Jesus Cristo e os tributos nossos de cada dia

04/01/2016

Por Charles M. Machado - 04/01/2016

A vida em sociedade implica em acompanhar costumes e respeitar a ordem estabelecida. O respeito quase sempre, é uma medida direta da relação de poder exercida entre Estado e cidadão, ou um reflexo da consciência social e maturidade do cidadão frente às regras estabelecidas por meio de nosso contrato social. Os tributos e sua impositividade pelo Estado (União, Estados e Municípios) são sempre gravados e agravados pela mais absoluta rejeição social.

Eu nunca encontrei alguém feliz em pagar tributos, até encontrei quem assim o dissesse, mas em todo depoimento, sempre achei que existia uma distância muito grande entre a intenção e o gesto, e logo, acabava não me convencendo das frases retóricas a esse respeito.

Essa relação entre o tributo, leia-se sujeito ativo (que tem a capacidade impositiva) e o sujeito passivo (contribuinte), é sempre marcada por tensão, e conforme surgem as novas e maiores necessidades de caixa essa relação vai do ódio ao litígio, quando não passa por condutas sociais menos honrosas, deixando curiosos e profundos traços na história da humanidade.

O Império Romano não foi sucedido por outro grande império, mas pela perda das suas diversas regiões, cada uma por frentes de lutas distintas. Na Roma antiga, todo império era sustentado por algumas fontes tributárias, notadamente por dois impostos primários, o tributum Capitis, que era um imposto individual pago por pessoa com idade de 12 a 65 anos e o tributum soli, um tributo incidente sobre o patrimônio, notadamente terras, florestas, plantações, independentemente da produtividade da terra ou não, bem como embarcações, escravos, animais e outras propriedades móveis, sendo que esse tinha uma alíquota de 1%, logo, a propriedade precisava ser ativa, o que acabava fomentando o comércio, que sofria uma tributação menor, incidente sobre poucos produtos. A maior parte dos tributos ia para o Governo Central de Roma, tendo ainda as províncias seus próprios tributos, que visavam cobrir essas estruturas administrativas, além do resultado de saques efetuados pelas invasões Romanas; porém quanto maior era o império, maior ficava o custo dele, afinal o império Romano chegou a ter um exército de 650 mil homens e quanto mais longe ele ficava, mais caro era essa estrutura.

Graças a essa necessidade crescente de caixa, agricultores abandonavam terras pouco produtivas e novos tributos iam sendo criados, qualquer semelhança com os tempos atuais, não é mera coincidência.

Como o patrimônio das pessoas crescia pouco, os Imperadores começaram a prestar mais atenção nos tributos incidentes sobre o comércio, (mais uma coincidência), pois nos tempos atuais a União está de olho no ICMS, o maior tributo em arrecadação incidente sobre atos negociais de comércio. O mesmo ocorre com os tributos sobre herança, o que também assistimos no vertiginoso aumento das alíquotas de ITCMD. Foi nesse período que Tibério, em busca de maior renda tributária, ordenou que cada homem do império levasse sua esposa e filhos para a comunidade de nascimento, para efetuar um novo censo, a partir do qual seria cobrado um imposto individual, aumentando-se assim a base de arrecadação. Foi aí que conforme narram os evangelhos, que José de Nazaré, retornou à sua cidade natal, Belém, com sua esposa, Maria, que deu à luz, Jesus, em um estábulo.

Esse episódio, também é narrado na obra de Jack Weatherford, “A História do Dinheiro”, pág. 57. Na mesma obra, é narrada a versão que as pessoas tinham pelos coletores fiscais, inclusive as discussões sobre se os seguidores de Cristo deveriam ou não pagar tributos. Seria isso o embrião das imunidades religiosas?

O pleito dos fiéis foi liquidado na passagem do Evangelho, Lucas 20:25, quando Jesus deu fim a essa polêmica de maneira afirmativa, mostrando aos seus seguidores uma moeda que levava o retrato do imperador e instruindo-os a “dai a César o que é de César e a Deus o que pertence a Deus”. Para muitos a resistência aos tributos e a majoração dos mesmos alimentava novos movimentos que resistissem ao Estado vigente.

Os dias podem ser outros, mas a resistência permanece, seja pelo mau uso do dinheiro público através de poucas obras e serviços de baixa qualidade, ou simplesmente porque a carga já se demonstra excessiva além do limite.

É sempre bom lembrar, que a Constituição Federal, na intenção de impedir a total desordem tributária, delimitou, em seus artigos, as competências para instituir e exigir tributos. Assim, tanto União quanto Estados, Distrito Federal e Municípios, possuem sua própria área de atuação que não se confunde com a dos demais.

Por isso que, para a criação de um imposto, primeiramente, deverá haver uma Lei Complementar discriminando o fato gerador, a base de cálculo e o sujeito passivo (contribuinte) e, somente após estar criado, poderá ser instituído pela União Federal, Estado, Distrito Federal ou Município, dependendo do órgão competente para exigí-lo.

Logo, nesse momento, com as sucessivas elevações de alíquotas do ITCMD, é importante identificar os requisitos legais, a essa ampliação de exação tributária para a instituição do Imposto Sobre Transmissão "Causa Mortis" e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos - ITCMD - e a forma de efetiva criação deste imposto.

O inciso I, do art. 155, da Constituição de 1988, determina que é competência estadual instituir imposto sobre a transmissão "causa mortis" e a doação de quaisquer bens ou direitos.

Verificamos então, que o Código Tributário Nacional - CTN - que é considerado Lei Complementar, em seu artigo 35, criou o Imposto Sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos a ele Relativos, viabilizando aos Estados e Distrito Federal sua instituição e exigência. Desta forma, cada Estado editou sua lei, instituindo o Imposto Sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos a ele Relativos, passando a exigir de seus contribuintes o imposto nos exatos termos que lhe foi permitido pelo CTN.

Contudo, com a finalidade de aumentar a arrecadação fiscal, os Estados Brasileiros, vem alargando base e alíquotas desse tributo.

A partir desse novo dispositivo legal, passou-se a tributar, além da transmissão de bens imóveis e os direitos a eles relativos, a transmissão "causa mortis" de quaisquer outros bens, ou a sua doação, independente de serem móveis ou imóveis, alargando em alguns Estados a sua hipótese de incidência.

Houve clara intenção de alargamento das hipóteses de incidência e, em consequência direta, das bases de cálculo do imposto.

Logo, todo aquele que transmitir, seja por doação, por sucessão legítima ou testamentária, bens imóveis ou móveis; citando-se dentre estes últimos qualquer título ou direito representativo do patrimônio ou capital de sociedade, tais como ação, quota, quinhão, debênture, dividendo, dinheiro, depósito bancário; deverá recolher imposto, respeitados os limites de isenção e as alíquotas aplicáveis.

Ocorre que não há Lei Complementar que contemple a possibilidade de se tributar os bens móveis.

Além do CTN, não existem Leis Complementares sobre a questão, e aquele apenas trata dos bens imóveis e direitos deles decorrentes.

Ou seja, o Estado acabou por criar novo tributo que, mesmo sendo de sua competência, só pode ser exigido após ter sido criado por Lei Complementar.

Ora, a Lei que seja Ordinária, portanto, não satisfaz o meio formal exigido para a criação do imposto.

Conforme já mencionado, este procedimento formal está previsto no próprio Texto Ápice; e, sequer há que se pensar na desconsideração de tal requisito, pois foi criado pelo Legislador Constituinte exatamente para conferir maior rigor à criação de impostos. Tal desejo não pode ser, simplesmente, ignorado pelos Estados. É exatamente esse o entendimento das maiores Cortes do País.

O Colendo Supremo Tribunal Federal, ao julgar caso análogo relativo ao Adicional Estadual de Imposto de Renda (Pleno; RE nº 149.955-9-SP; rel. Min. CELSO DE MELLO; j. em 19/08/1993; v.u.) declarou ser inconstitucional a instituição do imposto devido a ausência de Lei Complementar. Decidiu, ainda, que o Estado não pode exercer a competência legislativa plena, dependendo de norma complementar, "...Os Estados-membros não podem instituir, mediante ato legislativo próprio, o tributo a que se refere o artigo 155, II, da Constituição (Adicional ao Imposto de Renda) enquanto não for editada, pela União Federal, a Lei Complementar nacional prevista no artigo 146 da Lei Fundamental da República. A existência desse 'vaccum legis' não confere aos Estados-membros a possibilidade de exercerem, com base nas regras inscritas no artigo 24, 3º, da Constituição e no artigo 34, § 3º, do ADCT/88, competência legislativa plena..." (sic).

Analisando a mesma questão e, em igual sentido está o Colendo STF, que ao Julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 633/RJ (Pleno, rel. Min. SYDNEY SANCHES, DJ de 19/11/93, v.u.), decidiu que os Estados não podem instituir o Adicional de Imposto de Renda sem que, antes, disponha sobre o tema Lei Complementar, nos termos do art. 146, da CF/88.

Logo, existe um ótimo espaço para discussão nos próximos anos e não falta base legal para o contribuinte se socorrer do judiciário.

Na Roma antiga, quem não atendesse ao recenseamento tributário pagava com a morte, hoje no estado de Direito, o preço é o processo.


Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito. Email: charles@dantinoadvogados.com.br


Imagem Ilustrativa do Post: Jesus Christ - Christus Statue // Foto de: midiman // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/midiman/90232333

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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