Jurados, literatos e juristas no cenário jurídico-literário: para quem vai o Nobel de Literatura de 2019?  

21/04/2019

 

            Os amantes do mundo literário que acompanham a entrega do Nobel de Literatura com o mesmo entusiasmo (ou ainda mais) que a premiação do Oscar, terão um motivo a mais nesse ano para comemorar (ou reclamar) da premiação. A frustração pela ausência do prêmio em 2018 será recompensada agora em 2019, uma vez que dois nomes serão apontados como os vencedores do Nobel de Literatura.

            O motivo da ausência de um vencedor no ano de 2018 foi um escândalo que culminou na renúncia de vários integrantes da Academia Sueca responsável pela premiação. Dado o imbróglio interno, o mundo ficou sem conhecer aquele que seria agraciado com o Nobel no ano em questão. A ideia é de que esse lapso seja agora recuperado. Daí que dois serão os nomes escolhidos para receber a premiação, lançando-se ao mundo outros grandes escritores que ficarão eternizados.

            Para além da questão que mais chama a atenção nessa situação, tem-se um ponto interessante para se refletir – ainda mais dentro de uma das perspectivas que os estudos jurídico-literários possibilitam. Diz-se das consequências internas (com efeitos externos) que a Academia Sueca sofreu a partir do episódio escandaloso: o Nobel deixou de ser dado, a renúncia de integrantes da Academia e a alteração dos seus estatutos e regulamentos, para dizer o mínimo. Efeitos de um problema no meio literário cuja forma de se resolver a situação se deu pelo (e no) âmbito jurídico.

            Não se diz aqui do episódio em si – aquele que culminou numa série de consequências na Academia Sueca responsável pelo Nobel, mas sim de seus efeitos disso resultantes, ou seja, não se quer trazer ao debate o problema do escândalo sexual em si, mas apenas dialogar a respeito da forma com a qual isso repercutiu a ponto de se ter efeitos jurídicos presentes numa seara de literatos.

            Dentre as alterações que os regulamentos e estatutos da Academia sofreu, está a possibilidade de renúncia formal dos membros e indicação de outros nomes. Ainda, há também a permissão de consulta externa de especialistas em Direito para buscar a resolução de conflitos. São situações e previsões em que cristalinamente o Direito é chamado para lidar com algo que diz respeito ao literário – em que pese não propriamente.

            Há sempre toda uma burocracia presente em qualquer agrupamento de pessoas que se prestam a escolher um nome para conceder uma premiação. Imagine-se no caso de um dos mais famosos prêmios do mundo, concedido anualmente a um único nome (geralmente) entre tantos e diversos escritores de qualidade que estão espalhados por todos os cantos do planeta produzindo a boa literatura. Para além da estrutura necessária que dê o efetivo suporte que possibilite o funcionamento da Academia Sueca, há de se regulamentar a forma com a qual os atos se dão quando da definição do nome que será louvado internacionalmente no âmbito literário. É aí que o manto jurídico que faz presente.

            Não é que o Nobel de Literatura nunca tenha enfrentado problemas. Alguns episódios ficaram marcados na história do prêmio, dentre os quais aqueles que culminaram em tempos vazios – no sentido de que em determinados anos o prêmio deixou de ser entregue. Mas talvez nunca antes, pelo menos até o episódio de 2018, tenha se pensado que algumas mudanças seriam necessárias em decorrência de um escândalo de cunho sexual.

            O Direito na literatura, aqui, recebe contornos próprios, necessitando, talvez, de uma nova definição ou categoria própria. Os personagens são reais, de carne e osso, responsáveis pela análise de personagens fictícios, pelo menos em sua maior parte, que estão presentes nas histórias daqueles que figuram como candidatos possíveis à serem laureados ao mais cobiçado prêmio da literatura. O fenômeno supera até mesmo aqueles romances mais ousados no aspecto do irreal, do mágico, do metaliterário. O jurídico surge para contornar (ou dar uma resposta a) um algo que não está presente nas páginas daqueles livros que lidam com o ficcional pelas mais variadas razões (dentre as quais a de tornar possível uma melhor compreensão da realidade). O conflito sobre o qual o Direito é instado a agir se deu sobre aqueles que se debruçam para analisar as obras literárias e seus autores. A problemática está para além dos livros, por mais que se situe no âmbito literário. É uma questão própria, uma espécie de causa sui generis. É por isso que a categoria Direito na Literatura, ou qualquer outra, é insuficiente para se definir a forma ou o método na abordagem da situação em comento. A relação entre direito e literatura no episódio da não entrega do Nobel e 2018 e suas diversas consequências requer uma abordagem própria e específica – talvez algo novo, ou ainda uma forma já existente, mas que necessita de uma catalogação própria para melhor se definir a proposta de análise.

            De que modo a presença do direito influencia nas atividades da Academia Sueca? Os efeitos jurídicos pós-episódio 2018 no Nobel de Literatura repercutirão de maneira significativa? Até que ponto esse liame entre o direito e a literatura na questão ora posta em discussão é válida e suficiente? São essas algumas das questões trazidas ao debate, ansiando-se pela participação dos estudiosos, pesquisadores, entusiastas e componentes do movimento Direito e Literatura.

            Seja como for, aguarda-se ansiosamente pela escolha e divulgação dos dois nomes que receberão a premiação nesse ano. Desde o anúncio de Kazuo Ishiguro em 2017, os amantes da literatura esperam pelo próximo nome da lista dos honrados com a premiação. O que virá? Algum nome esperado ou uma surpresa? Homem ou mulher? Um nome que já tenha obras publicadas no Brasil ou as editoras terão de correr com os tradutores para ofertar aos leitores os livros do Nobel 2019? Resta esperar pelo resultado enquanto se fazem as apostas.

 

Imagem Ilustrativa do Post: O Espelho // Foto de: Ana Patícia Almeida // Sem alterações

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