Jogando dinheiro fora: o paradoxo do custo alarmante da implementação da política pública do Benefício de Prestação Continuada

06/02/2015

Por Giselle Dayane Onofre - 06/02/2015

Até que ponto a forma de implementação do Benefício de Prestação Continuada cumpre o papel das políticas públicas, frente o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, tendo em vista que os custos despendidos nas esferas administrativa e judicial, poderiam trazer mais justiça social aos necessitados?

O estudo começa buscando amparo em nossa Carta Magna, em seus capítulos destinados a Seguridade Social, mais precisamente no Art. 203, ao preceituar que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivo: a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso, que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção, ou de tê-la provida por sua família, conforme dispõe a lei.

Entretanto, foi somente em 1993, com a Lei 8742 – LOAS, que referido direito começou a se desenhar, e passou a ser “cobrados efetivamente”, ou seja, entre a sua previsão e efetivação decorreram cinco anos.

Não restam dúvidas que o Estado através de políticas públicas deve assegurar à sociedade, não só o surgimento de normas que venham de encontro às necessidades sociais, mas garantir a efetividade das mesmas, de forma que o cidadão possa exercer plenamente a sua cidadania, pois para haver cidadãos com direitos e deveres, é necessário previamente a existência de um poder, que os reconheça, e que se coloque em posição de garanti-los.

A Lei Orgânica de Amparo Social – LOAS (Lei 8742/93) trouxe de forma muito peculiar, a proteção a direitos jamais protegidos anteriormente, e talvez tenha sido, o primeiro mecanismo real de garantia do direito fundamental (assistência social), ao idoso e ao deficiente, cidadãos tão fragilizados socialmente.

O Benefício de Prestação Continuada (BPC), é custeado pelo Governo Federal, no valor de um salário mínimo, cuja operacionalização do reconhecimento do direito é de incumbência do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Referido beneficio é destinado a pessoas idosas que tenham 65 anos de idade ou mais, que não recebam nenhum benefício previdenciário, ou de outro regime de previdência, e às pessoas portadoras de deficiência física que as incapacitam para os atos da vida independente e para o trabalho, devendo ambas, comprovarem que a renda per capta mensal do grupo familiar, seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo, através de avaliações feitas pelo Serviço Social, e pela Perícia Médica do INSS.

Buscando enfatizar o paradoxo existente entre as decisões atualmente proferidas na esfera administrativa (INSS), baseada na letra da lei, e na esfera judicial (Justiça Federal) onde há relativização da norma, foi realizada uma pesquisa qualitativa e quantitativa que confirmou a discrepância de análise social feita pelas duas esferas, e restou demonstrado que a mesma decorre da ausência de critérios objetivos e claros, aptos a definir o Estado de Miserabilidade das famílias que pleiteiam o benefício.

A pesquisa quantitativa, teve por base o ano de 2010, e o município e Itajaí/SC, e restou demonstrado que os custos gerados na análise de concessão do LOAS, em ambas as esferas (Administrativa e judicial), é significativo, implicando em desperdício de dinheiro público, pois a forma como é gerida a implementação desta Política Pública de inclusão social, que tem como critério de concessão o “Estado de Miserabilidade”, fere o princípio basilar do Estado Democrático de Direito que é a Dignidade da Pessoa Humana.

Na pesquisa quantitativa, foi tomado por base os valores reais coletados junto as esferas administrativas e judiciais referente ao ano de 2010 (processos já transitados em julgado e/ou sobrestados), se pretendeu mensurar os gastos diretos e indiretos com a implementação desta política pública, enfatizando os custos que o Governo Federal tem tanto para custear, como para implementação do referido benefícios, ou seja, quanto custa à União Federal um deferimento Judicial do benefício negado administrativamente.

Tanto na esfera administrativa (INSS), quanto na esfera judicial (Justiça Federal), foi utilizado o Portal da Transparência para fazer uma média salarial dos funcionários que recebem e/ou trabalham com os pedidos de LOAS, tomando por base hipoteticamente que em cada uma dessas etapas, cada um dos funcionários públicos gaste em média 30 minutos, numa carga horária de 40 horas semanais.

Apurou-se o custo unitário aos cofres públicos de um processo previdenciário que tramita no Juizado Especial Previdenciário no município do Itajaí/SC, o valor de R$ 134,00 (Cento e trinta a quatro reais), que multiplicado pelo suposto número de processos que seriam ajuizados no Estado de Santa Catarina, o gasto apenas com a implementação desta política pública, seria de R$ 8.869.010,52 (Oito milhões, oitocentos e sessenta e nove mil, dez reis, e cinqüenta e dois centavos).

Se grosseiramente multiplicar - mos o valor encontrado no Estado de Santa Catarina pelos 26 estados, e mais o Distrito Federal que compõem o nosso país, chegaríamos ao valor de R$ 239.463.284,04 (Duzentos e trinta e nove milhões, quatrocentos e sessenta e três mil, duzentos e oitenta e quatro reais, e quatro centavos), valor este que, atualmente, daria para custear 353.190 (Trezentos e cinqüenta e três mil, cento e noventa) benefícios.

Na análise qualitativa foi enfatizado o motivo dos inúmeros indeferimentos imotivados/injustificados deste benefício pela esfera administrativa (INSS), se comparado com os deferimentos que ocorrem na esfera judicial (Justiça Federal), onde, de regra, é valorizado o caráter social do benefício, confirmando a diferença na análise social e dos critérios legais de concessão do benefício entre as duas esferas (administrativa e judicial).

Pretende-se demonstrar através tanto da pesquisa qualitativa quando da quantitativa que a aplicação literal do critério econômico (1/4 do salário mínimo), previsto no dispositivo legal (§ 3º do art. 20 da LOAS), não é capaz de promover a assistência social, pois fere o princípio da dignidade da pessoa humana, tornando ineficaz o próprio direito à Assistência Social, fazendo necessário um controle judicial desta política pública, como vem ocorrendo atualmente.

Assim, não restam dúvidas que a política púbica da LOAS além de não estar atingindo o objetivo traçado pela Constituição da República, qual seja, prestar assistência social aos necessitados, demanda um custo altíssimo de implementação ao Estado.

Isto posto, o presente artigo buscou demonstrar que o custo para implementar referida política pública, é demasiadamente caro, e tem causado grande morosidade ao Poder Judiciário Federal, em especial aos Juizados Especiais Previdenciários que nasceram com o objetivo de dar celeridade ao judiciário, e atualmente estão abarrotados por demandas desta natureza. Enfim, o Estado brasileiro gasta mais dinheiro negando o benefício do que se concedesse de maneira democrática.

Sem título-18Giselle Dayane Onofre, mestre em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade do Vale do Itajaí/SC, possui Especialização em Direito Processual Civil e Graduação em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (2006), atualmente cursando Pós Graduação em Direito Previdenciário pelo Instituto Infoc. É Advogada. Atualmente faz parte do corpo docente da Faculdade Porto das Águas - Porto Belo/SC.

__________________________________________________________________________________________________________________

A versão ampliada foi apresentada como Dissertação no Mestrado Profissional em Gestão de Políticas Públicas, da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI Orientador: Prof. Dr. Alexandre Morais da Rosa.

__________________________________________________________________________________________________________________

Imagem Ilustrativa do Post: You Will Pay Foto de Andy Maguire, disponível em: https://www.flickr.com/photos/andymag/9352522868/ Com alterações Licença de uso disponível em: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura