JOGOS “INOFENSIVOS” E POSSÍVEIS DANOS À INFÂNCIA  

15/05/2022

Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan

O texto apresentado integra pesquisa em desenvolvimento sobre as vulnerabilidades da infância diante do mundo digital. Nesta reflexão, precisamente, o objetivo é expor o problema acerca de como jogos aparentemente inofensivos e disponíveis por meio de redes sociais podem fissurar a infância. Como a intenção geral da pesquisa é pensar o papel do Direito na tutela de possíveis danos aos infantes, esse texto procurará expor algumas questões introdutórias sobre jogos disponíveis no ciberespaço e os possíveis danos que podem causar à infância se não houver a devida tutela. 

É sabido que a sociedade contemporânea vive o mergulho da hiperconectividade no ciberespaço. As pessoas vivem as conexões em redes da Internet para o lazer, convívio social e trabalho. Com isso, o cotidiano social sofre as modificações do contato direto com as inovações tecnológicas, estando mais presentes, sobretudo, no cotidiano infanto-juvenil. Das marcas da contemporaneidade, o tempo cronológico que as crianças passam no universo virtual acaba sendo preocupante, pois, o desenvolvimento saudável, sem pressa e com brincadeiras interativas reais são cada vez mais raras. No lugar do convívio físico, há os riscos da exposição excessiva no mundo cyber, que, apesar de parecer inofensivo, pode causar sérios danos à infância.   

A pesquisa que está em desenvolvimento na universidade La Salle pensa esse problema contemporâneo. Apesar de todos os benefícios que o mundo cyber pode propiciar ao desenvolvimento humano, há riscos que são inerentes ao universo da Internet, inclusive, dificultando a identificação pontuais de malefícios aos usuários infanto-juvenis. Isso precisa ser investigado e pensado pelo Direito, pois, a sociedade hodierna perpassa por uma série de transformações, caracterizando-se como uma sociedade hiperconectada, em virtude da influência dos mais variados suportes tecnológicos, que afetam o cotidiano das pessoas, dentre as quais, se incluem as crianças[1].

A hipervulnerabilidade, em todos os casos, marca a relação do consumo digital[2]. Assim, partindo desse pressuposto, pode-se questionar os riscos que os jogos virtuais apresentam ao público infantil, principalmente os que estão disponíveis em plataformas como o Facebook e que, aparentemente, representam serem inofensivos e de baixo risco tal qual se identifica na análise de seu conteúdo ilustrativo e do colorido que chama a atenção das crianças.

 A partir de uma observação primária, pode-se sugerir que alguns jogos – como, por exemplo, o snakemania (disponível por meio do Facebook) – parecem estar voltados ao uso de crianças abaixo de 10 anos, embora não identifiquem a faixa etária na plataforma digital. Além disso, pode haver contradições no fato de que plataformas com restrições de idade para adultos tenham conteúdos infantis e sejam de fato consumidos por crianças. Daí que o risco facilitado de cadastro nesses jogos, por meio de rede social, possa facilitar a exposição de dados do infante na Internet.

O mundo cyber possibilita que cada um faça o que quiser, bastando criar um avatar, escolher suas características físicas e profissionais e construir comunidades de interação. Isso, evidentemente, é o que acontece nos jogos virtuais conectados ao Facebook[3]. O uso excessivo da Internet pode causar transtornos de ansiedade, em razão do tempo exposto a atividade cyber, o que torna mais relevante o desempenho do papel ativo dos pais na educação digital dos filhos[4]. Como qualquer pessoa é capaz de não apenas expressar seus desejos e fantasias com uma liberdade jamais desfrutada na vida real, mas projetar aspirações, ansiedades e receios com mais intensidade na hiperconexão[5], o risco do estímulo de uma vida não real aos infantes é uma hipótese.

Pois bem, pensando nisso, deve-se lembrar que Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que “crianças de 2-4 anos não devem exceder 1 hora diante das telas”. No entanto, apesar da significância do órgão internacional, a efetividade normativa desta recomendação parece ainda ser algo distante.

