Juarez Tavares e Geraldo Prado assinam parecer contra o Impeachment de Dilma Rousseff

03/12/2015

Por Redação - 03/12/2015

Os destacados Professores Juarez Tavares (Titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Professor Visitante na Universidade de Frankfurt am Main) e Geraldo Prado (Professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro Investigador do Instituto de Direito Penal e Ciências Criminais da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa) subscreveram parecer (pro bono) contrários ao alegado fundamento do pedido de impeachment.

O parecer* diz por si e merece ser lido. Fundamentos consistentes e democráticos.


1. Consulta-nos o culto advogado FLÁVIO CROCCE CAETANO acerca dos requisitos jurídicos para a cominação da infração político-administrativa de impeachment ao Presidente da República e,ainda, quanto aos termos do devido processo legal inerente ao mencionado juízo político, em especial no que concerne ao papel desempenhado pelo PresidentedaCâmarados Deputados no juízo prévio de admissibilidade do pleito. Na esteira dos temas referidos o consulente postula manifestação sobre se é cabívelrecurso aoPlenário da Casa Legislativanocasodedespacho denãorecebimento dadenúncia de infração político-administrativa esalienta que o fato em tese imputado ao Presidente da República refere-se a conduta supostamente praticada no curso de mandato findo.

2. De forma objetiva, o consulente formula as seguintes indagações:

Primeiro quesito: no plano do direito material, quais são os requisitos jurídicos para a cominação de infração político-administrativa de impeachment ao Presidente da República?

Segundo quesito: aplicam-se ao processo de impeachment as garantias do processo penal?

Terceiro quesito: em que base e com fundamento em quais critérios cabe ao Presidente da Câmara dos Deputados o exercício do exame prévio de admissibilidade da denúncia de infração político-administrativa?

Quarto quesito: na hipótese de despacho do Presidente da Câmara dos Deputados não recebendo, dentro do exercício do exame prévio de admissibilidade, a denúncia de infração político-administrativa, é cabível recurso ao Plenário da Casa?

3. A consulta atenta para a circunstância de que o juízo de tipicidade a ser realizado neste estudo não depende da avaliação de prova que instrua a acusação, mas, ao contrário, decorre da sucinta narrativa fática mencionada.

4. O estudo será iniciado pela análise da questão concernente aos critérios dedelimitação do denominado “juízo político”. A opção metodológica de inaugurar o parecer enfrentando temas relacionados ao fundamento e estrutura do processo de impeachment se justifica em virtude: i) do reconhecimento do caráter excepcional do “juízo político”, no âmbito das democracias contemporâneas; ii) da percepção anotada na esfera da ciência política de que, na América Latina, os processos de transição para a democracia têm levado à substituição da opção antidemocrática de ruptura da normalidade institucional por meio de intervenção das Forças Armadas pelo emprego, igualmente antidemocrático, de processos jurídico-políticos de impedimento de mandatários legitimamente eleitos, com o propósito ou efeito de suplantara vontade majoritária consagrada em eleições periódicas; iii) da constatação de que as garantias constitucionais e convencionais e o princípio democrático, dirigidos à domesticação do “poder de fato”, no âmbito do Estado de Direito, tendem a ser contornados pela adoção de procedimentos ad-hoc orientados ao enfraquecimento das condições jurídico-políticas de resistência aos abusos de poder no campodo “juízo político”.

A perspectiva teórica proporcionada pela Ciência Política, relativamente ao fenômeno da resistência à implantação concreta da democracia em nosso subcontinente, demanda a formulação de aproximações conceituais na interface direito-política, que analiticamente são prejudiciais à questão de fundo proposta pela consulta. No caso, os critérios da dogmática jurídica têm a sua densidade definida a partir de parâmetros que interpelam as categorias políticas “democracia” e “estado de direito” em um preciso contexto histórico – o atual, de superação das ditaduras que dominaram o cenário entre os anos 60 e 80 do século passado – e assim, lógica e metodologicamente, impõe-se a compreensão do contexto para a adequada análise do “texto”.

5. O parecer será dividido em duas partes: (a) a caracterização do processo de impeachment como concretização de um “juízo político”; e (b) os aspectos jurídicos atinentes ao denominado “crime de responsabilidade” do Presidente da República. O tópico (b) abrange a análise da primeira indagação formulada pelo advogado consulente, com seus inevitáveis desdobramentos. O tópico (a) abrange a análise das demais indagações formuladas pelo advogado consulente.

Parte I – O processo de impeachment no estado de direito: encontros e desencontros entre o jurídico e o político

I.A. O “juízo político” na América Latina após o ciclo das ditaduras militares: responsabilidade dos dirigentes e/ou nova faceta da ruptura da institucionalidade democrática

6. No dia 29 de junho de 2012 foi editada deliberação no sentido da suspensão da República do Paraguai do âmbito dos órgãos que compõem o Mercosul. [1] Argentina, Brasil e Uruguai entenderam que o sumário processo de impeachment a que fora submetido o presidente Fernando Lugo, nos dias 21 e 22 de junho daquele ano, no Congresso paraguaio, e que terminou com a destituição do presidente Lugo, havia rompido com a ordem democrática ao negar vigência às instituições democráticas do país vizinho.

7. Com efeito, a destituição do presidente Fernando Lugo representou talvez o ápice de um fenômeno observado por numerosos cientistas sociais no que toca à mudança de paradigma na resolução de crises políticas na América Latina. Enquanto até os anos 80 do século XX a instabilidade dos governos tendia a contaminar os próprios regimes políticos, levando quase sempre à queda de governos e ruptura da institucionalidade política, com frequência também marcada pela intervenção das Forças Armadas, como sucedeu no Brasil em 1964, os anos 90 testemunharam o início do que veio a ser conhecido como um novo padrão de instabilidade política, caracterizado pelo emprego reiterado de “processos políticos” (“juízos políticos”) como método de destituição dos governantes, em um esquema com graves implicações decorrentes “dos tipos de risco que o uso incorreto de mecanismos constitucionais representa para a democracia”. [2]

8. Sublinha LÓPEZ CARIBONI, ao refletir sobre as categorias operacionais empregadas pelo cientista político ANÍBAL S. PÉREZ-LIÑAN, como é o caso da denominada “instabilidade presidencial”, que desde os anos 90, na América Latina, o impeachment presidencial emergiu “como instrumento mais poderoso para substituir presidentes indesejáveis sem destruir a ordem constitucional”. [3]

9. De fato coube a PÉREZ-LIÑAN a direção de algumas das principais investigações teóricas sobre o fenômeno que definiu como “emergência de democracias estáveis com governos instáveis” em nossaregião. A necessidade de problematizar os casos de impeachment resulta evidente, ressalta o Professor da Universidade de Pittsburgh, quando observa que no período de duas décadas (1985-2005) treze presidentes eleitos “foram removidos dos seus cargos ou forçados a renunciar”. [4] Na tipologia proposta por Pérez-Liñan, o “juízo político” a rigor deveria se apresentar como método intermediário entre a “renúncia” e o “golpe legislativo”, os três tomados como espécies do gênero “presidências interrompidas”.

10. Na literatura clássica sobre presidencialismo, releva notar, a menção ao impeachment como recurso constitucional até então fora marcada pela desconfiança quanto a sua utilidade. [5] Concebido em sua feição moderna no contexto do equilíbrio de poderes idealizado no direito norte-americano, como aperfeiçoamento de antigas práticas políticas inglesas, como destacou ALEXANDER HAMILTON na obra clássica “O Federalista” [6], nos Estados Unidos da América, relativamente a presidentes da república, o processo de impeachment foi acionado apenas quatro vezes em mais de duzentos anos. [7] MARIO D. SERRAFERO adverte que muito por conta disso a literatura especializada tendia a qualificar o impeachment como “peça de museu”, válvula de escape que, nos sistemas rígidos de modelo presidencialista,por razões de fundamento e estrutura,não poderia equivaler ao “voto de desconfiança” típico do regime parlamentarista. [8]

11. Forçoso reconhecer que na América Latina pós-colonial um mecanismo de controle político-institucional dessa natureza produziu pouco impacto durante o tempo de dominação ideológica da cultura autoritária. [9] Com efeito, ao longo dos séculos XIX e XX desenvolve-se em nosso subcontinente a noção de que cabia ao Estado absorver a sociedade civil e seus conflitos, que seriam resolvidos não com base em uma cultura de persuasão e na procura dialógica do consenso, mas, em sua versão mais radicalizada das últimas ditaduras, a partir da ideia fundamental “que entendia a política como continuação da guerra”. [10] A exposição de pontos de vista divergentes da “moral dominante”, imposta de modo hierárquico, hipoteticamente autorizava o trato dos opositores em forma de “cruzada”, com a sua definição como “inimigos” que haveriam de ser “combatidos” e para isso, no lugar de o Exército estar subordinado ao poder civil, era o poder civil que se submetia à força das armas. [11] MIGUEL ROJAS MIX salienta que a versão extrema de entidade política produzida neste ambiente consistiu no “Estado ditatorial”, por meio da conversão da “ditadura militar” em uma concepção de Estado. [12]

12. Os ventos democráticos que varreram as ditaduras militares do continente trouxeram consigo a necessidade de novos arranjos institucionais no campo político e no bojo disso, tendo figurado o sistema presidencialista como o de preferência, também impuseram regimes constitucionais de definição da responsabilidade política dos personagens atuantes na esfera pública. [13] Vale sublinhar, todavia, que “nos sistemas democráticos a responsabilidade política em estado puro por funções de governo conta com um mecanismo democrático automático, que se traduz no resultado das eleições que reflete nas urnas”. [14] Assim, afirma BALBUENA PÉREZ, “a má gestão dos dirigentes políticos tem uma clara consequência que se concretiza no custo eleitoral de suas decisões e gestões no exercício da função governativa”. [15]

13. É estranho ao parecer destacar a diferenciação entre os sistemas de responsabilidade política onde há dualidade de comando político – com a distinção entre Chefe de Estado e de Governo, como é o caso do modelo parlamentarista –e onde esta dualidade é inexistente porque um único agente político exerce ambas as funções (modelo presidencialista). A moção de censura e o voto de confiança pertinentes ao sistema parlamentar podem justificar-se em eventual má gestão, com a dissolução do gabinete e convocação de novas eleições, observada a salvaguarda da estabilidade governamental. [16] Não há, todavia, paralelo no sistema presidencialista. A responsabilidade política neste caso não está atrelada a juízos de oportunidade – como é o caso da afirmação de uma “má gestão” -, que estão estritamente na órbita do eleitorado, em nome do qual institui-se a representação.

14. A responsabilidade política do Chefe de Estado, no sistema presidencialista, equipara-se à dos magistrados do Supremo Tribunal Federal, por exemplo, e o âmbito normativo que simultaneamente define o seu conteúdo e marca o grau de estabilidade difere neste aspecto apenas quanto ao período de duração da referida estabilidade. Enquanto os magistrados da mais alta corte são vitalícios – a estabilidade dura, portanto, o tempo do exercício da função até a aposentadoria, morte ou o voluntário cessar do exercício dessa função–a do Chefe de Estado está limitada pelo tempo do mandato. Em ambos os casos a rigorosa fronteira dessa responsabilidade, no Brasil, está definida pela categoria dos “crimes de responsabilidade”.[17]

15. Releva notar, portanto, para ficar no campo do repertório da ciência política, que no sistema presidencialista os fatos de instabilidade governamental (“instabilidade presidencial”) somente poderão dar azo ao término antecipado do mandato por motivos alheios à vontade do governante – para empregar a expressão consagrada por PÉREZ-LIÑAN [18]-em hipóteses taxativas, definidas na Constituição, de violação de normas que caracterizam crime de responsabilidade. [19] Em situação análoga, para ilustrar, eventual magistrado do Supremo Tribunal Federal não poderá ser afastado do exercício das funções porque sistematicamente decide em sentido contrário às posições jurídicas defendidas pelos demais membros da corte. Por este ângulo, o caráter de taxatividade do “crime de responsabilidade” é simétrico ao dos delitos comuns, uma vez que cumpre a função de garantia consistente em separar os atos atentatórios à probidade administrativa, característicos do “crime de responsabilidade”, por exemplo, daqueles que sob determinada ótica implicam “má gestão” ou escolhas políticas em torno das quais não haja consenso na sociedade (juízo de conveniência do governante).

16. O que, no entanto, acende o “sinal de alerta” dos cientistas políticos, relativamente ao recurso reiterado ao processo de impeachment, nesta terceira onda democrática, na América Latina [20], em contextos muito distintos quer do ponto de vista econômico, quer relativamente ao ambiente institucional, [21]é a possibilidade concreta de que por meio de “juízos políticos” estejam sendo intentados “golpes de estado encobertos”, para adotar a denominação usada por RAFAEL MARTINEZ. [22]

17. Isto não seria algo inédito na história das lutas políticas, como confirma a abordagem de OTTO KIRCHHEIMER, da Escola de Frankfurt, no clássico “Justiça Política”. [23] Menos ainda pode ser ignorado, pelo ângulo da genealogia dos sistemas penais, o recurso ao sistema de justiça para fins políticos. [24] A perspectiva analítica que se apoia no diálogo entre poder e direito – e repercute na configuração de critérios de interpretação jurídica de categorias cuja origem deve ser rastreada no campo político – tem longa tradição nas ciências penais dada a própria história da modernidade ocidental: de Hobbes a Feuerbach, o relato da edificação do estado de direito transita pelas vias da domesticação do poder penal dadas as implicações políticas dos processos de punição. [25]

18. O encontro entre direito e política, portanto, goza de uma espécie de ancestralidade ora litigiosa, ora concordante, quando se toma como referência a tradição ocidental em cujo contexto o Brasil está inserido. DANIEL WANG destaca o acento contemporâneo deste tipo de relação – direito e política - à luz dos princípios democráticos que se originam no mesmo marco e também da especial condição do direito de estabelecer as “regras do jogo” e o território das disputas políticas – as instituições democráticas. Sublinha DANIEL WANG: “O estudo da relação entre Direito e Política é normalmente focado nas instituições. O Direito estabelece as regras do jogo e os atores políticos e sociais atuam de acordo com os constrangimentos e oportunidades que essas regras estabelecem para produzir as decisões políticas.” [26]

19. A rigor, como será visto, o discurso do constitucionalismo de origem continental europeia – e, via de consequência o do estado de direito [27]– concebe o poder como “a capacidade do homem em determinar o comportamento do homem” [28]. O poder seria, na aludida concepção de Stoppino, “uma relação entre comportamentos”[29] Nestas bases desenhou-se o modelo da separação de poderes e ao longo do tempo os juristas desenvolveram os alicerces jurídicos do estado de direito, evoluindo estágio após estágio à vista das experiências políticas dos dois últimos séculos e, em especial, depois da tragédia da Segunda Guerra Mundial.

20. Em virtude mesmo da experiência autoritária do nazifascismo, a liga atual entre separação de poderes e estado de direito é composta por elementos distintos daqueles da sua origem. Nos dias atuais há na fronteira difusa que discursivamente separa “poder” e “direito” pontos comuns que resultaram da mencionada evolução e que estão orientados ao propósito de conter o uso abusivo do poder. Isso enseja a configuração de esferas jurídico-políticas do “decidível” e “indecidível”, nas palavras de LUIGI FERRAJOLI. Tal seja, há no marco do exercício do poder limites intransponíveis, que definem as modernas democracias para além do “meramente formal”. Nas palavras de FERRAJOLI:

21. “3.5. Separação de poderes e garantismo

Outra importante ordem de questões afrontada em nosso debate, sobretudo, por Perfecto Andrés Ibáñez e por Michelangelo Bovero, foi a da separação de poderes. As Constituições desenham juridicamente o que denomino a ‘esfera do indecidível que’ ou ‘que não’, relativa à garantia dos direitos, em oposição ao que tenho chamado de a ‘esfera do decidível’, relativa ao exercício dos poderes políticos. Portanto, a diferente natureza das esferas exige uma revisão da clássica separação de poderes: a separação entre funções e instituições de governo competentes para atuar na esfera política do decidível e funções e instituições de garantia encarregadas de garantir e controlar a esfera do indecidível. Como justamente fez notar Perfecto Andrés Ibáñez (p. 2), as duas esferas remetem às duas dimensões nas quais articulei a democracia constitucional: a dimensão formal, e especificamente política, das funções de governo (a que se deve acrescentar a dimensão civil dos poderes privados, que são também parte da dimensão formal), e a dimensão substancial, divisível, por sua vez, na dimensão liberal e na social, das funções de garantia.” [30]

22. A questão que os cientistas políticos colocam à validade da concepção das duas esferas distinguidas entre uma dimensão política e de governo de outra marcada pela garantia de direitos é, todavia, mais profunda e está assentada sobre o real funcionamento das sociedades políticas. A citada questão remete à partida a própria concepção de poder. [31] Com efeito, ao analisar o fenômeno da proliferação de processos de impeachment na América Latina, nas últimas décadas, Cintia Rodrigo aponta para a necessidade, detectada por PÉREZ-LIÑAN, de aprofundar os esquemas teóricos de investigação das causas de instabilidade política e incluir outros sujeitos e fatores na configuração das causas de adoção deste novo padrão (de instabilidade política). Sublinha a analista que a questão da deflagração de “juízos políticos” na prática não está mais centrada somente no enfrentamento entre Executivo e Legislativo, que seguem, todavia, com o protagonismo, mas implica diversas “terceiras partes”, como os meios de comunicação e a opinião pública. [32]

23. Por este ângulo, o exercício de poder situado em esferas não estatais tende a pressionar as instituições a atuar em busca da“flexibilização do presidencialismo”, por meio da “flexibilização dos mecanismos de juízo político” e também por “declarações de incapacidade”, “renúncias antecipadas” e “eleições prematuras”.[33]Os mandatos constitucionais ficam sob pressão como também ficam as instituições políticas e jurídicas, confrontadas por poderes privados convertidos em novo “poder moderador”, [34] poderes que não se desejam subordinados à Constituição e a tratados internacionais de respeito à democracia e aos direitos humanos. PÉREZ-LIÑAN ressalta que elites desalojadas do poder pelo voto da maioria reagem nessa direção e embora não seja possível descartar outras variáveis no processo causal de “expansão” do emprego do impeachment, não há dúvida acerca do importante papel cumprido pelos meios de comunicação. [35]

24. O cenário torna-se mais claro quando se recorre a uma noção de poder expansiva em relação àquela mencionada por STOPPINO, que ainda tende a ser a ideia-chave articulada no âmbito do discurso jurídico de definição do significado de “democracia” e “estado de direito”. Em 1975 NIKLAS LUHMANN publica o ensaio denominado “Poder” e propõe uma formulação contemporânea do conceito que, sem desprestigiar a vertente causal (real ou potencial) antes mencionada, identifica exercício de poder na ação do “subalterno” querida e executada por ele, mas no mesmo sentido da “ação ordenada”. [36] A rigor, diz LUHMANN, a “decisão de poder antecipável torna pura e simplesmente sem sentido, para o subalterno, formar uma vontade”. [37] A função do poder consistiria, pois, em “garantir cadeias possíveis de efeitos, independentemente da vontade do agente subalterno”, operando em uma estrutura real, ao modo de catalizadores que “aceleram (ou retardam) a incidência de fenômenos”. [38] A análise das estruturas reais de exercício de poder nas sociedades pós-industriais e de massas revela, pelo recurso analítico à comparação com o catalizador, que na maioria das vezes o poder é exercitado sem que isso seja percebido – malgrado, em tese, não haja escolha concreta para quem a ele se submete –sendo justificável a sua definição – do “poder” – como “meio de comunicação generalizado simbolicamente”. [39]

25. Por este ângulo, os problemas de abuso de poder tornam-se, em primeiro lugar, problemas de detecção de exercício de poder, pois as pessoas a rigor são levadas a crer que atuam conforme a própria vontade, formada livremente. Critérios de verdade submetem-se a códigos em que prevalece a noção de que “a verdade é dúvida superada” [40], em um contexto de uma “acentuadamente abstrata dissolução de elementos cognitivos”. [41] Ressalta LUHMANN a propósito da problemática:“É difícil delimitar esta problemática em uma definição que diga, inequivocamente, o que é ou não é poder. A problemática gera, todavia, contextos descritíveis. Pode-se dizer: quanto mais contingente for a influência, na medida em que se dá a conhecer como um agir que especializa sua própria seletividade em provocar o agir alheio, tanto menos se pode supor uma congruência natural e situacional de interesses, tanto mais problemática se torna a motivação e tanto mais necessário se faz um código que regule as condições de transmissão da seleção e a atribuição dos motivos correspondentes.” [42]

26. Cumpre, pois, operar uma mudança de enfoque sobre estado de direito, democracia e as esferas do decidível e indecidível consequente à formulação do “poder” como meio de comunicação generalizado simbolicamente.DANILO ZOLO sublinha que a noção fundamental de estado de direito parte do consenso de que o “poder” deve ser “normado”, isto é, “vinculado e controlável” de sorte a “instaurar um nexo funcional entre o poder e os sujeitos”. [43] A dimensão material da democracia, referida por FERRAJOLI, desloca os direitos fundamentais da esfera do decidível para a do não decidível, o que parece evidente dada a forma transparente como as ações contra a dignidade humana se apresentam de ordinário. Em um cenário, todavia, de exercício difuso do poder – não mais concentrado em entes estatais, mas disperso em alguns poucos grupos sociais capazes de produzir “critérios de verdade” em relação aos quais “a verdade se torna um problema”[44]–a esfera do não decidível deve ser ampliada para incorporar áreas constitucionalizadas respeitantes à própria democracia. Em realidade, este é o sentido da garantia do voto direto, secreto, universal e periódico que o inciso II, do § 4º do art. 60 da Constituição da República brasileira define como cláusula pétrea.

27. As pressões pela “flexibilização dos mandatos presidenciais” via ampliação das hipóteses de impeachment, para abranger situações não enquadráveis, taxativamente, no art. 85 da Constituição – ou ainda para alargar o conceito de “crime de responsabilidade”–atentam contra o significado da proteção constitucional ao voto direto, secreto, universal e periódico. É neste sentido que MARTINEZ investe contra o que denomina como “tergiversação jurídica”, que afeta a segurança jurídica do sistema democrático ao permitir o emprego do “juízo político” “como um mecanismo de responsabilidade política, de controle da atuação cotidiana do presidente” e termina por afirmar tratar-se de um recurso inconstitucional. [45]No Brasil a questão ganha contornos mais delicados dado o fenômeno que os cientistas sociais observam, relativamente a “atitudes ambivalentes perante a democracia”. [46]

28. O estudo de caso de emprego abusivo do “juízo político” na América Latina aponta para algumas condutas comuns, em particular, mas não exclusivamente, em processos que chegaram à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Em geral o abuso de poder concernente ao impeachment pode ser constatado pela: a) deliberada não aplicação dos critérios dogmáticos de definição dos “crimes de responsabilidade”; b) violação sistemática das garantias do devido processo.

29. Ambas as questões serão abordadas nos capítulos seguintes do parecer. O próximo item considerará as distorções do “juízo político” como técnica que a política impõe ao direito para colonizar áreas do “indecidível” e desidratar o princípio democrático em sua face mais visível, que se traduz no respeito ao resultado das eleições. O devido processo legal ocupará esta análise. Algumas palavras acerca da dimensão do “crime de responsabilidade”, no entanto, devem ser ditas a propósito da garantia comum ao direito material e ao direito processual, afetada pelo intento de “flexibilização de mandatos presidenciais” pela via do impeachment: a “legalidade”.

30. Como fixado na consulta, o objeto do pedido de impeachment corporifica-se, em tese, em decisões de esferas do governo tomadas e executadas durante o mandato presidencial anterior, sobre as quais o acusador pretende estabelecer a controvérsia. Estas decisões, hipoteticamente, caracterizariam “crime de responsabilidade”. É a base da tese da acusação do pleito de impeachment, que, será visto na próxima seção, não tem amparo jurídico. Com independência disso, a perspectiva analítica considerada no parecer leva em conta as várias maneiras como opera o cruzamento entre direito e política e uma delas tem lugar estritamente no âmbito do direito. Vale dizer: ainda que à partida o “juízo político” seja um “processo político” em sentido lato, as condições para o exercício do poder estão definidas pelo direito e se submetem ao direito não por mero capricho, mas porque de outra maneira não haveria como se controlar o exercício do poder e evitar seus abusos.

31. Assim, o “processo político” ou o “processo de impeachment” haverá de ser, necessariamente, um método “racional-legal” de determinação da responsabilidade política conforme parâmetros estabelecidos na Constituição da República. Não haveria garantias para a democracia se pudesse ser de outra forma. Os reflexos práticos dessa configuração são percebidos: a) na exigência de que os comportamentos que caracterizam “crime de responsabilidade” possam ser demonstrados empiricamente – meros juízos de valor ou de “oportunidade” não constituem o substrato fático de condutas “incrimináveis”; b) na consequente estipulação de procedimento que permita confirmar ou refutar a tese acusatória, em contraditório, com base em dados empíricos. Não é demais recordar o que ficou assentado linhas atrás: o processo de impeachment não equivale à moção de censura ou ao veto (recusa do voto de confiança) do Parlamento ao governo, institutos que são pertinentes ao sistema parlamentarista.

32. A concreta possibilidade de que estes critérios de base sejam observados reclama a escrupulosa incidência do princípio da legalidade, quer na esfera material, quer na do processo. O que a literatura sobre impeachment na América Latina tem revelado sobre o tema explica a adoção da postura cautelosa dos cientistas sociais e o mencionado “sinal de alerta” que resulta de sua advertência. No lugar do rigor conceitual que caracteriza o corpus teórico do “juízo político” – e que se projeta em igual cuidado, na prática, acerca da verificação das condições para a instauração e desenvolvimento do processo de impeachment–o movimento na direção da interrupção dos mandatos presidenciais tende a atropelar os fundamentos da legalidade.

33. No campo penal a garantia material da tipificação das infrações políticas resulta ser solenemente ignorada. Não é apenas o caso, grave por si, do recurso a concepções alargadas sobre os “conceitos jurídicos indeterminados” que compõem o texto da norma do “crime de responsabilidade”. Muito mais sério se afigura o que a doutrina denomina de “descuido da vertente material” por meio da chamada “tipificação por remissão ou per relationem”. Pela via da legalidade, a tipificação por remissão ou per relationem acrescenta à problemática do impeachment uma questão de legitimidade. Com efeito, a tipificação por remissão – que na seara penal toma a forma de “lei penal em branco” –afeta exigências materiais do princípio da legalidade concernentes à “predeterminação normativa dos ilícitos e das sanções correspondentes” que podem ensejar “vulneração encoberta da reserva de lei”. [47]

34. No mínimo, o mesmo grau de rigor que se cobra relativamente às normas penais em branco é exigível no que concerne à tipificação e imputação do “crime de responsabilidade”. A infração política que acarreta a interrupção da presidência não pode ficar ao sabor – ou ao desagrado ou irritação –de intérpretes que atuam desligados dos critérios dogmáticos próprios “da economia da tipificação” que, desprezados, na prática habilitam estes “intérpretes” a exercerem eles próprios, sem qualquer legitimidade, a potestade regulamentar da tipificação das infrações, em prejuízo das exigências de certeza e suficiente concreção da conduta qualificada como “infração política”.

35. Quando o fenômeno político da proliferação de processos de impeachment é analisado a partir da configuração real dos “processos”, como é o caso daquele a que foi submetido o Presidente Lugo, mas também o “juízo político” que afetou os juízes do tribunal constitucional do Peru – alvo de decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos – a conexão entre práticas de violação da legalidade material e processual torna-se mais evidente. Como, afinal, controlar o exercício legítimo de um processo político se a imputação desconhece os limites da legalidade material? A pretensão, aludida por FERRAJOLI, de excluir da esfera do decidível situações jurídicas de tutela dos direitos fundamentais, torna-se irreal. Da mesma maneira é inexequível a proteção do princípio democrático, pois o respeito às regras do jogo é substituído pelo exercício abusivo de poder por setores descontentes com o governo, que se valem do juízo político como método de desconstituição da vontade majoritária. Neste caso, o processo de impeachment funciona como uma verdadeira “ação rescisória” da vontade popular manifestada nas urnas.

36. Tomando-se em conta, portanto, a ressalva de que os problemas de tipificação da infração política são problemas de legitimidade (política), mas também afetam a configuração do devido processo como método racional-legal de verificação empírica da prática dos atos que, em tese, constituem crime de responsabilidade, o próximo item do parecer será dedicado ao exame das exigências jurídico-políticas relacionadas ao devido processo.

I.B. O devido processo legal e o impeachment

37. Ao apreciar e deferir medida liminar para suspender os efeitos da decisão proferida pelo Presidente da Câmara na Questão de Ordem nº 105/2015, a Ministra ROSA WEBER relembrou os efeitos da conversão da Súmula nº 722 do Supremo Tribunal Federal na Súmula Vinculante nº 46, lavrada nos seguintes termos: “A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são da competência legislativa privativa da União”. [48]

38. Por sua vez, o Ministro TEORI ZAVASCKI deferiu medida liminar em mandado de segurança impetrado pelo Deputado Federal WADIH NEMER DAMOUS FILHO para determinar a suspensão da eficácia do decidido na mesma Questão de Ordem, pois, de acordo com o mencionado Ministro, “... em processo de tamanha magnitude institucional, que põe a juízo o mais elevado cargo do Estado e do Governo da Nação, é pressuposto elementar a observância do devido processo legal, formado e desenvolvido à base de um procedimento cuja validade esteja fora de qualquer dúvida de ordem jurídica”. [49]

39. Em 1998, ainda atuando exclusivamente como Professor de Direito Constitucional, o hoje Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO asseverou que, malgrado a natureza política do processo de impeachment, o procedimento legislativo inerente ao referido “juízo político” não é facultativo, tampouco fungível. Segundo BARROSO, “(B)em ao revés, tem ele caráter vinculado e sujeito à reserva legal absoluta”. [50]

40. A posição acolhida na súmula vinculante, referendada pelos Min.ROSA WEBER e TEORI ZAVASCKI, do Supremo Tribunal Federal, e pelo Professor LUÍS ROBERTO BARROSO exprime a opinião pacífica dos juristas brasileiros de que não cabe ao Presidente da Câmara dos Deputados, tampouco está inserido no âmbito normativo dos regimentos internos das Casas do Congresso, o poder de definir o procedimento a ser adotado no caso de impeachment do Presidente da República. Como é possível extrair das lições de Barroso, neste aspecto vigora a chamada reserva de lei qualificada ou proporcional, justamente porque, à semelhança das restrições ao exercício de direitos fundamentais, a pretensão deduzida no processo de impeachment consiste em afetação do princípio democrático em uma de suas principais facetas. Ingressa-se aqui, como salientado, na esfera do “indecidível”. [51]

41. A lei reitora da matéria é a nº 1.079, de 10 de abril de 1950, a ser aplicada em consonância com as regras constitucionais específicas já referidas neste parecer. A Questão de Ordem nº 105/2015, resolvida de modo singular pelo Presidente da Câmara dos Deputados, ensejou ao Presidente da citada Casa, sob a forma incabível de dúvida, estabelecer ele próprio o rito e definir práticas para o juízo político, em detrimento da segurança jurídica do sistema democrático.Análise distanciada do episódio ocorrido na Sessão de 24 de setembro de 2015, na Câmara dos Deputados, parece confirmar a tese dos cientistas políticos mencionados ao longo deste estudo: regras constitucionais e legais são sistematicamente ignoradas ou violadas em favor do propósito de fazer avançar um julgamento que não se desenvolva conforme parâmetros das “regras do jogo” próprias do impeachment.

42. Pelo ângulo do processo,a tônica da decisão da Questão de Ordem sugere compatibilidade com o esgarçamento da noção de “crime de responsabilidade”, cuja nitidez no caso da consulta resulta do propósito de desconsiderar o elemento temporal para a definição da infração política (fato cometido no curso do mandato e não no mandato anterior). Enquanto a lei de regência do processo de impeachment, em observância ao próprio modelo de controle da plausibilidade da acusação, não prevê recurso da decisão de indeferimento liminar da acusação (em verdade, notícia crime), a decisão do Presidente da Câmara inova e afirma incidente a regra do art. 218, §3º, do Regimento Interno da Casa. Da mesma forma, a decisão pretende impor ritmo acelerado ao procedimento, em particular no que concerne ao parecer preliminar de Comissão Especial (art. 218 do Regimento Interno) em detrimento daquele estabelecido nos arts. 21 e 22 da lei de regência, supostamente porque “a Casa, ao aprovar as alterações no art. 218 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, buscou assimilar ao texto do Regimento os dispositivos legais que ainda encontravam aplicabilidade sob o pálio da Constituição de 1988, razão pela qual é nesse dispositivo que a Presidência buscará amparo para a definição do rito de apreciação da admissibilidade de eventual denúncia por crime de responsabilidade em desfavor do Presidente da República.” (grifo nosso). Releva acrescentar que a despeito de regra específica – art. 19 da Lei nº 1.079/50 – que visa preservar a representatividade partidária e a proporcionalidade da Câmara dos Deputados na comissão especial a ser eleita para a emissão de parecer, a decisão da questão de ordem abre espaço para representantes de “blocos partidários”.

43. Ainda que em medida distinta da observada em outros “juízos políticos” na América Latina que a Corte Interamericana julgou violadores da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a olho nu é inescondível o propósito de reduzir garantias do Presidente acusado e acelerar os atos procedimentais do processo de impeachment, a serem praticados conforme a agenda de uma “crise política” e não de acordo com a maturidade democrática de um calendário definido pela Constituição e pela lei federal parcialmente vigente. Em conformidade com as análises dos cientistas políticos dedicados ao estudo dos recentes “processos políticos” em nosso continente é possível descortinar uma motivação nessa específica manifestação de poder – poder de deixar de aplicar a Constituição e a lei –que não pode ser reconduzida a uma questão de conveniência de procedimentos (o do Regimento é “melhor” que o da lei federal), mas fica melhor caracterizada como mobilização pela “flexibilidade dos mandatos presidenciais” mencionada linhas atrás.

44. A problemática da legalidade, portanto, toca no cerne do princípio democrático e é com base nesta constatação que a dogmática deve oferecer uma solução para, por um lado, assegurar a existência de processos de verificação da responsabilidade política dos mandatários e, por outro, evitar que estes “juízos políticos” transformem-se em instrumentos de “golpe legislativo”, como refere PÉREZ-LIÑAN, ou “golpes de estado encobertos”, como leciona RAFAEL MARTINEZ.

45. Ao investigar as circunstâncias do processo de impeachment do Presidente Lugo, BALBUENA PÉREZ rastreia a estrutura dos “juízos políticos” na região. O exame de caso da Argentina aponta, segundo este autor, para o fato de que, embora a doutrina local reconheça que o “impeachment” não é um “processo penal ou judicial porque se substancia ante um órgão político”, ainda assim deve estar ajustado às regras do devido processo. [52] Na Argentina o “juízo político” se desenvolve perante a Câmara dos Deputados, cabendo a uma Comissão Especial da Casa a investigação das notícias de infração política. Releva notar que à semelhança do que dispõe 86, caput, da Constituição brasileira, a admissibilidade da acusação está condicionada à aprovação de relatório da Comissão Especial por dois terços dos Deputados. Com isso, o Senado converte-se em instância julgadora. De especial – e que importa à consulta – a atividade probatória se ajustará ao disposto no Código de Processo Penal da Nação. [53]

46. Sublinha BALBUENA PÉREZ que “o procedimento para o juízo político na Argentina reveste caracteres de um autêntico processo acusatório que pretende ser garantista, solene e estrito, havendo em conta os altos cargos a que está destinado, já que, ainda que a responsabilidade seja unicamente política, o mecanismo para sua exigência se encontra informado por princípios de defesa, audiência, contraditório, separação de fases instrutórias e de audiência, separação do órgão instrutor e de decisão, período de provas, prazos razoáveis, conhecimento da acusação etc. e em definitivo, sua regulação é a própria de um devido processo, em consonância com o restante das garantias constitucionais, porquanto que o ‘juízo político’ se apresenta como uma garantia para o acusado, que conta sempre com o processo no qual se deverá provar sua culpabilidade e no qual poderá também provar sua inocência a respeito das acusações formuladas”. [54]

47. Mais que compreensível que o processo de impeachment esteja cercado de garantias. É indispensável que assim o seja para assegurar sua validade jurídica e legitimidade política. Como salienta o mesmo BALBUENA PÉREZ o “processo político” é, em primeiro lugar, um “processo”. Por isso, sua aspiração em configurar um dispositivo garantista, democrático, legal e transparente, a reclamar a aplicação das garantias do processo administrativo-sancionador e do penal consistentes na presunção de inocência, audiência, defesa, contraditório, prova, conhecimento das acusações, motivação das decisões, legalidade, irretroatividade etc.[55]

48. A Corte Interamericana de Direitos Humanos deliberou ratificar, no Caso do Tribunal Constitucional (Camba Campos e outros) vs. República do Equador[56], que tratava da cassação de juízes do Tribunal Constitucional e da Corte Suprema de Justiça do Equador por meio de um “juízo político”, o teor da decisão paradigmática de 31 de janeiro de 2001 - Caso do Tribunal Constitucional vs. República do Peru -por meio da qual pronunciou que “se bem o art. 8 da Convenção Americana se intitula ‘Garantias Judiciais’, sua aplicação não se limita aos recursos judiciais em sentido estrito, ‘mas ao conjunto de requisitos que devem ser observados nas instâncias processuais a efeito de que as pessoas possam defender-se adequadamente ante qualquer tipo de ato emanado do Estado que possa afetar seus direitos.’”[57]

49. FRANCISCO JOSÉ EGUIGUREN PRAELI, por sua vez, ao tratar do tema do processo de impeachment no caso do Peru relembra o impacto da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que assentou o entendimento sobre “a exigibilidade de respeito ao devido processo legal em todo tipo de processos, incluindo o parlamentar, e não só nos que se desenvolvem em sede judicial”.[58]

50. Ao decidir pela aplicação das garantias judiciais aos processos de impeachment a Corte Interamericana de Direitos Humanos renovou o entendimento de que o princípio democrático e o modelo republicano de controle do exercício do poder são temas de direitos humanos e estão situados na esfera do inegociável – infungível, para adotar a expressão referida pelo Ministro BARROSO. Vale reproduzir o teor da decisão da Corte no Caso do Equador, com expressa referência à posição do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, para ilustrar a compatibilidade entre as garantias da democracia e as do processo:

182. Sobre o particular, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos assinalou que a exigência de que uma pessoa ‘seja ouvida equitativa, publicamente e dentro de um prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial’ é equiparável ao direito a um ‘processo’ ou a ‘procedimentos judiciais’ justos. A respeito, o Tribunal Europeu desenvolveu o critério segundo o qual um procedimento justo supõe que o órgão encarregado de administrar justiça efetue ‘um exame apropriado das alegações, argumentos e provas aduzidas pelas partes, sem prejuízo das valorações sobre se são relevantes para sua decisão’.207No caso Olujicvs Croácia sobre a tramitação de um procedimento disciplinar contra o Presidente da Corte Suprema da Croácia, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos ressaltou a importância do direito a ser ouvido de maneira equitativa208. Por sua parte, o Comitê de Ministros do Conselho de Europa assinalou também que em procedimentos de destituição é necessário garantir aos juízes ao menos os requisitos do devido processo contidos no Convênio Europeu de Direitos Humanos, inter alia, que o caso seja ouvido dentro de um prazo razoável e o direito a oferecer resposta a qualquer acusação”.[59]

51. Além da conclusão um tanto evidente de que o enquadramento proposto pela Corte Interamericana de Direitos Humanos constitui obstáculo intransponível ao propósito de promover o processo de impeachment com base em regras do Regimento Interno da Câmara dos Deputados – objeção que se traduz na Súmula Vinculante 46 - e não em lei obediente à reserva de lei adequada, outras conclusões decorrem da mesma fonte e definem os critérios de interpretação e aplicação da Lei nº 1.079/50:

1. A estrutura acusatória do processo de impeachment presume instâncias distintas e se orienta pela presunção de inocência;

2. Por isso e porque se trata de procedimento que pode resultar na “interrupção de um mandato presidencial legitimado pela vontade popular manifestada em sufrágio universal”, não cabe seja instaurado com base em notícia crime manifestamente improcedente;[60]

3. O exame da manifesta improcedência configura análise de justa causa para o processo político e, portanto, cingindo-se à cognição não exauriente que está a cargo do Presidente da Câmara dos Deputados, ainda assim deve cumprir a função garantista de filtro e não deve ser admitida imputação por fato que, em tese, não constitui infração política;

4. O dever de assegurar ao Presidente da República o direito à audiência prévia ao despacho de processamento do pedido de impeachment pelo Presidente da Câmara dos Deputados, antes da eleição da comissão especial, caso a denúncia não seja rejeitada liminarmente pelo Presidente da Casa – aplicando-se a regra do art. 4º da Lei nº 8.038/1990.A filtragem constitucional da Lei nº 1.079/50 impõe seja ela, no aspecto atinente ao exercício do direito de defesa (e audiência), aplicada consoante os termos da lei posterior que garante ao acusado a apreciação de suas razões antes da emissão de juízo de admissibilidade, ainda que provisório, da acusação. A Lei Federal nº 8.038/90 cumpre este papel de integração porque tutela de modo efetivo o direito de defesa do Presidente, que igualmente configura garantia do regime republicano-representativo;

5. O dever de garantir o contraditório, a produção das provas, a separação das fases instrutórias e de julgamento,a separação do órgão instrutor e de decisão, os prazos razoáveis e o conhecimento da acusação.

52. De anotar que o caminho procedimental projetado em decisão sobre a referida Questão de Ordem nº 105/2015 é inválido não somente pela razão básica de que não foi definido em atenção à reserva de lei adequada, mas também porque olvidou todos os elementos mencionados acima. Ademais, inova em tema recursal visivelmente em direção oposta à das garantias, ao admitir, hipoteticamente, recurso ao Plenário da decisão de indeferimento liminar da inicial. A medida – que está veiculada na decisão da Questão de Ordem em roupagem simpática – configura talvez a mais grave violação dos princípios constitucionais em jogo porque torna possível um julgamento antecipado e provisório do mérito da causa do impeachment por julgadores contaminados unilateralmente pela versão acusatória.

53. A rigor, desnecessário para a “economia dos argumentos”, no parecer, relembrar que o processo decisório nem sempre está assegurado, relativamente à exigência de que se trate de um juízo racional-legal, pelo mero fato de ser antecedido por outra decisão – a impugnada. A admissão preliminar da denúncia e a eleição da comissão especial demandam que os denunciantes demonstrem que a imputação de prática de infração política não é leviana ou temerária. É perfeitamente possível chegar a uma conclusão provisória equivocada com base tão-somente nos elementos trazidos pelo acusador. A crença sobre a plausibilidade da imputação de crime de responsabilidade formada apenas pela “aparência” de prática da infração não é condizente com a natureza do processo de impeachment de um Presidente da República que tem como lastro para o exercício das suas relevantes funções – as mais importantes do Estado, como ressaltou o Min. TEORI ZAVASCKI –a legitimidade do sufrágio universal.

54. De acordo com DANIEL GONZÁLEZ LAGIER, “provar um fato consiste em mostrar que, à luz das informações que possuímos, está justificado aceitar que esse fato tenha ocorrido”.[61] Trata-se de um tipo de raciocínio com vários elementos nos quais se destaca a relação entre o fato que se quer provar e os elementos de que nos valemos para isso: no campo epistêmico a esse raciocínio denomina-se “inferência probatória”.A conexão entre o fato que se quer provar e os elementos de que nos valemos para isso é de diferentes tipos, que por sua vez variam conforme seu fundamento, finalidade e força. Nem todas as inferências probatórias são epistêmicas, ou seja, nem todas compartilham uma base empírica como fundamento.Não raras vezes, o fundamento é de ordem normativa, justificado por sua finalidade de proteção de valores ou princípios (inferências probatórias normativas). Inferências de ordem normativa, todavia, não cabem em processo de impeachment. Tanto quanto o processo penal, salientou a Corte Interamericana de Direitos Humanos, o “juízo político” é dirigido pela presunção de inocência, cuja função consiste, justamente, em fundar a imposição e aplicação da sanção em um dispositivo probatório.[62]A presunção de inocência é responsável por garantir a incerteza que deve presidir todo o processo sancionador[63], de sorte a constituir uma proibição de desautorização do processo.

55. No âmbito epistemológico o desafio maior consiste em separar as inferências probatórias de natureza epistêmica das crenças, concebendo-se a crença como “um tipo particular de estado mental”.[64]As crenças configuram-se sob a forma de uma proposição que desaloja critérios epistêmicos (condição de verdade) da ordem do verdadeiro ou falso, justificado ou injustificado e racional ou irracional (razões epistêmicas e não epistêmicas – consideração ou observação).Os fatos objeto de prova caracterizam-se como entidades complexas, “que combinam elementos observacionais e teóricos”,[65] que dependem de uma rede de conceitos dirigidos à classificação e interpretação.[66] Por isso,ao tempo em que as exigências relativas à precisão da acusação – definição adequada do “crime de responsabilidade” conforme critérios extraídos da dogmática jurídica e sua adequação aos dados empíricos por meio dos quais se pretende demonstrar a plausibilidade da acusação – estão correlacionadas ao exercício concreto da defesa pelo Presidente da República, também se conectam, em caso de eventual provimento de recurso contra a decisão de rejeição liminar da denúncia, ao direito do acusado de ser julgado com base em provas e não em crenças, usualmente fonte de abuso no exercício do poder. Não é demasiado lembrar que o hipotético provimento de um recurso do gênero caberia, a seguir a linha perspectivada na Questão de Ordem, ao órgão ao qual, em futuro breve, incumbiria o julgamento da acusação para envio ao Senado, com vista ao julgamento.O juízo “contaminado” unilateralmente, do Plenário da Câmara dos Deputados, viola o direito de defesa do Presidente.

56. Por todas essas razões, conclui-se pela exigência de que o processo de impeachment deve ser respeitador do direito a um processo justo (devido processo legal).[67] Um processo de impeachment cujo rito seja definido pelo Regimento Interno da Câmara dos Deputados e não por lei federal que atente para a reserva de lei adequada; que, ademais, admita acusação por fato que manifestamente não configura crime de responsabilidade; que não assegure o direito de defesa do Presidente da República em todas as suas etapas; que beneficie julgamento baseado em inferências probatórias não epistêmicas (crenças formadas unilateralmente), em detrimento do contraditório, não cumpre os requisitos elementares do devido processo legal. A ainda jovem tradição democrática brasileira tem dado provas de que rejeita expedientes dirigidos a solapar a vontade política expressada em sufrágio universal. Tanto no âmbito do Supremo Tribunal Federal, que permanentemente reafirma o império da Constituição e das Leis, como na esfera parlamentar. No estado de direito não se advoga a irresponsabilidade política. A responsabilização política de um Presidente da República, todavia, neste mesmo contexto, não pode ser confundida com o propósito de alguns setores de “substituir presidentes indesejáveis” em um uso inconstitucional nos moldes do “voto de desconfiança parlamentar”. A afirmação da cultura democrática passa pela negação explícita, sem meias palavras, da sua versão antagônica, a cultura autoritária. Como assevera BALBUENA PÉREZ, “a má gestão dos dirigentes políticos tem uma clara consequência que se concretiza no custo eleitoral de suas decisões e gestões no exercício da função governativa”. E “má gestão” nas democracias sempre será uma questão de ponto de vista ou juízo de conveniência.

57. Voltando às indagações formuladas pelo advogado consulente, concluímos o segundo tópico do presente estudo afirmando: (i) aplicam-se ao processo de impeachment as garantias do processo penal e do processo administrativo-sancionador, conforme reiteradamente tem decidido a Corte Interamericana de Direitos Humanos; (ii) cabe ao Presidente da Câmara dos Deputados o exercício do exame prévio de admissibilidade da denúncia de infração político-administrativa com base em critérios de viabilidade da acusação que respeitem: a) os requisitos que a dogmática estipula para a caracterização de crime de responsabilidade, entre os quais o de que o fato constitutivo da infração política deve ser contemporâneo ao mandato em curso; b) a congruência entre o tipo de injusto político imputado e os elementos empíricos apresentados pelo denunciante; c) o exercício do direito de defesa pelo Presidente da República, que está assegurado em todas as etapas do procedimento; (iii) não é cabível recurso ao Plenário da Casa na hipótese de despacho do Presidente da Câmara dos Deputados não recebendo a denúncia de infração político-administrativa,por falta de previsão legal, incompatibilidade com as características excepcionais do processo de impeachment em sua em relação com a legitimidade do Presidente da República que é fruto do sufrágio universal e porque violaria o direito de defesa e a garantia do contraditório.

