JUIZ NÃO PODE PARTICIPAR DE CONSTELAÇÃO FAMILIAR

16/09/2018

Com a crescente utilização das Constelações Familiares no âmbito judicial, tem-se presenciado algumas práticas que precisam ser melhor analisadas e discutidas.

            Talvez pela ausência de uma legislação específica sobre o caso, é comum juízes e promotores atuarem como consteladores ou participarem das constelações sistêmicas em processos judiciais sob suas competências jurisdicionais.

            Nos parece, com toda certeza, que essa prática é ilegal.

            Se por um lado não temos uma legislação específica sobre a prática das constelações familiares no judiciário, por outro possuímos regras gerais que podem e devem ser aplicadas, por analogia, à questão proposta.

            No artigo 145, inciso II, do Código de Processo Civil, o juiz deve declarar-se suspeito, por exemplo, quando tiver aconselhado alguma das partes acerca do objeto da causa. Bem sabemos que o facilitador da constelação pode, em certas situações, indicar qual deva ser a melhor solução para o conflito, pela percepção fenomenológica surgida no exercício.

            Por exemplo, é bastante comum que em uma constelação o real motivo do conflito, até então oculto, inclusive para o juiz/promotor, venha à luz, influenciando o desenrolar do litígio. No exemplo, caso a parte opte por não realizar algum acordo ou não concorde com o fenômeno vivenciado e queira manter o processo, esse juiz que participou (como constelador ou apenas como ouvinte) terá que instruir e julgar o caso. Não tenho dúvida alguma que sua parcialidade está prejudicada. O mesmo raciocínio se aplica ao membro do Ministério Público.

            No Código de Processo Penal, em seu artigo 254, inciso IV, o juiz deverá declara-se suspeito caso tenha aconselhado qualquer das partes.

            Se não bastasse, a Resolução 225/16 do CNJ, que trata da Justiça Restaurativa, prevê o seguinte:

Art. 15. É vedado ao facilitador restaurativo:

I – impor determinada decisão, antecipar decisão de magistrado, julgar, aconselhar, diagnosticar ou simpatizar durante os trabalhos restaurativos;

II – prestar testemunho em juízo acerca das informações obtidas no procedimento restaurativo;

III – relatar ao juiz, ao promotor de justiça, aos advogados ou a qualquer autoridade do Sistema de Justiça, sem motivação legal, o conteúdo das declarações prestadas por qualquer dos envolvidos nos trabalhos restaurativos, sob as penas previstas no art. 154 do Código Penal.

            Veja que na Justiça Restaurativa o facilitador não pode decidir ou antecipar qualquer decisão, nem mesmo aconselhar as partes. Também não pode prestar testemunho sobre o que foi vivenciado na facilitação e, com todo o acerto, relatar ao juiz ou promotor o conteúdo das declarações prestadas no contexto da facilitação restaurativa.

            Com isso, nos parece que está bem clara a proibição do juiz e promotor tomar conhecimento do conteúdo da facilitação, o que o proíbe, por dedução lógica, em participar como ouvinte ou facilitador.

            Vamos para outro exemplo. Em uma constelação presenciada pelo promotor, surge a informação da prática de um crime de ação penal pública incondicionada, ocorrida naquele contexto familiar e que, até agora, era desconhecido das autoridades públicas e até mesmo dos demais membros da família. Como o promotor deverá agir nesse caso? Pela legislação, deverá requisitar a abertura de inquérito policial (artigo 5º inciso II CPP). E se assim não agir, estaria prevaricando?

            Veja que esse exemplo se aplica ao delegado de polícia, pois teria ele obrigação legal de abrir investigação de ofício (artigo 5º inciso I CPP) e ao juiz, que deveria requisitar, da mesma forma que o promotor, a abertura de investigação policial.

            Não tenho dúvida que no exemplo acima as autoridades estariam agindo de forma absolutamente parcial, pela simples necessidade de cumprir a lei. Então e até mesmo como segurança à função que esses profissionais exercem, é de bom alvitre que referidas autoridades não presenciem ou facilitem tais exercícios.

            Desta forma, entendo que a Constelação Familiar não pode ser presenciada ou facilitada por juiz ou promotor de justiça, sob pena de suspeição e nulidade dos atos praticados no processo.

            Portanto e até em respeito às leis sistêmicas, é importante que o juiz/promotor saiba qual é o seu lugar e, caso queira atuar ou presenciar as oficinas sistêmicas, que se declare suspeito para a continuidade do processo, caso o acordo não ocorra.

            Cabe a nós, advogados, a fiscalização dessa prática rotineira no judiciário brasileiro, levantando a suspeição do juiz e do promotor que participem ou facilitem constelações e demais exercícios sistêmicos em processos sob suas jurisdições.

 

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