-se necessária para adoção deste último, mesmo para convergir com o texto constitucional, e como esforço de combate a superpopulação carcerário, organizações criminosas de presídios, rebeliões, dentre outras situações perniciosas que pululam no cárcere brasileiro.

Assim, considerando o Tribunal da Cidadania também esse fator relevante da vida dizente a superlotação carcerária [1], poderá proferir julgamento tomando a realidade como vetor interpretativo em clara harmonia com os bons ventos da pós-modernidade, portanto assentando uma decisão em consonância com a contemporaneidade.


Notas e Referências:

[1] HC 123.108, voto do Ministro Luis Roberto Barroso, itens 80 e 81, pontua a perspectiva de se considerar a realidade carcerária de superlotação no momento do julgamento para produzir uma decisão descarcerizadora.


Arthur Corrêa da Silva NetoArthur Corrêa da Silva Neto é Defensor Público do Estado do Pará; Membro do Conselho Superior da DPE/PA; Coordenador Geral da Comissão de Execução Penal do CONDEGE; Membro do Conselho Penitenciário do Estado do Pará; Membro do Conselho Estadual de Política Criminal e Penitenciária do Pará – CEPCP; Membro do Grupo Condutor da implantação no Estado do Pará da Política Nacional de Atenção Integral a Saúde da Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional – PNAISP; Coordenador Geral do Projeto “Defensoria Sem Fronteiras” do CONDEGE realizados nos Estados do Paraná e Pernambuco; Coautor do Livro Execução Penal - Novos Rumos, Novos Paradigmas. 1ª ed. 2ª tiragem, rev. Manaus: Aufiero.


Imagem Ilustrativa do Post: We have Time // Foto de: Karoly Czifra // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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