Parte II – OS CRIMES DE RESPONSABILIDADE

II.A.          A PREVISÃO CONSTITUCIONAL

58. A Constituição brasileira assinala no art. 52, I, competir, privativamente, ao Senado Federal processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, depois de autorizado o respectivo processo por dois terços dos membros da Câmara dos Deputados (art. 51, I). Dando sequência a essa norma, a Carta Magna indicou (art. 85) os atos do Presidente da República que podem caracterizar crimes de responsabilidade, como os que atentem contra a Constituição, especificamente, contra:

I a existência da União;

II o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

III o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV a segurança interna do País;

V a probidade administrativa;

VI a lei orçamentária;

VII o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

A fim de atender ao princípio da legalidade, a própria Constituição estabeleceu no parágrafo único do mesmo art. 85 que: “Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento”.

59. A questão da responsabilidade de chefes e dirigentes de Estado tem sua origem, no Brasil, nos art. 38 e 47, I, da Constituição Imperial de 1824. Esta estatuía competência, respectivamente, à Câmara dos Deputados e ao Senado para admitir a acusação e processar ministros e conselheiros do Estado. Está claro, não se dispunha sobre a responsabilidade do chefe do Poder Executivo, pois este, como Imperador e chefe do Poder Moderador, era inviolável e irresponsável (art. 99).

60. Foi somente com a Constituição Republicana de 1891 que se institui a responsabilização do Presidente da República, por crimes comuns, perante o Supremo Tribunal Federal e de responsabilidade, perante o Senado Federal, depois de, em qualquer caso, a Câmara dos Deputados declarar procedente a acusação (art. 53). O mesmo regime foi observado, em sequência, pelas constituições de 1934 (art. 58), 1946 (arts. 59 e 62), 1967 (art.42 e 44) e 1988 (art. 52, I). Na Constituição de 1937, a competência para o seu processo e julgamento, tanto por crimes de responsabilidade quanto por crimes comuns, era do Conselho Federal, depois de declarada procedente a acusação pela Câmara dos Deputados (art. 86).

61. Atendendo à previsão constitucional, sob a vigência da Constituição de 1946, foi editada a Lei 1.079/50, que definiu os respectivos crimes. Essa lei, ainda que promulgada sob regime jurídico anterior, foi recepcionada, em parte, pela atual Constituição da República, conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal.[68]

II.B. A NATUREZA DA INFRAÇÃO

62. Por tradição, se atribuem, ao Presidente da República, sob a denominação de crimes de responsabilidade, atos infracionais administrativos e políticos, os quais, porém, não se confundem com os crimes comuns. Os chamados crimes de responsabilidade são infrações político-administrativas que afetam exclusivamente agentes políticos. Atendendo às suas características, podem estar classificadas como espécies de infrações contra a ordem pública (Ordnungswidrigkeiten) e não contra a organização administrativa e seus deveres. Convém, então, estabelecer, desde logo, uma distinção no próprio âmbito do direito administrativo sancionador, ao qual pertencem essas infrações, entre infrações tipicamente administrativas, às quais estão afetos os funcionários públicos em geral, em face de descumprimento de deveres específicos de organização, e os crimes de responsabilidade, que, por implicarem um efeito sobre agentes políticos e não, simplesmente, funcionários, congregam normas proibitivas e mandamentais, com caráter penal.

62. A doutrina sempre tergiversou quanto às características e à natureza dessas infrações, ora entendendo que se tratava de infrações puramente contra a ordem jurídica, portanto, como infrações a interesses administrativos,[69] ora como infrações que produziriam efeitos sociais ou políticos específicos, sem qualquer lesão individual ou cultural,[70] ora como infrações a deveres de desobediência.[71] Com essas assertivas, a doutrina sempre buscou e ainda busca ressaltar a autonomia do direito administrativo sancionador, o qual, por isso mesmo, se regeria por princípios diversos daqueles do direito penal.

63. Em uma obra paradigmática sobre esse tema, esclarece MATTES que:

a) Nesse campo, não existe um direito administrativo sancionador autônomo;

b) As infrações administrativas implicam uma lesão ou perigo de lesão a bens jurídicos;

c) Possuem essas infrações a mesma base ética do direito penal;

d) O direito administrativo sancionador constitui uma decantação do direito contravencional.[72]

64. Embora as considerações de MATTES possam parecer desarrazoadas em face do direito brasileiro, que procede à distinção entre crimes comuns e crimes de responsabilidade, merecem elas uma reflexão mais profunda porque demonstram a necessidade de que o direito administrativo sancionador, por implicar graves sanções e, assim, no campo político, até mesmo a ruptura do quadro gerado pela vontade popular, deva também observar rigorosas limitações. Ainda que se reconheça autonomia ao direito administrativo sancionador, suas normas não podem violar os princípios constitucionais relacionados aos fundamentos da determinação de responsabilidade, justamente por causa dos efeitos que provoca sobre a estrutura e o funcionamento global da administração.

65. Os crimes de responsabilidade, portanto, não são infrações administrativas abertas, que possam ser preenchidas por obra da interpretação do agente sancionador. Essa conclusão pode ser sentida pelo próprio texto constitucional, ao impor que os crimes de responsabilidade venham definidos em lei especial (art. 85, parágrafo único), quer dizer, que devam observar, rigorosamente, o princípio da legalidade e seus corolários de taxatividade e lesividade.

66. Tem inteira procedência a assertiva de MATTES, ao dizer que as infrações que integram o direito administrativo sancionador também lesam ou põem em perigo bens jurídicos.[73] Isto porque é inconcebível que se exija a observância do princípio da legalidade, pelo qual os crimes de responsabilidade devem ser definidos em lei, e não se lhes agregue um objeto jurídico determinado a ser protegido, conforme aduz a doutrina tradicional, ou que sirva de parâmetro de lesão para o efeito de justificar e, assim, legitimar suas normas.

67. Atendendo a isso, salienta MITSCH, ao comentar sobre o significado de uma infração administrativa que afeta a ordem pública, que o direito administrativo sancionador, no qual se inserem, em certa medida, os crimes de responsabilidade, trata de estabelecer um controle na relação entre Estado e administrado sobre a base de sua subordinação.[74] Isto quer dizer que, nesse caso, o agente afetado pela sanção administrativa não é tratado em função do exercício de seus direitos individuais, mas, sim, de sua subordinação aos preceitos da administração, no sentido de sua estabilidade.

68. Sob esta perspectiva, pode-se sentir que, por exemplo, ao afastar o Presidente da República, pelo cometimento de crime de responsabilidade, o Senado não o faz como se aquele fosse um simples funcionário que tenha deixado de cumprir qualquer dever inerente ao seu cargo, senão como agente político que tenha cometido um ato grave para a manutenção da estabilidade do próprio Estado ou da ordem jurídica. Nesse aspecto, ao comentar sobre o julgamento do Senado, já observava PONTES DE MIRANDA o seguinte:

“Não há julgamento político, sensu stricto, do Presidente da República. Há julgamento jurídico”.[75]

II.C. A NORMA CRIMINALIZADORA

69. Fazendo-se uma análise dos crimes de responsabilidade e das infrações à ordem pública, pode-se dizer que aqueles constituem uma espécie dessas infrações, imputadas a agentes políticos e não a particulares, mas sob a mesma base de apoio: a subordinação aos preceitos que regem e disciplinam a estabilidade da ordem jurídica e da administração em sua globalidade. Se para as infrações à ordem pública se exigem os mesmos critérios e princípios de imputação do direito penal, com muito mais razão, diante dos efeitos graves que podem provocar suas sanções, esses mesmos critérios e princípios delimitativos devem ser aplicados aos crimes de responsabilidade.[76]

70. No caso brasileiro, em face de serem infrações de alta relevância, que implicam até o impedimento do Presidente da República, os crimes de responsabilidade estão sujeitos, inquestionavelmente, aos mesmos delimitadores relativos às infrações penais. Daí, inclusive, serem chamados de crimes de responsabilidade e não de infrações disciplinares ou administrativas. Nesse sentido, assinala SCHWACKE que lhe são aplicáveis, em primeira linha, por decorrência do princípio da legalidade, os princípios da lei estrita e escrita, da taxatividade, da proibição da analogia e da retroatividade.[77]

71. Pode-se acrescentar que os crimes de responsabilidade estão sujeitos, ainda, aos critérios de imputação objetiva e subjetiva, ou seja, ao controle do aumento do risco para o bem jurídico e da determinação da intensidade subjetiva da conduta do agente, conforme se extraem das normas proibitivas e mandamentais. Portanto, devem subsistir, aqui, os elementos que configuram o injusto penal (tipicidade e antijuridicidade) e a culpabilidade.

72. Na atual constituição social e política, a norma criminalizadora constitui um ato de comunicação entre o Estado e o sujeito, de tal sorte que a precisa descrição das condutas incriminadas não serve apenas para observar a exigência constitucional (art. 85, parágrafo único, CR), senão também para possibilitar ao afetado orientar sua atividade de conformidade com as proibições e determinações legais. A conduta descrita no tipo como proibida ou mandada, ao contrário do que pensava o positivismo do século XIX, que a caracterizava segundo a relação entre meio e fim e, portanto, como forma exclusiva de produção de efeitos por parte do sujeito, é representativa de uma atividade estratégica, a qual se deve subordinar, como conduta social, ao contexto em que é executada.

73. Nesse ponto, a interpretação que se projeta sobre o tipo deve passar, necessariamente, por uma fase cognitiva, na qual se examinem os elementos empíricos e normativos ali referidos, e por uma fase decisória, desenvolvida a partir dos princípios constitucionais e da integridade da ordem jurídica, de modo a afirmar ou negar a legitimidade do procedimento de imputação de responsabilidade.

74. Com uma interpretação desvinculada de uma ação instrumental, são superados o puro nominalismo, que se edificava mediante uma simples exegese na forma de uma jurisprudência de conceitos, o positivismo legal e antropológico e, finalmente, o ontologismo, que daria lugar à busca de um conteúdo universal dos objetos normativos, desvinculados do contexto. Assim, não se pode obter uma perfeita cognição dos elementos desses crimes por análise denotativa sobre seus termos gramaticais ou mesmo conotativa, quando apenas associada a especulações lógicas e sistemáticas.

75. A moderna interpretação deve, necessariamente, compreender a estrutura da conduta também como elemento de um discurso, no qual o Estado se submete ao controle de seus atos por meio de critérios de correção de sua própria legitimidade. Observe-se, ademais, que o significado dos termos empregados na lei corresponde, de certa forma, a uma necessidade de proceder a uma seleção entre as coisas e referenciá-las ao sistema normativo, de tal modo que os destinatários da norma possam empreender um sentido à sua própria vida e orientar, com isso, sua própria conduta. Independentemente de como surgiram os significados, importante será ter em vista que o sentido é um modo de estabelecer uma socialização dos destinatários, pela qual se constituem as relações entre o mundo externo e o mundo interno, entre o mundo privado e o mundo público dentro de sua experiência histórica.[78]

76. A norma criminalizadora, proibitiva ou mandamental, que configura o elemento inicial e de sustentação da incriminação deve encerrar, assim, em primeiro lugar, um discurso que seja o produto de uma deliberação democrática, baseada na aceitação geral, com o resguardo, porém, das manifestações divergentes, ou seja, que constitua o produto de consenso, obtido sem qualquer forma de coação, mas que, ao mesmo tempo, contemple a proteção do dissenso.

77. Deve, em segundo lugar, possibilitar uma interpretação capaz de contemplar a identificação do fato em toda a sua extensão, bem como sedimentar uma decisão final delimitadora dos contornos dos próprios elementos fáticos, com vistas a preservar a integridade da ordem democrática orientada para a proteção dos direitos da pessoa. Embora a norma criminalizadora dos crimes de responsabilidade tenha, em si mesma, pretensão da validade diversa daquela que disciplina a relação entre o Estado e a pessoa, tomada esta última como sujeito portador de direitos, porque visa a estabelecer uma relação de subordinação dos agentes políticos às regras de organização estatal, se lhes estendem também esses mesmos pressupostos. Isto significa que o Estado só poderá exercer seu poder subordinante à medida que assegure aos agentes políticos também seus próprios direitos, mas com vistas à preservação da ordem democrática e da vontade popular.

78. A norma criminalizadora não poderá, assim, inverter seus elementos delimitadores e autorizar a responsabilidade a todo custo dos agentes políticos, unicamente para a satisfação de interesses desvinculados da proteção da ordem constitucional, porque isso infringe os elementos do discurso jurídico ali expressos, os quais são formulados com uma pretensão de validade no sentido de que seus enunciados sejam acatados por todos como instrumentos de solidificação democrática.

79. Justamente para que a norma incriminadora dos tipos dos crimes de responsabilidades possa servir à manutenção da democracia, do Estado de direito e, principalmente, à preservação da vontade popular é que se torna necessária uma concepção estratégica de ação, na qual todos seus elementos devam ser apreciados em face do contexto de sua execução. Isso tem como consequência que o agente político não poderá ser julgado por suas características genéticas, nem por aparência, simpatia ou antipatia, nem por sua concepção de mundo ou convicção política, nem por meio de uma atribuição de responsabilidade causal infinita, mas, unicamente, pelos fatos constitutivos do tipo dos crimes de responsabilidade, interpretados restritivamente. Serão, portanto, incompatíveis com a Constituição todos os crimes, cujos tipos violem o princípio da legalidade e seus corolários de taxatividade, proporcionalidade e idoneidade.

II.D. O TIPO LEGAL

80. O tipo deve conter, assim, todos os elementos que fundamentam o processo de imputação: a) a descrição de uma ação ou omissão; b) a indicação do objeto sobre o qual deverá recair a conduta; c) a relação de causalidade entre a ação e o resultado; d) as circunstâncias que caracterizam a proibição ou a determinação; e) a exata vinculação da conduta e do resultado a um procedimento doloso ou culposo. Todos esses elementos têm como objetivo final traçar as zonas do lícito e do ilícito, nas quais se processam a lesão ou o perigo de lesão aos respectivos bens jurídicos.

81. Os bens jurídicos dos delitos comuns são dados de valor que se incorporam à norma como interesses relevantes do sujeito, os quais servem de parâmetro para identificar, com precisão, as alterações sensíveis da realidade, capazes de legitimar a incriminação. Daí se dizer que toda norma incriminadora tem como pressuposto a lesão ou o perigo de lesão de um bem jurídico. Nos crimes de responsabilidade, ao contrário dos crimes comuns, os bens jurídicos não são, essencialmente, bens da pessoa, mas bens que se integram à ordem democrática e ao Estado de direito. São bens, portanto, cuja identificação como objetos de lesão só pode ser obtida mediante uma avaliação da estrutura da Constituição. A Constituição brasileira estabelece como fundamentos do Estado democrático de direito a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político (art. 1º, da CR). A identificação dos bens jurídicos deve resultar, assim, desses parâmetros e ainda das tarefas cometidas ao Estado e indicadas como seus objetivos (art. 3º, da CR), de construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

82. Uma vez identificado o bem jurídico, o tipo é preenchido, inicialmente, com a prática da ação nele descrita e sua relação com o resultado. A partir do instante em que se exige uma alteração sensível do bem jurídico para legitimar a incriminação, todos os crimes de responsabilidade têm resultado, escrito ou não escrito. Ademais, não basta para a determinação da responsabilidade que se afirme haver a conduta do sujeito causado o resultado proibido. Será preciso avaliar se essa conduta, além disso, aumentou ou não o risco de produção desse resultado. Nesse ponto, são relevantes todas as ponderações em torno das características do risco autorizado, de sua extensão e de seus limites.

83. Em se tratando de infrações relacionadas a atos de administração, deve haver uma tolerância quanto às linhas demarcadoras do risco. Uma conduta que, praticada por um particular, poderia implicar a execução de uma ação acima do risco autorizado, pode não o ser quando atribuída a um agente político, principalmente quando se têm em vista atividades que envolvem a globalidade da administração.

84. Poder-se-á dizer que os limites do risco autorizado serão mais rígidos quando se trate de violações a direitos individuais da pessoa, quando, então, não estará em jogo o simples poder de administrar, mas, sim, unicamente um poder de polícia, o qual deverá ser disciplinado à luz das garantias constitucionais asseguradas aos cidadãos. Os limites do risco dos agentes públicos em face dos governados têm que ser, aqui, bem delineados para não possibilitar ou ampliar o poder de intervenção pessoal, sob o risco de violação de direitos fundamentais.

85. O governo não pode impor, por exemplo, deveres genéricos aos governados e submetê-los à pena criminal em caso de descumprimento, porque isso viola sua autodeterminação, como condição de sua própria liberdade, cuja restrição, então, não estaria legitimada. Por outro lado, não poderá violar direitos fundamentais, mediante proibições genéricas, sem que haja uma estrita autorização para que o faça, com a clara e idônea atribuição da respectiva conduta proibida. Essa delimitação do risco autorizado é bem mais expressiva, quando se observa a disciplina constitucional para a decretação dos estados de defesa e de sítio, que implicam sérias restrições de direitos individuais, mas que deverão ter a aprovação do Congresso (arts. 136, § 4º e 137).

86. Por conseguinte, quando a própria Constituição passa a autorizar uma violação dos limites do poder de intervenção sobre a pessoa, a ser exercido pelo Presidente da República, ainda, assim, o faz mediante o controle do Congresso Nacional, o que indica que, em condições normais, toda forma de intervenção pessoal, com violação de direitos fundamentais, tem que se submeter a uma rígida disciplina. Nesse ponto, o Estado democrático de direito não pode tergiversar: exige dos agentes políticos uma estrita e rigorosa observância da legalidade e dos limites estritos do risco autorizado.

87. Assim, os agentes políticos não podem ultrapassar os limites estritos do risco autorizado quando se trate de intervenção sobre direitos individuais, tais como, o direito de liberdade, de sigilo de correspondência, de telefonia ou de dados, de reunião e manifestação, de aceder ao Judiciário e usar dos recursos para sua defesa, de liberdade de cátedra, de não ser preso senão em flagrante ou por ordem escrita da autoridade judicial competente, o direito de propriedade e outros previstos na Constituição.

88. A observância estrita dos limites impostos ao poder de intervenção sobre as pessoas privadas constitui o cerne da democracia. Sua desconsideração por parte dos governantes, não apenas do executivo, mas também do legislativo e do judiciário destrói o Estado de Direito e viola a própria essência da Constituição, a qual, na modernidade, não pode ser vista como produto de um simples contrato imaginário, mas, sim, agora, como um ato legislativo que congregue todos os cidadãos como seus necessários participantes.[79]

89. Isso significa que o legislativo não pode regular a vida de todos os cidadãos como se fossem máquinas de produção, conforme seus interesses políticos, nem o executivo deve se vincular a esse tipo de procedimento, pondo em marcha seus aparelhos repressores de plantão, nem o judiciário por meio de uma exegese primária a coonestar o arbítrio. GRIMM, que foi Juiz da Corte Constitucional da Alemanha e professor catedrático de Direito Constitucional na Universidade de Frankfurt, bem alertou que tal forma de se conduzir dos poderes constituídos é uma manifestação de irracionalidade, a pôr a reboque todos os direitos fundamentais conquistados ao longo dos tempos.[80]

90. GRIMM reconhece, no entanto, que as tarefas do Estado moderno foram muito ampliadas, o que impõe aos próprios governantes uma tarefa bem diversificada. Ao mesmo tempo em que devam manter uma estrita observância dos limites do poder de intervenção sobre as pessoas, devem perseguir, no âmbito administrativo, outros objetivos, que os impelem à criação de outros instrumentários estatais.[81]

91. Afora os atos de império, típicos da administração, o Estado contempla também atos de negociação, adequados a servirem de novos elementos de consecução de sua política. Essa reestruturação do Estado, não mais sob a forma do modelo liberal passivo, mas, sim, agora como propulsor de desenvolvimento, impõe outras formas de administração, às vezes mais arriscadas do que de costume. Entretanto, como assinala GRIMM, esses atos administrativos, em face de sua própria estrutura, objetivos e disciplina, não requerem mais uma prévia submissão ao Parlamento: “O Parlamento encontra-se em uma situação de ratificação, assemelhada àquela da resolução acerca dos tratados internacionais”.[82]

92. Assim, no que toca à prática administrativa, que envolve relação entre Estado e agentes políticos e não entre Estado e pessoa individual, o governo pode, por exemplo, desenvolver uma política econômica ou fiscal mais arrojada do que a recomendada, mas nem por isso estará atuando fora do risco autorizado. Quer dizer, então, quanto aos crimes de responsabilidade, que só haverá imputação de responsabilidade quando a atividade do agente político puser em alto risco a ordem administrativa e a democracia, centrada na própria Constituição e seus elementos específicos:a integridade territorial do país, a separação e independência dos poderes, a preservação dos direitos políticos, individuais e sociais, a incolumidade pública, o sufrágio universal e o processo eleitoral, a preservação de um Estado de direito, vinculado à disciplina e execução das leis, entre outros. Não será, assim, qualquer risco que pode fundamentar a responsabilidade do Presidente por seus atos arrojados, mas somente o risco altamente relevante.

93. Convém proceder também, aqui, à distinção entre risco e perigo. Considera-se perigo qualquer situação que se caracterize por uma probabilidade de dano. A vida, em geral, contém muitos perigos: de acidentes, de enfermidades, de calamidades, de incêndio, de explosão, de desestabilidade econômica e financeira, de desemprego, de desentendimentos pessoais ou de rechaço social. Há quantidade quase que incalculável de formas de perigo, até porque sua própria noção, a partir da aplicação do critério da probabilidade, implica um desenvolvimento progressivo de sua ocorrência.

94. Ao contrário disso, haverá risco quando haja uma manifesta exposição ao perigo.Qualquer um pode ser acometido de uma enfermidade, portanto, estar sujeito ao perigo de doença, embora seja saudável. Mas estará sob o risco de uma enfermidade quando se exponha ao seu contágio. Um motorista que dirige numa rodovia de tráfego intenso, com pneus novos e com observância de todas as regras corretas de direção, está sujeito, de qualquer forma, ao perigo de que, durante o trajeto, venha a derrapar quando transite por sobre pista molhada; estará, por outro lado, sob risco de que isso ocorra, quando dirija com pneus gastos. Em ambos os casos, sob chuva, haverá perigo de derrapagem, mas só no segundo é que, em face da exposição, ocorrerá o risco desse acontecimento. A diferenciação é muito importante, porque somente a violação do risco não autorizado pode fundamentar a imputação de responsabilidade individual.

95. O mesmo ocorre nos crimes de responsabilidade, mas, aqui, com uma importante condição: somente o risco elevado da produção do evento pode justificar a afirmação de que o fato fora obra exclusiva do Presidente. É que nos atos político-administrativos, vigora, antes de tudo, a busca pelo bem comum e não por benefício pessoal. Como assinala OFFE, “a finalidade política do bem comum é atributo de uma síntese de valores da modernidade e da justiça, ou seja, da qualidade moral. Por isso se diferencia o bem comum (bonum comune) dos estados agregados de valores intencionais que podem resultar da busca inteligente de interesses individuais, portanto, alguma coisa relacionada a bens coletivos, estratégias globais positivas e negociações equilibradas”.[83] Em vista disso, a própria Constituição, ao consignar os tópicos relativos aos crimes de responsabilidade, não os instituiu como qualquer infração, mas, sim, somente como infrações à Constituição.

96. Os tópicos constantes dos incisos do art. 85 da Constituição, por conseguinte, estão subordinados ao que conste do caput desse artigo, ou seja, à violação da Constituição e devem ser interpretados restritivamente e não aos moldes dos dispositivos das leis infraconstitucionais. Ainda que o atentado, por exemplo, à lei orçamentária esteja subordinado a um preceito legal, isso não implica que produza sempre a responsabilidade do Presidente.

97. Então, mais uma vez, se manifesta a necessidade de se eliminar do âmbito da interpretação o conceito de ação instrumental, ou seja, daquela que está fixada exclusivamente a um modelo causal, no qual será importante apenas a relação entre meio e fim. A análise, assim, da atividade administrativa não pode prescindir do exame do contexto, em que irá se desenvolver. Isso se dá sob dois planos: inicialmente, sob um plano comunicativo pragmático, no qual se deva avaliar se foram atendidas as regras impostas pelo regime democrático, expressas por um discurso racional; depois, em face de uma ação estratégica, como componente necessário do tipo a identificar até que ponto e em que medida foi excedido o risco autorizado.

98. A ação estratégica é aquela na qual sua realização não se vincula diretamente a um resultado, mas, sim, à atitude dos demais e também às regras que disciplinam sua execução. No campo político-administrativo, a ação estratégica será aquela que se desenvolve em torno das atividades que digam respeito ao exercício do governo no âmbito do que dispõe a Constituição. Como ato de governo, a ação estratégica não segue uma forma linear, nem pode ser classificada ou avaliada segundo único parâmetro.

99. Conforme os conflitos existentes no campo político e administrativo, devem variar as respectivas ações. Dai dizer FORST que “O mundo normativo não se desintegra numa multiplicidade heterogênea de esferas de valor incompatíveis, mas também não está ordenado de forma linear no sentido único. Existe a possibilidade de conflitos tanto no interior dos quanto entre os contextos práticos (Nagel, 1979, p. 134). Uma interpretação intersubjetiva de todas as esferas de questões práticas sobre o que é bom para mim, o que é exigido pelo direito, o que é politicamente justificado para nós e o que é moralmente correto para todos não assume que as respostas que possam ser dadas nesses planos e particularmente entre eles tenham de estar necessariamente em acordo entre si”.[84]

100Portanto, nem sempre devem coincidir os propósitos do executivo e do legislativo, o que não implica considerar que o dirigente administrativo, seja presidente ou primeiro ministro, tenha excedido os limites do risco autorizado. Não será o Parlamento, assim, o detentor dos critérios de delimitação do risco, mas, sim, o que consta na Constituição e nas leis que a regulamentam, em face dos objetivos do próprio regime democrático, que deve ser orientado, como se disse, para o bem comum e não para interesses partidários. Ressalte-se que as formas de entendimento acerca dos projetos de governo nem sempre podem ser congregadas em determinada unidade, oponível a qualquer outra alteração.

101. Interpretando como o Estado moderno enfrenta essas questões, leciona ARNASON que a “unidade da compreensão culturalmente codificada do mundo, bem como a forma de entendimento institucionalizada não pode ser confundida, certamente, com uma harmonia não conflitiva. Aos influxos essenciais do mundo moderno pertence, como assinala HABERMAS, um espaço de atuação para interpretações divergentes e contraditórias, que codeterminam também o desenvolvimento dos movimentos sociais”.[85] Assim, os riscos que o governo assume podem ser compreendidos dentro de uma escala saudável de atuação, capaz de refletir projetos políticos essenciais voltados à população mais necessitada, nem sempre coincidentes com aqueles da oposição ou das elites.

102. Nesse sentido, pode-se partir do próprio conceito jurídico-penal de risco autorizado, como sendo aquele que “se mantém no âmbito dos riscos gerais, por conseguinte, tolerados pela sociedade e vistos como socialmente adequados”.[86] Assim, serão riscos autorizados, para o efeito da responsabilidade administrativa dos governantes políticos, aqueles que se situam dentro do âmbito adequado ao exercício do poder democrático, sob a égide de respeito e proteção dos cidadãos. Incluem-se nesse risco autorizado o que se denomina de risco geral da vida,[87] que é aquele inerente ao próprio exercício da administração.

103. Por outro lado, para a imputação de responsabilidade não basta que o risco tenha sido violado. Pode ser que essa violação tenha se dado para evitar mal maior, decorrente do próprio contexto no qual se executa a ação de governo. Se, assim, o Presidente deixar de cumprir uma decisão judicial de desapropriação para evitar que, diante de sua estrita aplicação, seja posta em perigo direto a vida ou a saúde dos cidadãos afetados pelo ato judicial, não lhe será imputada a responsabilidade por tal descumprimento, ainda que, com isso, se tenha violado o risco autorizado e produzido um resultado de prejuízo ao dono do prédio desapropriado.

104. Poder-se-ia falar, aqui, de estado de necessidade, mas como a intervenção do governo se deu no mesmo contexto da execução da decisão judicial e não criou outra cadeia causal e nem afetou outro bem jurídico, senão aquele mesmo inserido no ato judicial, deve ser, na verdade, afastada a própria tipicidade da conduta por aplicação do princípio da diminuição do risco. O princípio da diminuição do risco está muito mais afeto a casos relacionados a delitos comissivos, mas nada obsta a que se aplique também à omissão ou aos crimes de responsabilidade.

105. É insuficiente para a imputação de responsabilidade que o risco desautorizado tenha sido violado ou aumentado. Aqui, é necessário que a ação arriscada se tenha também exaurido no resultado produzido, ou seja, que o resultado tenha decorrido da violação do risco. Mas isso pode não ocorrer. Pode, assim, haver uma ação arriscada e esta não se exaurir no resultado, conforme os seguintes casos: a) em decorrência de cursos causais atípicos;b) pelos fins de proteção da norma; c) pela impossibilidade de impedir o resultado com uma conduta adequada ao risco autorizado; d) por situações que se situem fora do tipo de delito.[88]Esses são casos típicos de exclusão da imputação para os crimes comuns, principalmente daqueles que envolvem lesão de bens jurídicos pessoais. Nos crimes de responsabilidade, cujos objetos se referem à política estatal e a atos de administração, relevante será a questão relativa aos fins de proteção da norma e à inocuidade da realização de condutas ajustadas aos limites do risco.

106. Os fins de proteção da norma dizem respeito àqueles preceitos que regulam diretamente a atividade administrativa e dão base ao exercício do poder político. A infração a esses preceitos fornecerá a base para configurar as ações disciplinadas na Lei nº 1.079/50, que define os crimes de responsabilidade, conforme previsão contida no art. 85 da Constituição. Como essas normas são editadas, muitas vezes, pelo próprio poder executivo, somente uma análise percuciente de seu conteúdo poderá delinear os limites do risco assumido.

107. Deve-se, porém, desde logo asseverar que a lei ordinária, ao definir os crimes de responsabilidade, não pode ultrapassar os limites impostos no art. 85 da Constituição. São, assim, inconstitucionais as reformas introduzidas no art. 10 da Lei nº 1.079/50, especificamente nos acréscimos dos incisos 5 a 12, nos quais se confunde entre infração das normas da lei orçamentária e das normas da lei de responsabilidade fiscal. Conforme se pode ver, nitidamente, do art. 85 da Constituição, esta apenas contemplou, como crimes de responsabilidade, as infrações à lei orçamentária, mas não infrações à lei de responsabilidade fiscal.

108. Na sua redação originária, a Lei nº 1.079/50 previa como crimes de responsabilidade, no que toca ao orçamento, a omissão de apresentar a proposta de orçamento ao Congresso Nacional dentro dos primeiros dois meses de cada sessão legislativa (art. 10, inciso 1), exceder ou transportar, sem autorização legal, as verbas do orçamento (art. 10, inciso 2), realizar o estorno de verbas (art. 10, inciso 3) e infringir, patentemente, ou de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária (art. 10, inciso 4). Essas são típicas infrações ao orçamento, conforme dispõe o art. 85, VI, da Constituição. Por outra parte, não podem os novos incisos de 5 a 12, que foram acrescidos ao art. 10 da Lei 1.079/50 e que tratam, tipicamente, de infrações à lei de responsabilidade fiscal, se compatibilizarem com esse art. 85, VI, da Constituição.

109. De modo mais específico, o ato do Presidente que ofenda a lei orçamentária (art. 85, inciso VI, da CR), para configurar conduta passível de imputação de crime de responsabilidade, deve também representar um atentado à Constituição. Essa interpretação resulta dos limites textuais do dispositivo constitucional. Desse modo, quando a Constituição afirma que a violação à lei orçamentária constitui hipótese de responsabilização do Presidente da República (inciso VI), o faz sob o regime jurídico previsto na cabeça do art. 85, a significar que somente a ofensa grave – atentado – às leis orçamentárias previstas na Constituição autorizam cogitar do impedimento do Presidente. Não fosse assim, a violação a normas meramente infraconstitucionais, sem assento constitucional, conduziria à afirmação da prática de crime de responsabilidade, o que evidentemente não se admite à luz da literalidade do art. 85. As leis orçamentárias, por sua vez, são apenas três: o plano plurianual, a lei de diretrizes orçamentárias e a lei orçamentária anual (art. 165, da CR). Essas leis condensam as escolhas mais importantes na democracia brasileira e resultam da soma das vontades do Executivo e do Legislativo, tudo em ordem a conferir maior legitimidade às decisões sobre onde e como aplicar os recursos públicos. A lei de responsabilidade fiscal, cuja existência não decorre de expressa previsão constitucional, realiza funções instrumentais em relação às leis orçamentárias previstas na Constituição, mas com elas não se confunde.

110. Igualmente, a infração à lei de responsabilidade fiscal não pode corresponder ao inciso VII, do art. 85, da Constituição. Este dispositivo não diz respeito a qualquer infração legal, mas, sim, ao descumprimento generalizado das leis e das decisões judiciais. Não será, portanto, crime de responsabilidade descumprir uma lei, mas, sim, as leis em geral, de tal sorte a instituir no Estado uma completa anomia. Até porque o descumprimento de uma lei não implica a destruição do regime legal, nem um atentado ao regime que ponha em risco a democracia e o Estado de direito. Pode ser que o governo tenha que retardar o cumprimento de uma lei para poder ajustar a máquina administrativa ao seu conteúdo e pode ser também que a deixe de cumprir porque a qualifique como inconstitucional. Neste último caso, é mais do que visível a opção no sentido de cumprir a norma que apresente, hierarquicamente, maior força cogente do que a norma ordinária, ainda que vigente, qual seja, a norma constitucional.

111. Como toda norma que encerra a previsão de condutas proibidas, aquelas dos crimes de responsabilidade podem comportar atuação dolosa e culposa. A Constituição não indica, de forma clara, que essas infrações possam ser também culposas, o que implica considerar a necessidade de sua limitação. Vale dizer, somente haverá infração culposa quando a própria definição da ação típica dispuser nesse sentido. Mas isso não pode ser obra do intérprete, senão de uma previsão expressa, conforme a técnica acolhida no Código Penal e imposta pela tradição desde a substituição de crimen culpae por crimina culposum. Ademais, a descrição da conduta deve conter os indicadores dos delitos culposos: a infração à norma de cuidado e o respectivo processo de imputação.

112. Já no que toca aos crimes omissivos a situação é mais complexa. Pode-se ver que a Lei nº 1.079/50 contemplou formas omissivas de conduta (art. 5º, inciso 9; art. 8º, incisos 5 e 8; art. 9º, incisos 1, 2 e 3), todas constitutivas de crimes omissivos próprios. Quando quis atribuir a responsabilidade por não impedir a prática de crimes contra a segurança interna do país, não o fez na forma de crime omissivo impróprio, mas como crime omissivo próprio (art. 8•, inciso 5), o que está a indicar que, por sua sistemática, diversamente do que ocorre no Código Penal (art. 13, § 2º), os crimes de responsabilidade por omissão só se expressam na forma de crimes omissivos próprios, ou seja, aqueles cuja omissão vem definida como tal na mesma lei.

113. Para que haja crime omissivo impróprio é necessário não apenas o descumprimento de um dever especial de impedir o resultado, nas hipóteses em que o agente podia agir, mas também que a omissão se equipare à ação, isto é, que a produção do resultado por omissão possa ser imputada ao agente como se fora por ação. Tal só se pode dar naqueles casos em que a atuação do agente é de tal ordem necessária e imprescindível ao resguardo do bem jurídico que a produção do resultado lhe possa ser imputado como se ele mesmo o tivesse causado por ação. Esses casos só podem ocorrer, porém, quando se trate de atentados a bens pessoais, como a vida, a integridade física ou a liberdade, nos quais a falta de ação acarreta, desde logo, o desencadear da causalidade, apta a produzir o resultado. A mãe que deixa de fornecer alimento ao filho recém-nascido poderá ser responsabilizada por sua morte por inanição porque é iniludível a relevância de sua atuação para impedi-la, ainda que não tenha atuado diretamente sobre a causalidade. Nesse caso, sem dúvida, a omissão se equipara à ação. O mesmo não se pode dizer, porém, quando se trate de omissão administrativa. Isso vale tanto para os crimes de responsabilidade, quanto para os delitos comuns. Ademais, como se pode ver da leitura do art. 38 da Lei nº 1.079/50, o Código Penal não lhe é legislação subsidiária. Portanto, são inaplicáveis, aqui, as normas que disciplinam a posição de garantidor (art. 13, § 2ª, do CP). A aplicação dessas normas aos crimes de responsabilidade viola o princípio da legalidade.

114. Procedendo-se, além disso, a um exame da Lei nº 1.079/50, pode-se ver, sem maiores especulações, que alguns de seus dispositivos são incompatíveis com a Constituição, por violarem o princípio da legalidade. O princípio da legalidade exige, como se sabe, uma definição de conduta com elementos capazes de orientar a atividade do seu destinatário. Isso só será possível quando a definição indique, não apenas, o enunciado genérico de uma vontade legislatória, senão, expressamente, os elementos ou dados empíricos que possam servir de base para a proibição ou a determinação.

115. Assim ocorre nos crimes definidos nos arts. 5º, inciso 6; 7º, inciso 6; 8º, inciso 7; 9º, inciso 7. Em todos esses dispositivos não há uma descrição de condutas com indicação precisa de seus elementos constitutivos e de seus limites.

116. No art. 5º, inciso 6, atribui-se, como crime de responsabilidade, a conduta de “celebrar tratados, convenções ou ajustes que comprometam a dignidade da nação”. Primeiramente, é discutível se uma nação possui dignidade. O conceito de dignidade, que advém da fórmula kantiana do segundo imperativo categórico, é atributo da pessoa individual e não de um Estado ou nação. Sua inserção no direito moderno teve por objetivo a limitação do poder de intervenção do Estado sobre os direitos da pessoa, como um freio ao emprego de violência ou persecução arbitrária dos governantes contra os cidadãos. Dessa forma, a definição de dignidade nacional não comporta a identificação de elementos capazes de sedimentar um juízo objetivo sobre sua lesão.

117. O art. 7º, inciso 6, no qual se se lê, como conduta proibida, “subverter ou tentar subverter por meios violentos a ordem política e social”, corresponde ao velho, velhíssimo enunciado autoritário, contido no art. 113, inciso 9, da Constituição de 1934, depois incorporada ao art. 43, parágrafo único, da Constituição de 1937, que deu azo à perseguição política pelo Tribunal de Segurança Nacional e, mais tarde, à repressão aos inimigos políticos da ditadura de 1964 a 1985. Acerca dessa indeterminação do que constitua “subverter a ordem política e social”, adverte HELENO FRAGOSO que se trata de uma incriminação vaga, própria dos regimes totalitários. “A incriminação vaga – diz ele – atinge o princípio da reserva legal e, comumente, torna a lei inaplicável pela indeterminação de seu conteúdo”.[89]

118. Também indeterminado é o conteúdo do art. 8º, inciso 7, que se exprime como “permitir, de forma expressa ou tácita, a infração de lei federal de ordem pública”. Ademais da indefinição do que constitua lei de ordem pública, uma vez que, em geral, todas as leis federais são de ordem pública no âmbito da respectiva matéria que disciplinam, ainda há que esclarecer de que forma se pode permitir, de modo tácito, a infração dessas leis.

119. Finalmente, pior do que seus antecessores é o disposto no art. 9º, inciso 7: “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”. Da mesma forma do que se disse acerca do inciso 6, do art. 5º, não há dignidade, nem honra, nem decoro de cargo. A dignidade, a honra e o decoro são atributos pessoais e não de órgãos. Por outro lado, mesmo que se admitisse que os cargos tivessem dignidade, honra e decoro, a lei não esclarece – e deveria esclarecer – de que modo o comportamento do Presidente da República poderia ser qualificado como incompatível com tais atributos de qualidade.

120. Como garantia de uma relação transparente entre o Estado e a pessoa afetada pela incriminação, a Constituição da Alemanha (GG), veda, expressamente, no seu art. 103, (2), a incriminação indeterminada. Sobre isso, assim se manifesta ROXIN: “Uma disposição penal que enunciasse dessa forma: “Quem, de modo insuportável, atentar contra o bem comum será punido com pena privativa de liberdade até cinco anos” tornaria supérfluos inúmeros parágrafos do Código Penal. Ela seria, porém, nula, porque não possibilitaria reconhecer como a conduta punível devesse ser empreendida. A punibilidade não estaria determinada, pois somente o juiz deveria fixar qual conduta, de modo insuportável, atentaria contra o bem comum”.[90]Atendendo às características de indeterminação desse tipo de crime na Itália, assim se manifesta MANTOVANI: “A doutrina italiana prevalente, sensibilizada quanto ao problema constitucional da taxatividade, está, ao revés, se orientando, como a doutrina alemã, no sentido de uma interpretação mais rigorosa do princípio, mostrando-se propensa a considerar inconstitucional o tipo indeterminado”.[91]

II.E. O DOMÍNIO DO FATO

121. O dirigente do governo não pode ser responsabilizado por todas infrações cometidas por seus subordinados. Diga-se de passagem, é completamente desarrazoada a invocação, para tanto, da chamada teoria do domínio do fato. Em primeiro lugar, a teoria do domínio do fato não se aplica às omissões; em segundo lugar, pela teoria do domínio do fato o dirigente só poderá ser autor do fato quanto atuar diretamente sobre sua execução. Mas para ser instigador ou cúmplice deverá ter dado a ordem ou efetivamente colaborado para a execução do fato. Fora disso, é mera especulação, sem qualquer respaldo jurídico.

122. Para dirimir dúvidas quanto à caracterização da coautoria, mais do que significativa será a palavra de ROXIN: “A necessidade de uma atuação em divisão de trabalho no estágio de execução, como pressuposto da coautoria, decorre do princípio fundamental do domínio do fato. Não se pode dominar a realização do tipo quando não se esteja ali presente ou não se verifiquem as exigências da autoria mediata. Apenas quem represente um papel expressivo na execução pode dominá-la. Aquele que, no estágio dos atos preparatórios, contribua de forma importante para o fato, mas deixe sua execução a cargo de outro, tira o fato de suas mãos e renuncia – salvo nos casos de autoria mediata – ao seu domínio.”[92]

123Portanto, para caracterizar a coautoria não basta que o agente tenha participado da preparação do delito. Independentemente, assim, de se analisar o elemento subjetivo dessa coautoria, se o agente não participa da execução não será coautor. Ademais, ainda acrescenta ROXIN que a contribuição do agente na execução tem que ser relevante. Mesmo que o agente participe da execução ou nela esteja presente, não será coautor se essa sua participação não for relevante para a repartição funcional do trabalho. Diz ROXIN: “A contribuição para o fato no estágio da execução deve, além disso, ser relevante, que se quiser fundar uma coautoria.”[93]

124. Em relação à instigação, o agente deve determinar o autor (executor) para o fato. Não é suficiente, assim, mera apologia do fato, nem sua participação em um empreendimento. Sobre isso diz ROXIN: “ Isso significa, inicialmente, que ele deve ser causal para a resolução do autor para o fato, ainda que seja suficiente uma cocausalidade. Não é possível uma instigação, portanto, quando o mandatário já estiver decidido para o fato, quando seja um omnimodo facturus.”[94] Para que haja instigação, o instigador deve saber que o mandatário já não se tenha decidido para o fato. Como, aqui, não se trata de uma causalidade material, senão uma causalidade psíquica, só nessa situação se poderá reconhecer, justamente, sua contribuição causal para o delito.

125. Da mesma forma, na cumplicidade se exige uma contribuição causal para o fato, além da vontade de colaborar na obra de outrem. Além do mais, a cumplicidade só se pode dar, como na instigação, em relação a fatos determinados, não há cumplicidade genérica. ROXIN acrescenta ainda dois outros requisitos: que a colaboração tenha aumentado o risco da produção do resultado e que o cúmplice saiba exatamente o que o autor pretende.

126. Diz ROXIN: “Uma cocausalidade no sentido de uma influência sobre a forma e o modo concreto da realização do tipo é, para a cumplicidade, na verdade, necessária, mas não é suficiente. (...) A aplicação do princípio do aumento do risco na cumplicidade decorre do fundamento penal da participação: porque somente quem, dolosamente, melhore as chances do autor e aumente o risco da vítima é quem assume uma autônoma agressão ao bem jurídico.”[95] Do mesmo modo, mais adiante: “De qualquer forma, a cumplicidade pressupõe que o aumento das chances esteja presente até o estágio da consumação.”[96]

127. 127. Já em relação ao dolo do cúmplice leciona ROXIN: “De qualquer modo, a jurisprudência exige que o cúmplice tenha um dolo de promoção (fomento) no sentido de que sua contribuição deve ser tomada como útil pelo autor.”[97] Portanto, mesmo que o dirigente do governo tenha dado, conscientemente, uma contribuição causal para o fato, é indispensável que essa contribuição seja idônea, isto é, tenha sido acolhida pelo executor como uma contribuição relevante.

128. Além das hipóteses de coautoria, instigação e cumplicidade, a doutrina também contempla, como forma de participação punível, a autoria mediata. A tese da autoria mediata, que foi, inclusive, combatida no Brasil por NELSON HUNGRIA, que a considerava incompatível com a regra contida no originário art. 25 do Código Penal, é hoje reconhecida pela doutrina, mas apresenta certas particularidades, principalmente em face da chamada autoria mediata por força de aparelhos organizados de poder.

129. Essa figura foi criada por ROXINem 1963, em publicação no Goltdammer’s Archiv, sob o título “StraftatenimRahmenorganisatorischerMachtapparate” (Fatos puníveis no âmbito de aparelhos organizados de poder), mais tarde desenvolvida em sua tese de habilitação “TäterschaftundTatherrschaft” (Autoria e domínio do fato) e, finalmente, revista e complementada em artigo publicado em 2012 no Goltdammer’s Archiv, sob o título “ZurneuestenDiskussionüber die Organisationsherrschaft” (Para a mais recente discussão acerca do domínio de organização).

130. Esse caso especial de autoria mediata foi concebido para enquadrar, dogmaticamente, como autor e não como partícipe, aquele que, no comando ou direção, do governo da Alemanha Oriental, tivesse contribuído para os homicídios praticados pelos guardas de fronteira em face de fugitivos do regime. Pela forma empregada, tal formulação seria aplicável aos crimes realizados nos campos de concentração nazista e também àqueles praticados durante o regime estalinista na antiga União Soviética. Portanto, a figura da autoria mediata decorrente de aparelhos organizados de poder foi originariamente pensada para situações típicas de regimes autoritários.

131. Assim, o dirigente da Alemanha Oriental, embora não tivesse participado da execução dos homicídios de fronteira, e nem houvesse uma demonstração de que os tivesse diretamente instigado ou auxiliado, responderia por autoria mediata, por integrar, como protagonista principal, um regime autoritário, no qual vigorava uma ordem interna rígida e vinculante, hierarquicamente estruturada e, nos casos específicos, contrário à ordem jurídica e aos pactos jurídicos internacionais.

132. ROXIN enumera os seguintes pressupostos para que tal forma de autoria mediata possa ser reconhecida: a) o autor mediato deve exercer no âmbito da organização um poder de comando; b) a organização, em face das atividades jurídico-penalmente relevantes, deve ter-se desligado do direito; c) os executores diretos devem ser fungíveis, de modo que possam ser substituídos anonimamente por qualquer outro; d) a alta relevância da disponibilidade dos autores diretos de executarem o fato.[98]

133. Esses quatro requisitos não são autônomos e, segundo ROXIN, produzem uma elevada inclinação para o fato por parte dos executores diretos, porque a determinação difusa, exercida no âmbito da organização de poder, conduz a um assentimento forçado quanto à sua execução. Por sua vez, o desligamento do direito por parte do aparelho em face dos executores faz com que esses não precisem temer diante de sua suposta responsabilização criminal. Ademais, por sua fungibilidade, não se preocupam pelo êxito de sua execução pessoal, de vez que outros podem fazê-lo em seu lugar, já que todos estão disponíveis para a operação maléfica. ROXIN assinala, expressamente, que essa inclinação para a execução fortalece o domínio sobre o fato por parte do autor mediato, mas não constitui um critério próprio do domínio de organização, mas sim uma consequência dos demais pressupostos, os quais devem estar todos presentes na configuração dessa forma de autoria mediata.

