IPTU Sustentável em Florianópolis

17/12/2015

 Por Carolina Schauffert Ávila da Silva - 17/12/2015

A principal função da tributação é a arrecadação fiscal. Assim, fiscalidade é quando os objetivos que presidiram a instituição do tributo são simplesmente aqueles de abastecer os cofres públicos[1].

Complementando com o conceito acima explanado, os ilustres professores Misabel de Abreu Machado Derzi e Sacha Calmon Navarro Coelho definem: 

O poder de tributar do Estado, implicando contribuições dos cidadãos e justificado pela necessidade deste de obter recursos para a consecução de seus fins, em prol da comunidade, decorre diretamente da Constituição (produto da vontade popular e reflexo das ideologias predominantes no meio social)[2].

Nesse sentido, verifica-se que o poder de tributar concedido aos entes políticos é vinculado à sua própria procedência, vez que autorizou a formação da sociedade através do objetivo primordial ligado à arrecadação fiscal, gerindo-a e financiando-a através de um governo, estabelecendo desta forma uma relação evidente entre governante e governados[3].

E justamente por referir-se à construção do bem-comum da sociedade que cabe à tributação o poder de restringir a capacidade econômica do indivíduo. O poder de tributar justifica-se pela prevalência do bem da coletividade em detrimento dos interesses individuais, pois, na falta do Estado, não haveria garantia nem mesmo à propriedade privada e à preservação da vida[4].

Conforme Mizabel Derzi e Sacha Calmon, tal poder concedido à tributação, qual seja, o de restrição da renda e propriedade pessoais, coloca a tributação no patamar de poderes estatais tão fortes como o da manutenção da ordem interna e o da declaração de guerra externa, podendo inclusive utilizar-se do poder de coerção para que a obrigação tributária seja de fato cumprida[5].

Assim, através dos tributos, os quais correspondem a imposição de um encargo financeiro sobre o contribuinte a partir da ocorrência de um fato gerador e que é calculado aplicando-se uma alíquota a uma determinada base de cálculo, é formada a receita da União, Estados e Municípios.

De modo oposto, existe no ordenamento jurídico pátrio a função extrafiscal atribuída aos tributos, a qual é verificada quando o objetivo da exação é de prestigiar ou desprestigiar certas situações, às quais o legislador dispensa tratamento mais ou menos gravoso[6].

Hugo de Brito Machado preceitua que na atualidade, dificilmente um tributo é utilizado apenas como instrumento de arrecadação. Daí surge a extrafiscalidade, que constitui função além daquela primordial, qual seja, a de arrecadação. Ligada a valores constitucionais, pode decorrer de isenções, benefícios fiscais, progressividade de alíquotas, finalidades especiais, entre outros institutos criadores de diferenças entre os indivíduos[7], diante certa premissa.

Para Paulo de Barros Carvalho:

Há tributos que se prestam, admiravelmente, para a introdução de expedientes extrafiscais. Outros, no entanto, inclinam-se mais ao setor da fiscalidade. Não existe, porém, entidade tributária que se possa dizer pura, no sentido de realizar tão-só a fiscalidade, ou, unicamente, a extrafiscalidade. Os dois objetivos convivem, harmônicos, na mesma figura impositiva, sendo apenas lícito verificar que, por vezes, um predomina sobre o outro[8].

Assim, entende-se que extrafiscalidade configura-se como o meio para fomento ou desestímulo de comportamentos humanos.

Nesta linha, Ricardo Lobo Torres sustenta:

A extrafiscalidade, como forma de intervenção estatal na economia, apresenta uma dupla configuração: de um lado, a extrafiscalidade se deixa absorver pela fiscalidade, constituindo a dimensão finalista do tributo; de outro, permanece como categoria autônoma de ingressos públicos, a gerar prestações não tributárias[9].

Conclui o autor: reconhece-se que a extrafiscalidade decorre de normas que procuram induzir ou reprimir comportamento[10].

Desta forma, surgem possibilidades quanto à tributação ambiental, onde a função extrafiscal dos tributos, principalmente o do IPTU objeto deste estudo, contribuiria de modo eficiente ao mudar a carga fiscal dos chamados “comportamentos bons”, ligados à preservação, para os “comportamentos ruins”, como a poluição e a devastação dos recursos naturais.

Quanto à finalidade do mencionado imposto, ensina Carneiro:

Temos que a função do IPTU – Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana é preponderantemente fiscal, ou seja, a obtenção de receita derivada para os Municípios e o Distrito federal, seja através da sua previsão ordinária (art. 156, I da Constituição Federal 1988) ou pela sua progressividade fiscal prevista no inciso I, do parágrafo 1º, do artigo 156 do referido texto Constitucional. Contudo, considerando a evolução do Direito Tributário como forma de intervenção político-econômica, poderá esta função também ser excepcionalmente extrafiscal quando se valer da progressividade no tempo que lhe permite o artigo 182, parágrafo 4º, inciso II, da Constituição Federal de 1988 para coibir o descumprimento da função social da propriedade urbana. Destaque-se que também será possível invocar a extrafiscalidade na hipótese do artigo 156, parágrafo 1º, inciso II, da Constituição Federal de 1988, quando se fixarem alíquotas diferenciadas em razão do uso e localização do imóvel. A progressividade das alíquotas será explorada em momento oportuno, mas por ora serviu para completar o raciocínio a respeito da possibilidade ou não de o tributo ser extrafiscal[11].