(...) como as crianças têm cada vez mais acesso à Internet, é mais fácil para as empresas interagirem com elas, coletar informações ou apresentar-lhes informações específicas (incluindo propagandas). Antes da revolução digital, era impossível visar as crianças com anúncios personalizados através de fontes tradicionais de mídia, e era improvável que as crianças revelassem informações sensíveis de forma não tão intencional, sem a supervisão de adultos[6].

Pode-se visualizar os riscos do uso excessivo da Internet pelas crianças. No entanto, a hipótese é de que não há proteção efetiva dos infantes diante de tais jogos em redes sociais. É um problema da sociedade contemporânea e o Direito deve tutelar a infância para que a formação subjetiva não seja prejudicada por uma lógica de consumo e exploração de dados na Internet. A partir desta afirmativa, deve ser destacado a proteção da inocência como uma questão dogmática-jurídica que não está separada da sociedade, conforme o art. 227 do ECA. Por isso, além dos deveres constitucionais de proteção à infância por parte dos pais, há a necessidade de tencionar ao Direito a responsabilidade do melhor interesse da criança como fator imprescindível por uma vida mais digna. A redução de exposição aos riscos tecnológicos nas vidas infantis é uma questão de dignidade humana e por isso se faz necessária a atenção jurídica.  

 

Notas e Referências

BAROCELLI, S. S; SANTOMÉ, N. E. T. La protección de los consumidores en el entorno digital. Ciudad Autonónoma de Buenos Aires: El Derecho, 2021.

CAGLAR, C. Children’s Right to Privacy and Data Protection: Does the Article on Conditions Applicable to Child’s Consent Under the GDPR Tackle the Challenges of the Digital Era or Create Further Confusion? European Journal of Law and Technology, v. 12, n. 2, 2021.

ESTEFENON, S. G. B; EISENSTEIN, E. Geração Digital: Riscos e benefícios das novas tecnologias para as crianças e os adolescentes. Rio de Janeiro: Vieira & Lent, 2008.

SILVA, C. P. M. R; SILVA, M. C. S; LIMA, R. S. Responsabilidade Civil e Novas Tecnologias: Desafios e impactos contemporâneos na Publicidade Infantil. Revista Meritum, Belo Horizonte, v. 16, n. 3, 2021.

TEIXEIRA, A. C. B.; NERY, M. C. M. Vulnerabilidade digital de crianças e do adolescente: a importância da autoridade parental para uma educação nas redes. In: EHRHARDT JR., Marcos; LOBO, Fabiola. (Org.). Vulnerabilidade e sua compreensão no direito brasileiro. Indaiatuba: Foco, 2021, v. 1.

[1] SILVA, C. P. M. R; SILVA, M. C. S; LIMA, R. S. Responsabilidade Civil e Novas Tecnologias: Desafios e impactos contemporâneos na Publicidade Infantil. Revista Meritum, Belo Horizonte, v. 16, n. 3, 2021. p. 101.

[2] BAROCELLI, S. S; SANTOMÉ, N. E. T. La protección de los consumidores en el entorno digital. Ciudad Autonónoma de Buenos Aires: El Derecho, 2021. p. 31.

[3] ESTEFENON, S. G. B; EISENSTEIN, E. Geração Digital: Riscos e benefícios das novas tecnologias para as crianças e os adolescentes. Rio de Janeiro: Vieira & Lent, 2008. p. 58.

[4] TEIXEIRA, A. C. B.; NERY, M. C. M. Vulnerabilidade digital de crianças e do adolescente: a importância da autoridade parental para uma educação nas redes. In: EHRHARDT JR., Marcos; LOBO, Fabiola. (Org.). Vulnerabilidade e sua compreensão no direito brasileiro. Indaiatuba: Foco, 2021, v. 1. p. 141.

[5] ESTEFENON, S. G. B; EISENSTEIN, E. Geração Digital: Riscos e benefícios das novas tecnologias para as crianças e os adolescentes. Rio de Janeiro: Vieira & Lent, 2008. p. 78.

[6] CAGLAR, C. Children’s Right to Privacy and Data Protection: Does the Article on Conditions Applicable to Child’s Consent Under the GDPR Tackle the Challenges of the Digital Era or Create Further Confusion? European Journal of Law and Technology, v. 12, n. 2, 2021. p. 5.

 

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