134. Essa categoria de autoria mediata, proposta por ROXIN, sofreu muitas objeções. Bastante relevante foi a crítica feita por WEIGEND, para quem seria completamente contraditório pensar-se no autor direto, ao mesmo tempo, como responsável pelo resultado e instrumento do autor mediato; por outro lado, acentua WEIGEND a vacuidade do conceito de domínio, o qual não se esclarece quanto à sua natureza, se é consequência de um critério puramente empírico ou normativo.[99]Também URBAN, em trabalho específico sobre o tema,já havia se oposto a um conceito de autoria mediata em que o executor fosse, ao mesmo tempo, instrumento e autor plenamente responsável.[100]

135. Igualmente crítico sobre essa categoria, ROTSCH afirma que o critério de fungibilidade não é suficiente para fundar um domínio sobre o fato do autor mediato, uma vez que, nesse caso, a decisão sobre o fato já não lhe pertence, mas, sim, ao executor. É irrelevante para fundar o domínio a circunstância de que o autor imediato acredite que não será responsabilizado. Essa circunstância não altera a falta de substancialidade do conceito. Seria frágil também a assertiva de que por força de uma organização fora do direito a posição hierárquica do autor mediato constituiria mais do que simples ponto de emissão de ordem, mas, sim,um elemento propulsor de sua execução. O reconhecimento acerca da existência de uma complexa engrenagem ilícita não impediu, inclusive, que ROXIN admitisse que, em alguns casos, quando se tratasse de delitos de estado, nem sempre todo o sistema estivesse fora do direito.[101]

136. Os casos clássicos de autoria mediata sempre se pautaram, aliás, conforme o próprio enunciado de ROXIN, na incapacidade do executor de decidir, conscientemente, sobre a execução, em razão do reconhecimento de que sua vontade estivera dominada pelo autor mediato, o chamado homem de trás. Isto porque, por seu conhecimento especial, o homem de trás detém um domínio sobre a causalidade. Mas para que isso efetivamente ocorra é indispensável que o executor não seja plenamente responsável, porque, então, apenas por ficção se poderia admitir que sua vontade estivesse dominada pelo autor mediato.[102] Esse raciocínio não se desfaz quando se reconheça a fungibilidade do executor, por se encontrar no âmbito de uma organização. A organização, por si mesma, ainda que esteja situada fora do direito ou corresponda a regimes autoritários, não pode fundar um domínio empírico sobre a vontade do executor. Há, portanto, nesse caso, uma nítida construção teleológica, destinada a satisfazer propósitos de política criminal e não uma assertiva científica, baseada em fatos demonstráveis e incontroversos.

137. Outro aspecto importante da autoria mediata por força de aparelhos organizados de poder diz respeito aos tipos de organização. ROXIN explicita de modo claro que aqui se trata de dois tipos de organização. De um lado, uma organização política autoritária, própria de ditaduras ou de regimes antidemocráticos, como aqueles do período do nazismo, do estalinismo e das demais ditaduras da América Latina, da África ou da Ásia; de outro lado, por extensão, as organizações mafiosas ou terroristas, estruturadas à margem do direito. Não integram essas organizações criminosas nem empresas nem outras sociedades ou associações, estruturadas juridicamente, ainda que no seu meio venham a ser cometidos delitos, quer por seus dirigentes, quer por seus empregados. Portanto, essa categoria de autoria mediata, mesmo que superadas suas críticas, não pode ser aplicada aos dirigentes de um Estado democrático, ou seja, em regimes pautados por uma Constituição votada livremente pelos cidadãos, e cujo poder é exercido sob o atendimento à proteção de seus direitos fundamentais.

138. Aos crimes de responsabilidade também são aplicáveis as causas de exclusão da ilicitude previstas na ordem jurídica, com ênfase maior no exercício regular de direito, no estrito cumprimento de dever legal e no estado de necessidade. Nem será preciso reafirmar que a prática de um ato nos limites do exercício de uma norma permissiva ou no estrito cumprimento de um dever legal exclui qualquer forma de ilicitude, mesmo que o ato venha a produzir lesão de qualquer natureza a bens jurídicos diversos. Importante será que o ato não exceda os limites legais.

139. Mais complexa é situação vinculada ao estado de necessidade. Não há na lei que define os crimes de responsabilidade qualquer indicativo acerca dessa causa de justificação. A omissão legal, todavia, não impede seu reconhecimento, porque o estado de necessidade não pertence a um específico setor do direito, mas, sim, à ordem jurídica. Como diz VON HIPPEL, que estudou, profundamente, sua evolução, o estado de necessidade desde há muito constituiu um confronto de interesses: “Um estado de perigo atual para interesses legítimos, que só pode ser evitado por meio da lesão de interesses legítimos alheios”.[103] Essa é uma definição geral de estado de necessidade, aplicável a todos os setores do direito. Contudo, a especificação maior do estado de necessidade só aparece por obra do Código Civil alemão (BGB), de 1896, verdadeiro monumento legislativo, cujo § 6 o previa expressamente, mas sob a condição de que o dano a ser evitado fosse, consideravelmente, maior do que o dano a ser sofrido pelo proprietário.[104] A legislação brasileira - tanto o Código Penal (art. 24), quanto o Código Civil (art. 188, II) – não impõe como condição do estado de necessidade a execução do ato para evitar mal maior, mas essa fórmula está de acordo com o princípio da proporcionalidade, que constitui, também, um princípio geral da ordem jurídica.

140. Compreendido, assim, como um instituto da ordem jurídica, o estado de necessidade é aplicável aos crimes de responsabilidade, quando o agente político, para evitar mal maior para a democracia e o Estado de Direito, bem como para os objetivos expressos na Constituição, realize uma conduta capitulada como crime de responsabilidade. Os casos descritos nos arts. 136 e 137 da Constituição são hipóteses específicas de estado de necessidade, cujo exercício, porém, está sujeito ao controle do Congresso Nacional.

141. Finalmente, são extensíveis ao Presidente da República as causas de exculpação, ou seja, aquelas circunstâncias que, em face da impossibilidade real de agir de outro modo, impedem a formulação contra ele de um juízo de incompatibilidade para o exercício da função. É preciso atentar, aqui, porém, que o juízo de culpabilidade dos crimes de responsabilidade, como não implica a imposição de uma pena privativa de liberdade, só poderá ser um juízo declaratório de incompatibilidade com o cargo. As demais questões que puderem resultar de sua conduta e caracterizá-la como crime comum não dizem respeito a essa formulação. Sendo um juízo de incompatibilidade, a análise de seus elementos deve estar subordinada aos objetivos da Constituição e não aos seus fins pessoais, partidários ou de qualquer outro grupo ou movimento, nem a preceitos morais, religiosos ou ideológicos.

142. Voltando às indagações formuladas pelo advogado consulente, concluímos a segunda parte do presente estudo afirmando que, para o processo de impeachment do Presidente da República, as disposições contidas no art. 85 da Constituição e na Lei 1.079/50, que definem os crimes de responsabilidade, devem ser analisadas de conformidade com os fundamentos, estrutura e objetivos do Estado Democrático de Direito, consignados nos arts. 1º e 3º da Constituição, e interpretadas restritivamente para não violar os preceitos básicos que asseguram a pluralidade e diversidade da manifestação popular.

Rio de Janeiro, 26 de outubro de 2015.

Juarez Tavares

Geraldo Prado


Notas e Referências:

* Parecer pro bono, em face da relevância do tema e de sua repercussão no direito brasileiro.

[1] Disponível em http://constitucionweb.blogspot.com.br/2012/06/decision-del-mercosur-sobre-la.html consultado em 15 de outubro de 2015.

[2] RODRIGO, Cintia. El impeachment em laAmerica Latina: um desafio abierto al analisis político. Disponível em http://www.derecho.uba.ar/revistagioja/articulos/R000E01A005_0013_p-d-constitucional.pdf.  Acesso em 15 de outubro de 2015, p. 100.

[3] LÓPEZ CARIBONI, Santiago. Resenha de “Presidential Impeachment andthe New PoliticalInstability in LatinAmerica”, de Aníbal Pérez Liñán. Disponível em http://isites.harvard.edu/fs/docs/icb.topic925740.files/Week%206/Perez-Linan_Presidential.pdf.  Acesso em 15 de outubro de 2015, p. 236.

[4] PÉREZ LIÑÁN, Aníbal. Instituciones, coalicionescallejeras e inestabilidad política: perspectivas teóricas sobre lascrisispresidenciales. América Latina Hoy, núm. 49, agosto, 2008, pp. 105-126. Universidad de Salamanca Salamanca, España. Disponível em http://www.redalyc.org/pdf/308/30804906.pdf. Acesso em 14 de outubro de 2015, p. 106.

[5] LÓPEZ CARIBONI, Santiago. Resenha de “Presidential Impeachment and the New Political Instability in Latin America”, de Aníbal Pérez Liñán. Disponível em http://isites.harvard.edu/fs/docs/icb.topic925740.files/Week%206/Perez-Linan_Presidential.pdf.  Acesso em 15 de outubro de 2015, p. 235.

[6] HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. O Federalista:pensamento político. Traduzido por Ricardo Rodrigues Gama. 2ª edição. Capítulos nº 65 e 66. Campinas: Russel, 2005. p. 401-405 e 407-411. Os autores remetem as origens do instituto ao processo de destituição do Rei Carlos I, da Inglaterra, em 1648, muito embora haja registro de sua aplicação nos séculos XIII e XIV, na Inglaterra, com base em antigas práticas normandas relativamente à remoção de funcionários públicos pelo Rei com o consentimento do Parlamento. CONSTENLA ARGUEDAS, Adolfo Felipe. El “juicio político” o “impeachment” en el derecho constitucional comparado latinoamericano. Disponível em http://www.corteidh.or.cr/tablas/r31083.pdf. Acesso em 15 de outubro de 2015, p. 222.

[7] BALBUENA PÉREZ, David-Eleuterio. Derecho político iberoamericano: El juicio político en la constitución paraguaya y la destitución del presidente Fernando Lugo. Disponível em http://revistas.uned.es/index.php/derechopolitico/article/download/12777/11906. Acesso em 15 de outubro de 2015. Acesso em 15 de outubro de 2015, p. 366. Sugestivo que Andrew Johnson, vice-presidente de Abraham Lincoln, haja sofrido dois processos de impeachment (1867) e depois dele foram processados os presidentes norte-americanos Richard Nixon, que renunciou, e Bill Clinton, que foi absolvido haja vista o empate técnico na votação do Senado. Balbuena Pérez também frisa que desde 1804 cinco juízes foram condenados e removidos em processo de impeachment nos Estados Unidos da América.

[8] SERRAFERO, Mario D. Después del caso Collor. Disponível em http://www.ancmyp.org.ar/user/files/Serrafero13.pdf. Acesso em 15 de outubro de 2015, p. 306.

[9] CRUZ, Gisele dos Reis; JESUS FILHO, Jeronimo Marques de. Fascismos, modernidade e “pós-modernidade”. A tentação conservadora. In: CRUZ, Natalia dos Reis (org.). Ideias e práticas fascistas no Brasil. Rio de Janeiro: Garamond, 2012. p. 29. “Na Europa e no Brasil de ‘modernidade tardia’, o fascismo foi uma reação à crise do modelo liberal. (...) O fascismo, tanto aqui quanto na Europa, nunca foi antimoderno, mas antissocialista e antiliberal, notórias criações da modernidade no século anterior.

O pensamento autoritário que subjaz ao fascismo também faz parte da história do liberalismo e do socialismo.”

[10] MIX, Miguel Rojas. La dictadura militar en Chile e América Latina. In: WASSERMAN, Claudia; GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos (org.). Ditaduras militares na América Latina. Porto Alegre: UFRGS, 2004, p. 14.

[11] SCHWARTZMAN, Simon. As bases do autoritarismo brasileiro. Capítulo 5: Do império à república: centralização, desequilíbrios regionais e descentralização. Rio de Janeiro: Publit, 2007. p. 171/212.

[12] MIX, Miguel Rojas. La dictadura militar en Chile e América Latina, obra citada, p. 12-13.

[13] Sobre a tipologia dos sistemas de responsabilidade do Chefe do Executivo: ZULETA, Gonzalo Torres. Juzgamiento del Presidente de la República por responsabilidad punitiva y política. Bogotá: Temis, 2009. p. 1-14.

[14] BALBUENA PÉREZ, David-Eleuterio. Derecho político iberoamericano: El juicio político en la constitución paraguaya y la destitución del presidente Fernando Lugo, obra citada, p. 359 (tradução livre).

[15] Idem (itálico do próprio autor).

[16] Ib idem, p. 360.

[17] Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles;

II - processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade;

[18] PÉREZ LIÑÁN, Aníbal. Instituciones, coaliciones callejeras e inestabilidad política, obra citada, p. 107.

[19]“Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

I - a existência da União;

II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV - a segurança interna do País;

V - a probidade na administração;

VI - a lei orçamentária;

VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.”

[20] LÓPEZ CARIBONI, Santiago. Resenha de “Presidential Impeachment and the New PoliticalInstability in LatinAmerica”, de Aníbal Pérez-Liñan, obra citada, p. 236.

[21] PÉREZ LIÑÁN, Aníbal. Instituciones, coaliciones callejeras e inestabilidad política, obra citada, p. 106. O autor interroga sobre se o recurso enfático ou reiterado ao processo de impeachment deve ser entendido como signo de democracias enfermas ou, ao contrário, democracias em renovação. Não há, evidentemente, uma única resposta justo porque os contextos variam, o que obriga ao exame de cada caso. É o que se pretende no âmbito deste parecer.

[22] MARTINEZ, Rafael. El juicio político em América Latina: um golpe de estado encubierto. Disponível em http://www.condistintosacentos.com/el-juicio-politico-en-america-latina-un-golpe-de-estado-encubierto/. Acessoem 14 de outubro de 2015.

[23] KIRCHHEIMER, Otto. Justicia política: empleo del procedimiento legal para fines políticos. Traducción al español por R. Quijano. Granada: Comares, 2001.

[24] MILANI, Giuliano. Crímenes y procesos políticos en las comunas italianas. In: MADERO, Marta; CONTE, Emanuele (ed.). Procesos, inquisiciones, pruebas: homenaje a Mario Sbriccoli. Buenos Aires: Manatial, 2009.

[25] No sentido do texto e abordando os diversos estágios do processo de interferência dos dispositivos de incriminação no campo da política: RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Pena y estructura social. Bogotá: Temis, 1984; WACQUANT, Loïc J. D. LoïcWacquant e a questão penal no capitalismo neoliberal / Vera Malaguti Batista (Org.). Sérgio Lamarão (trad.). Rio de Janeiro: Revan, 2012; ANITUA, Gabriel Ignacio. Thomas Hobbes. Amigo o enemigo? In: Castigo, cárceles y controles. Buenos Aires: Didot, 2011. p. 13-27; ANITUA, Gabriel Ignacio. Thomas Hobbes. El castigo en el pensamiento ilustrado. In: Castigo, cárceles y controles. Buenos Aires: Didot, 2011. p. 39-57.

[26] WANG, Daniel WeiLiang. Desobediência civil em um estado democrático de direito. In: WANG, Daniel WeiLiang (org.). Constituição e política na democracia: aproximações entre direitos e ciência política. São Paulo: Marcial Pons, 2013, p. 239.

[27] Em alentado estudo Danilo Zolo analisa as distintas experiências continental europeia e anglo-americana, que produziram instituições também diferentes, embora com pontos de contato: o “estado de direito” e o ruleoflaw. ZOLO, Danilo. Teoria e crítica do Estado de Direito. In: COSTA, Pietro; ZOLO, Danilo (org.). O Estado de Direito: história, teoria, crítica. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 3-94; COSTA, Pietro. O Estado de Direito: uma introdução histórica. In: COSTA, Pietro; ZOLO, Danilo (org.). O Estado de Direito: história, teoria, crítica. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 95-198.

[28] BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Vol. 2. 13ª ed. Brasília: Unb, 2010, p. 933.

[29] Idem, p. 934.

[30] “3.5. Separación de poderes y garantismo: El otro importante orden de cuestiones afrontado en nuestro debate, sobre todo, por Perfecto Andrés Ibáñez y por Michelangelo Bovero, ha sido el de la separación de poderes. Las Constituciones diseñan jurídicamente lo que he denominado la ‘esfera de lo indecidible que’ o ‘que no’, relativa a la garantía de los derechos, en oposición a lo que he llamado la ‘esfera de lo decidible’, relativa al ejercicio de los poderes políticos. Por lo tanto, la diferente naturaleza de las dos esferas exige una revisión de la clásica separación de poderes: la separación entre funciones e instituciones de gobierno competentes para actuar en la esfera política de lo decidible, y funciones e instituciones de garantía encargadas de garantizar y controlar la esfera de lo indecidible. Como justamente ha hecho notar Perfecto Andrés Ibáñez (p. 2), las dos esferas remiten a las dos dimensiones en las que he articulado la democracia constitucional: la dimensión formal, y específicamente política, de las funciones de gobierno (a la que debe añadirse la dimensión civil de los poderes privados, que son también parte de la dimensión formal), y la dimensión sustancial, divisible, a su vez, en la dimensión liberal y la social, de las funciones de garantía.”FERRAJOLI, Luigi et al. Derecho y democracia constitucional: una discusión sobre principia iuris de Luigi Ferrajoli. Lima: Ara, 2011. p. 410 (tradução livre).

[31] Como será visto, isso não passou despercebido ao Professor italiano, que abordará o tema sob o enfoque dos “poderes privados”. O problema se coloca quando a distinção entre “privado” e “público” desvanece e as esferas se misturam e produzem práticas abusivas, tal seja, comportamentos de exercício de poder que não encontram limite na legalidade constitucional.

[32] RODRIGO, Cintia. El impeachment em La America Latina, obra citada, p. 99. Dayse Mayer atenta para o fato de que, “se é verdade que Direito e Ciência Política se ocupam do fato social”, também é certo que a ciência política está “mais vocacionada para realidades factuais  e comportamentais e menos para questões normativas”, o que lhe permite identificar e reconhecer, por exemplo, a existência contemporânea de “poderes ocultos”, entre os quais o que exercido pela comunicação social. Ressalta Dayse Mayer, a propósito: “O quinto ponto arrolado é a cumplicidade dos órgãos de comunicação na sonegação da verdade expressa em duas elocuções: ‘a lógica pervertida dos media’ e a ‘história mítica da imprensa livre’. Ambos pretendem traduzir o estatuto assumido pela imprensa nos dias atuais. Tal estatuto se fortaleceu numa posição de inversão do papel que outrora ocupavam os partidos políticos e a opinião pública. Assim, o fenômeno da partidocracia aos poucos se demudou em termos de poder exercido pelos meios de comunicação de massa – máxime pela televisão.” MAYER, Dayse de Vasconcelos. A democracia capturada: a face oculta do poder: um ensaio jurídico-político. São Paulo: Método, 2009, p. 26 e 85.

[33] PÉREZ LIÑÁN, Aníbal. Instituciones, coaliciones callejeras e inestabilidad política, obra citada, p. 111.

[34] Idem, p. 113.

[35] Ib idem, p. 114.

[36] LUHMANN, Niklas. Poder. Traduzido por Martine Creusot de Rezende Martins. Brasília: Universidade de Brasília, 1985, p. 11.

[37] Idem.

[38] Ib idem.

[39] LUHMANN, Niklas. Poder. Traduzido por Martine Creusot de Rezende Martins. Brasília: Universidade de Brasília, 1985, p. 12, grifo no original.

[40] Idem.

[41] Ib idem.

[42] LUHMAN, Niklas. Poder. Traduzido por Martine Creusot de Resende Martins. Brasília: Universidade de Brasília, 1985. p. 13, grifo nosso.

[43] ZOLO, Danilo. Teoria e crítica do Estado de Direito. In: COSTA, Pietro; ZOLO, Danilo (org.). O Estado de Direito: história, teoria, crítica, obra citada, p. XIV.

[44] LUHMANN, Niklas. Poder. Traduzido por Martine Creusot de Rezende Martins. Brasília: Universidade de Brasília, 1985, p. 13.

[45] MARTINEZ, Rafael. El juicio político em América Latina: um golpe de estado encubierto. Disponível em http://www.condistintosacentos.com/el-juicio-politico-en-america-latina-un-golpe-de-estado-encubierto/. Acesso em 14 de outubro de 2015, p. 1.

[46] LINZ, Juan J.; STEPAN, Alfred. A transição e consolidação da democracia: a experiência do sul da Europa e da América do Sul. Traduzido por Patrícia de Queiroz Carvalho Zimbres. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 211.

[47] VALENCIA MATTÍN, Germán. Derecho Administrativo Sancionador y Principio de legalidad. In: El principio de legalidad: Actas de las V Jornadas de la Asociación de Letrados del Tribunal Constitucional. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2000, p. 115.

[48] Medida Cautelar na Reclamação nº 22.124 DF, Relator(a):  Min. Rosa Weber. Decisão proferida em 13/10/2015.

[49] Medida Cautelar em Mandado de Segurança nº 33.837 DF, Relator(a):  Min. Teori Zavascki. Decisão proferida em 12/10/2015.

[50] BARROSO, Luís Roberto. Aspectos do processo de impeachment – Renúncia e exoneração de agente político – Tipicidade constitucional dos crimes de responsabilidade, Revista Forense, volume 344, out-dez 1998, p. 287. Rio de Janeiro.

[51] Sobre reserva de lei proporcional ou qualificada: PIEROTH, Bodo e SCHLINK, Bernhard. Direitos Fundamentais: Direito Estadual II. Lisboa, Lusíada, 2008, p. 80. Estes autores, com base na experiência alemã, assinalam que no ponto o direito constitucional contemporâneo evoluiu do princípio da “reserva de lei” para o da “reserva de lei proporcional”. Salientam, com efeito: “Até agora, os direitos fundamentais com as reservas de lei exigiam que houvesse uma lei, ou seja, saber quando era suficiente uma qualquer base legal (reserva de lei) e quando era necessária uma base legal que tome as decisões essenciais (reserva de parlamento). Qual a forma que a lei deve ter e que conteúdos deve apresentar, quanta liberdade pode retirar ao particular e quanta lhe tem de deixar, são aspectos que a reserva de lei deixa até ao presente ainda em aberto. Mas é precisamente nas exigências de conteúdo que se tem de revelar a vinculação do legislador aos direitos fundamentais. A forma como se apresentam as exigências de conteúdo que os direitos fundamentais fazem às leis torna-se clara nas reservas de lei qualificada. Estas estatuem uma vinculação do legislador, ao imporem ou ao proibirem, no caso de direitos fundamentais em concreto, eventualmente, para situações em concreto, fins determinados e meios determinados.” (grifo dos autores).

[52] BALBUENA PÉREZ, David-Eleuterio. Derecho político iberoamericano, obra citada, p. 367.

[53] Idem, p. 368.

[54] Idem, p. 369 (tradução livre).

[55] BALBUENA PÉREZ, David-Eleuterio. Derecho político iberoamericano, obra citada, p. 376.

[56] Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso do Tribunal Constitucional (Camba Campos e outros) vs. Ecuador. Sentença de 28 de agosto de 2013 (exceções preliminares, fundo, reparações e custas). Disponível em http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_268_esp.pdf. Acesso em 15 de outubro de 2015. p. 49.

[57] Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso do Tribunal Constitucional vs. Perú. Sentença de 24 de setembro de 1999. Disponível em http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/Seriec_55_esp.pdf. Cumprimento da sentença disponível em http://www.corteidh.or.cr/cf/jurisprudencia/ficha.cfm?nId_Ficha=205&lang=es. Acesso em 15 de outubro de 2015. Tradução livre.

[58] EGUIGUREN PRAELI, Francisco José. Antejuicio y juicio político en el Perú. Revista Pensamiento Constitucional. Ano XIII, nº 13. Disponível em http://revistas.pucp.edu.pe/index.php/pensamientoconstitucional/article/view/1963. Acessoem 15 de outubro de 2015, p. 131.

[59] “182. Sobre el particular, el Tribunal Europeo de Derechos Humanos ha señalado que la exigencia de que una persona “sea oída equitativa, públicamente y dentro de un plazo razonable, por un tribunal independiente e imparcial” es equiparable al derecho a un “juicio” o a “procedimientos judiciales” justos. Al respecto, el Tribunal Europeo ha desarrollado el criterio según el cual un procedimiento justo supone que el órgano encargado de administrar justicia efectúe “un examen apropiado de las alegaciones, argumentos y pruebas aducidas por las partes, sin perjuicio de sus valoraciones acerca de si son relevantes para su decisión”. En el caso Olujic vs. Croacia sobre la tramitación de un procedimiento disciplinario contra el Presidente de la Corte Suprema de Croacia, el Tribunal Europeo de Derechos Humanos resaltó la importancia del derecho a ser oído de manera equitativa. Por su parte, el Comité de Ministros del Consejo de Europa ha señalado también que en procedimientos de destitución es necesario garantizarles a los jueces al menos los requisitos del debido proceso contenidos en el Convenio Europeo Derechos Humanos, inter alia, que el caso sea oído dentro de un plazo razonable y el derecho a responder cualquier acusación”.Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso do Tribunal Constitucional (Camba Campos e outros) vs. Ecuador. Sentença de 28 de agosto de 2013 (exceções preliminares, fundo, reparações e custas). Disponível em http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_268_esp.pdf. Acesso em 15 de outubro de 2015, p. 54 (tradução livre).

[60] Neste sentido: Ag. Reg. em Mandado de Segurança nº 30.672 DF, Relator(a):  Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Agte. Alberto de Oliveira Piovesan. Agdo. Presidente do Senado Federal. Decisão proferida em 15/09/11.

[61] Hechos y conceptos. Disponível em http://www.uv.es/cefd/15/lagier.pdf. Data de acesso: 30 de abril de 2015. Tradução livre.

[62] PRADO, Geraldo. Prova penal e sistema de controles epistêmicos: a quebra da cadeia de custódia das provas obtidas por métodos ocultos. São Paulo: Marcial Pons, 2014, p. 21.

[63] SÁNCHES-VERA GÓMEZ-TRELLES, Javier. Variaciones sobre la presunción de inocencia: Análisis funcional desde el Derecho penal. Madrid: Marcial Pons, 2012, p. 35.

[64] Boghossian, Paul. O medo do conhecimento: contra o relativismo e o construtivismo. Lisboa: Gradiva, 2011, p. 21.

[65] GONZÁLEZ LANGIER, Daniel. Idem.

[66] GONZÁLEZ LANGIER, Daniel. Ib idem.

[67] O STF tem realçado esse aspecto em sua jurisprudência: “A essencialidade do postulado do devido processo legal, que se qualifica como requisito legitimador da própria “persecutio criminis”. – O exame da cláusula referente ao “dueprocessoflaw” permite nela identificar alguns elementos essenciais à sua configuração como expressiva garantia de ordem constitucional, destacando-se, entre eles, por sua inquestionável importância, as seguintes prerrogativas: (a) direito ao processo (garantia de acesso ao Poder Judiciário); (b) direito à citação e ao conhecimento prévio do teor da acusação; (c) direito a um julgamento público e célere, sem dilações indevidas; (d) direito ao contraditório e à plenitude de defesa (direito à autodefesa e à defesa técnica); (e) direito de não ser processado e julgado com base em leis “ex post facto”; (f) direito à igualdade entre as partes; (g) direito de não ser processado com fundamento em provas revestidas de ilicitude; (h) direito ao benefício da gratuidade; (i) direito à observância do princípio do juiz natural; (j) direito ao silêncio (privilégio contra a autoincriminação); (k) direito à prova; e (l) direito de presença e de “participação ativa” nos atos de interrogatório judicial dos demais litisconsortes penais passivos, quando existentes. – O direito do réu à observância, pelo Estado, da garantia pertinente ao “dueprocessoflaw”, além de traduzir expressão concreta do direito de defesa, também encontra suporte legitimador em convenções internacionais que proclamam a essencialidade dessa franquia processual, que compõe o próprio estatuto constitucional do direito de defesa, enquanto complexo de princípios e de normas que amparam qualquer acusado em sede de persecução criminal.” (STF, HC 111567 AgR, Relator Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 05/08/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014).

[68] STF, Tribunal Pleno, MS nª 21.623/DF, rel. Min. Carlos Velloso, j. em 17.12.1992, DJU de 28.5.1993, p. 10383.

[69] MAURACH, Reinhard. Tratado de derecho penal, tradução espanhola de Juan Córdoba Roda, Barcelona, 1962, vol. I, p. 21.

[70] WOLF, Erik. Die Stellung der VerwaltungsdeliktimStrafrecht, Festgabefür Frank, Tübingen, 1930, p. 524.

[71] SCHMIDT, Eberhard. Strafrecht und Disziplinarrecht, 1950, p. 871.

[72] MATTES, Heinz. UntersuchungenzurLehre von den Ordnungswidrigkeiten, Berlin, 1977/1982.

[73] SCHMIDTHÄUSER, Eberhard. Strafrecht, AllgemeinerTeil, Berlin, 1993, p. 54.

[74] MITSCH, Wolfgang. Recht der Ordnungswidrigkeiten, 2ª edição, Heildelberg, 2005, p. 3.

[75] PONTES DE MIRANDA, Comentários à Constituição de 1946, Rio de Janeiro, 1960, p. 137.

[76] GÖHLER/GÜRTLER/SEITZ. Gesetz über Ordnungwidrigkeiten, 16ª edição, München, 2012, p. 111 e ss.; BOHNERT, Joachim et al. (Ed.). Karlsruher Kommentar zum Gesetz über Ordnungswidrigkeiten, 2006, München, p. 138 e ss..

[77] SCHWACKE, Peter. Das Recht der Ordnungswidrigkeiten, 4ª edição, Stuttgart, 2006, p. 4 e ss.

[78] BARCELLONA, Pietro. “La teoría de sistemas y el paradigms de la sociedad moderna”, Mutaciones de Leviatán, Legitimación de los nuevos modelos penales, Madrid, 2005, p. 55.

[79] FRANKENBERG, Günter. “Die Rückkehr des Vertrags. ÜberlegungenzurVerfassung der Europäischen Union”, Die Öffentlichkeit der Vernunft und die Vernunft der Öffentlichkeit, Frankfurt am Main, 2001, p. 523.

[80] GRIMM, Dieter. “BedingungendemokratischerRechsetzung”, Die Öffentlichkeit der Vernunft und die Vernunft der Öffentlichkeit, Frankfurt am Main, 2001, p. 489 e ss.

[81] GRIMM, Dieter. Nota 80, p. 500.

[82] GRIMM, Dieter. Nota 80, p. 503.

[83] OFFE, Claus. Wessen“Wohl ist das Gemeinwohl”, in Günther/Wingert (org.), Die Öffentlichkeit der Vernunft und die Vernunft der Öffentlichkeit, Frankfurt am Main, 2001, p. 460.

[84] FORST, Rainer. Contextos da justiça, tradução Denilson Luís Werle, São Paulo, 2010, p. 291.

[85] ARNASON, Johann P. “Die ModernealsProjekt und Spannungsfeld”, KommunikativesHandeln, BeiträngezuHabermas’ Theorie des kommunikativenHandelns, Frankfurt am Main, 2002, p. 315.

[86] HEINRICH, Bernd. Strafrecht, AllgemeinerTeil, 4ª edição, Stuttgart, 2014, p. 91.

[87] WESSELS/BEULKE. Strafrecht, AllgemeinerTeil, 42ª edição, Heidelberg, 2012, p. 67.

[88] HEINRICH, Bernd. Nota 86, p. 94 e ss.

[89] FRAGOSO, Heleno Claudio. Lei de segurança nacional. Uma experiência antidemocrática, Porto Alegre, 1980, p. 39.

[90] ROXIN, Claus. Strafrecht, AllgemeirTeil, I, 4ª edição, München, 2006, p. 142.

[91] MANTOVANI, Ferrando. Diritto Penale, Parte Generale, Milano, 1988. P. 100.

[92] ROXIN, Claus. Strafrecht, AllgemeinerTeil, II, München, 2003, p. 81.

[93] ROXIN, Claus. (Nota 92), p. 87.

[94] ROXIN, Claus. (Nota 92), p. 149.

[95] ROXIN, Claus. (Nota 92), p. 203.

[96] ROXIN, Claus. (Nota 92), p. 205.

[97] ROXIN, Claus. (Nota 92), p. 224.

[98] ROXIN, Claus. ZurneustenDiskussionüber die Organisationsherrschaft, GA, 2012, p. 396 e ss.

[99] WEIGEND, Thomas. Perpretation through an Organisation, Journal of International Criminal Justice, Oxford, 2011, p. 91 e ss.

[100] URBAN, Carolin. MittelbareTäterschaftkraftOrganisationsherrschaft, Göttingen: V& R, 2004, p. 68.

[101] ROTSCH, Tomas. TatherrschaftkraftOrganisationsherrschaft, ZStW, 2000, 3, p. 518 e ss.

[102] RINZIKOSKI, Joachim. Zurück in die Steinzeit? Aporien der Tatherschaftslehre, in Festschrift-Schünemann, Berlin: De Gruyter, 2014, p. 506.

[103] HIPPEL, Robert von. DeutschesStrafrecht, II, Berlin, 1930, p. 215.

[104]O proprietário de uma coisa não está legitimado a proibir a intervenção de um terceiro sobre a coisa, quando a intervenção é necessária para afastar um perigo atual, e o dano decorrente da ameaça é, consideravelmente, maior do que o dano que, da intervenção, decorrer ao proprietário. O proprietário pode exigir indenização do dano que lhe foi causado”.  


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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