Desta maneira, a imposição de tais tributos aos contribuintes não objetivaria somente o financiamento do ente político, mas cumpriria de forma paralela com a sua função extrafiscal, vez que atuaria de modo a tornar inconveniente o comportamento ambiental danoso. Assim, a legislação age quando da geração de incentivos fiscais às atividades que visem à preservação ambiental e sustentabilidade e, de outro lado, quando da estruturação de exações que visem a coibir práticas lesivas ao meio ambiente.

Seguindo com a tendência moderna, onde os entes públicos voltam suas preocupações cada vez mais para o tema ambiental, buscando atingir resultados eficazes para a sua preservação e manutenção do seu equilíbrio, o município de Florianópolis criou, através do art. 5º, § 1º da Lei Complementar Municipal nº 480, de 20 de dezembro de 2013, o desconto adicional no IPTU para os imóveis que cumprirem com pelo menos um dos requisitos elencados, relacionados à utilização sustentável do imóvel. Tal instituto ficou denominado “IPTU Sustentável”, ante a atribuição de função extrafiscal ao tributo, conforme já aludido acima.

Antes de adentrar ao tema principal, cumpre discorrer a respeito do conceito de sustentabilidade, bem como seus aspectos peculiares e cada vez mais atuais, diante da crescente preocupação com a manutenção de um meio ambiente saudável para a presente e as futuras gerações.

Sustentabilidade é acima de tudo um princípio, originário da Constituição Federal, o qual determina a responsabilidade do Estado e da sociedade pela concretização solidária do desenvolvimento material e imaterial, socialmente inclusivo, ambientalmente limpo, inovador, ético e eficiente, que tem como intuito assegurar, de modo preventivo preferencialmente, e precavido, o direito ao bem estar físico, psíquico e espiritual, em consonância com o bem de todos[12].

Ainda de acordo com o conceito esposado acima, tal responsabilidade atribuída ao Estado independe de quaisquer regulamentações legais, possuindo eficácia direta e imediata[13].

Vale ressaltar ainda que a sustentabilidade possui, dentre outras, dimensão jurídico-política, no sentido de que a sua busca é um direito, e encontrá-la é um dever constitucional inalienável e intangível de reconhecimento da liberdade de cada cidadão, no processo de estipulação intersubjetiva do conteúdo dos direitos e deveres fundamentais do conjunto da sociedade, sempre que viável diretamente[14].

Assim, nascerá o Estado Sustentável, baseado no direito que colima concretizar os direitos relativos ao bem-estar duradouro das atuais gerações, sem prejuízo das futuras[15].

Pois bem. De acordo com o IPTU Sustentável aprovado no município de Florianópolis, algumas tecnologias ambientais sustentáveis podem ser incentivadas ao se premiar os contribuintes (com redução do IPTU) que os adotarem em suas construções, tais como: Sistema de Captação e utilização da água da chuva; Sistema de reuso de água; Sistema de aquecimento hidráulico/elétrico solar; Sistema de aproveitamento energético solar ou eólico; Construções com material sustentável; Separação e encaminhamento de resíduos sólidos inorgânicos para reciclagem; Plantios de mudas; Disposição de áreas verdes de acordo com a extensão total do imóvel; Sistema para manutenção de áreas permeáveis; Permitir recarga do lençol freático; Arborização no calçamento; Instalação de telhado verde; etc.

Desta forma, o contribuinte que tiver em seu imóvel quaisquer das características que tratam de preservar o meio-ambiente listadas pela legislação, além de tornarem a cidade mais limpa e conservada, recebem o percentual de desconto relativo à pontuação adquirida, caracterizando em verdadeiro incentivo à criação ou adaptação dos imóveis do Município às formas sustentáveis de utilização pelos seus proprietários.

Dita o citado dispositivo:

Art. 5º O art. 244 da Lei Complementar nº 007, de 1997, com as alterações da Lei Complementar nº 475, de 2013, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 244. O Chefe do Poder Executivo concederá os seguintes descontos no pagamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) e taxas lançadas e cobradas juntamente com este imposto, desde que efetuado até a data do respectivo vencimento contido no carnê:

I - vinte por cento para o pagamento em cota única; e

II - cinco por cento para o pagamento parcelado.

§ 1º Fica o Poder Executivo Municipal autorizado a conceder um desconto adicional de até cinco por cento ao imóvel que se enquadrar na categoria de uso sustentável, nos termos da regulamentação própria do órgão responsável pelo desenvolvimento urbano do Município.

§ 2º Para efeitos de aplicação do parágrafo anterior, considera-se Uso Urbano Sustentável o imóvel que atenda a um ou mais dos seguintes itens:

I - aos critérios de acessibilidade do passeio público;

II - não possua vagas para estacionamento de automóveis na área de afastamento frontal obrigatória;

III - possua bicicletário, nos termos da lei, disposto em frente à entrada principal da edificação quando destinada ao uso comercial ou de prestação de serviço;

IV - aos critérios de acessibilidade das edificações de uso coletivo;

V - as edificações existentes acomodem usos adequados ao zoneamento do local;

VI - adote sistemas adequado de insonorização, em se tratando de edificação que acomode atividade produtora de ruído ou som eletrônico; e

VII - adote sistema de aproveitamento de água de chuva, de reuso de água e medidores individuais de consumo.

§ 3º O enquadramento do imóvel deverá ser comprovado anualmente.

§ 4º O Poder Executivo expedirá regulamentação para enquadramento das edificações assim como do percentual de desconto relativo a cada um dos itens listados no § 2º observando o limite máximo estabelecido no § 1º.

Por sua vez, o Decreto Municipal nº 12.608, de 30 de janeiro de 2014, o qual regulamente a Lei Complementar Municipal nº 480/2013, dispõe, em seu art. 4º:

tabela

Art. 4º Para obtenção do desconto adicional de até 5% (cinco por cento) ao imóvel de uso sustentável, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 244 da Lei Complementar nº 7, de 1997, com as alterações da Lei Complementar nº 480, de 2013, observar-se-á o seguinte: 

§ 1º Considera-se imóvel de uso sustentável aquele que se enquadrar, cumulativamente, em pelo menos três dos itens listados.

§ 2º O percentual previsto no item 1 só se aplica para as edificações comerciais ou de prestação de serviços.

§ 3º O percentual previsto no item 3 não se aplica a edificações de uso residencial familiar.

§ 4º O bicicletário previsto no item 3 deverá estar locado junto à entrada principal do estabelecimento comercial ou de prestação de serviços e atender aos demais critérios previstos em legislação específica.

§ 5º O percentual previsto no item 6 só se aplica para as edificações cuja adequação seja obrigatória por imposição de legislação específica.

§ 6º O limite máximo de desconto é de 5% (cinco por cento) ainda que a edificação obtenha pontuação superior.

§ 7º A avaliação da obtenção do desconto a que se refere este artigo será realizada anualmente pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano - SMDU, mediante solicitação do proprietário, ou procurador legalmente constituído, do imóvel, instruído com laudo expedido por profissional habilitado, a ser protocolizado nas unidades do Centro de Atendimento ao Cidadão (Pró-cidadão).

Assim, pela primeira vez o Município de Florianópolis cria uma legislação que se utiliza do poder da extrafiscalidade concebido ao IPTU para incentivar um comportamento em seus contribuintes, que objetive a adoção de medidas que tenham consequências diretas na preservação do meio-ambiente local.

O IPTU Sustentável, também chamado de “IPTU Verde”, já é realidade em vários municípios, e.g.: Lei nº 2.544/2013 - Camboriú (SC); Lei nº 8.474/2013 – Salvador (BA); Lei Complementar nº 235/2012 - Goiânia (GO). Assim, Florianópolis junta-se aos demais Municípios que já utilizam-se da extrafiscalidade, para buscar ações eficientes quanto à preservação ambiental.

Em que pese não haver dados quanto aos resultados esperados com a aplicação do IPTU Sustentável em Florianópolis, tendo em vista que o mesmo teve sua vigência a partir do exercício de 2015, acredita-se que o instituto surtará efeito educativo perante os contribuintes, tornando-se um importante instrumento na busca de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida para a atual e para as futuras gerações.


Notas e Referências:

[1] OLIVEIRA, R.; Horvath, E. Manual de direito financeiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002, p. 213.

[2] DERZI, Misabel de Abreu Machado; COELHO, Sacha Calmon Navarro. Do Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 31.

[3] Idem. p. 53.

[4] Idem. p. 214.

[5] Idem. p. 214.

[6] NOGUEIRA, Julia de Menezes. A natureza jurídica dos benefícios fiscais concedidos pela "Lei Rouanet" e pela "Lei de Incentivo ao Esporte". Disponível em http://www.fiscosoft.com.br/a/67cc/a-natureza-juridica-dos-beneficios-fiscais-concedidos-pela-lei-rouanet-e-pela-lei-de-incentivo-ao-esporte-julia-de-menezes-nogueira

[7] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 435.

[8] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. 4ª ed. São Paulo: Noeses, 2011. p. 249-250.

[9] TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 167.

[10] Idem. p. 168.

[11] Carneiro, Cláudio. Impostos Federais, Estaduais e Municipais. 4ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2013, p. 08.

[12] FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: Direito ao Futuro. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 40.

[13] Idem, p. 40.

[14] Idem. p. 40.

[15] Idem, p. 64.


Carolina Schauffert Ávila da Silva. Carolina Schauffert Ávila da Silva é Especialista em Direito Tributário pelo IBET - Instituto Brasileiro de Estudos Tributários. Graduada em Direito pela UNIVALI - Universidade do Vale do Itajaí. Advogada. Atualmente é Diretora de Tributos Imobiliários da Prefeitura Municipal de Florianópolis. .


Imagem Ilustrativa do Post: Florianopolis // Foto de: justinknabb // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/justinknabb/4939547475

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura