Frank Easterbrook, em sua obra Economic Analysis of Corporate Law, compara a empresa a um conjunto de promessas, afinal o empresário e administrador dessa organização promete — para o consumidor — um produto ou serviço de qualidade — para o empregado — um salário digno e competitivo, e — para os sócios — uma lucratividade constante.
Essa realidade não é diferente para as startups, as quais, em verdade, possuem um elemento de dificuldade para dar crédito às suas promessas, pois, enquanto as empresas tradicionais têm um consolidado histórico para ancorar o convencimento dos consumidores, empregados e investidores de que são empresas cumpridoras de suas promessas, as startups têm somente expectativas para apresentar.
Nesse cenário, o convencimento do consumidor dependerá da elaboração de um Produto Mínimo Viável (MVP) e atrativo, o convencimento do empregado, em geral, dependerá de um bom pacote englobando salário e benefícios e, naturalmente, da entrega mensal dessa promessa.
Por outro lado, o convencimento do investidor dependerá da apresentação de um bom MVP e de uma equipe capaz de entregar esse produto ou serviço em escala, o que indica um efetivo potencial de lucratividade futura. Além disso, o investidor dependerá, sobretudo, de uma estrutura contratual que lhes traga segurança da existência de equilíbrio entre o valor aportado e as expectativas entre o retorno financeiro e os riscos assumidos nesse investimento. É justamente desse desafio que se trata no presente texto: o de tornar a promessa aos investidores em startups atrativa, proporcionando, por meio do contrato, o justo equilíbrio entre os riscos do investimento e a expectativa de resultados.
Nesse tocante, o principal objetivo é demonstrar as limitações trazidas na construção dessas promessas entre startups e investidores em virtude, sobretudo, do descompasso existente entre o direito societário e o direito tributário vigentes no Brasil, bem como das alternativas contratuais que têm sido construídas dentro desse importante ambiente de geração de novos negócios, de forma a superar as limitações existentes.
Para tanto, é importante destacar quais seriam os riscos que norteiam a decisão dos investidores em startups na escolha dos contratos para a materialização de seus investimentos, os quais podem ser divididos entre internos e externos.
Os riscos externos aos quais os investidores estão sujeitos são os mesmos aos quais se sujeitam quaisquer empresas tradicionais atuantes no mercado. Trata-se do risco de mercado em si, na disputa com outros produtos e serviços oferecidos aos consumidores. Este risco afeta o potencial da expectativa de lucratividade pretendida e, pode-se dizer, é inerente à atividade empresarial.
Os riscos internos envolvem, na fase preliminar ao investimento, os riscos de assimetria informacional, caracterizados pela dificuldade de ter pleno conhecimento do negócio antes de sua materialização, bem como, na fase de execução do contrato, os problemas de agência, caracterizados pelos riscos de conflitos de interesses entre os empreendedores fundadores da empresa e os investidores na definição dos objetivos e metas a serem perseguidos pela empresa. Aliás, segundo Mackaay, cada um dos tipos legais assumidos pela empresa transita por arranjos contratuais diferentes, cuja eficiência deste ou daquele modelo deriva da análise dos custos de agência, o que explica, inclusive, a coexistência dos diferentes tipos[i].
Some-se a isso tudo, o problema específico da exacerbação das hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica nas relações trabalhistas. Este dilema comporta uma característica externa (decisão judicial fora do controle do gestor e do investidor) e interna (decorrente da relação entre empregador e empregado).
Como apontado em artigo pretérito nesta coluna, “a desconsideração de forma ilimitada e sem quaisquer critérios (inclusive, das sociedades anônimas) gera evidentes riscos à atividade empresarial, haja vista que da personalização decorre o princípio da autonomia empresarial, que configura um dos elementos cruciais do Direito Societário. Vale dizer, em razão do referido princípio, os sócios não respondem, em regra, pelas obrigações da sociedade, permitindo o desenvolvimento da atividade empresarial. A flexibilização deste princípio enfraquece e põe em risco a atividade do empresário”[ii].
No contexto, os investidores em startups devem considerar que, no caso de insucesso da empresa, as indenizações trabalhistas não cobertas pela própria pessoa jurídica serão exigidas dos sócios, pois, diante da circunstância de inadimplemento, tem prevalência a hipótese de caracterização objetiva da responsabilidade subsidiária.
Da análise superficial dos riscos internos e externos e considerando que a expectativa dos investimentos realizados é a de lucratividade, conjuntamente com a possibilidade de venda valorizada da participação na empresa, tem-se que a resposta natural para a construção contratual que atenda aos interesses, tanto dos investidores quanto dos empreendedores venha do direito societário, mais especificadamente por meio da constituição de uma sociedade anônima, uma vez que essa espécie societária traz mecanismos para a mitigação dos riscos internos de agência e do problema da exacerbação das hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica. Nesse segundo caso, prevalece, na Justiça do Trabalho, a interpretação de que nas sociedades anônimas a responsabilidade subsidiária pelo inadimplemento da pessoa jurídica é extensiva aos diretores da companhia somente, e não aos seus sócios.
Essa conclusão simplória, e de certa forma óbvia, não é tão simples assim na realidade brasileira. É aqui que se colocam as dificuldades advindas do descompasso entre o direito societário e o direito tributário vigentes, sobretudo para a viabilização de investimentos em startups. E o cerne do problema é de fácil compreensão: as pessoas jurídicas que adotam a espécie societária “sociedade anônima” não podem se habilitar ao regime de tributação diferenciado (Simples Nacional).
E por que isso seria um problema? A questão reside no fato de que no Brasil existem dois regimes tributários ordinários para a tributação dos lucros das pessoas jurídicas, que são os sistemas de tributação pelo lucro real ou lucro presumido, e um regime diferenciado, denominado de Simples Nacional, o qual foi criado como forma de materialização de um preceito constitucional, que orienta a criação de mecanismos de tratamentos mais simplificados e favorecidos para micro e pequenas empresas.
Aqui se visualiza o paradoxo sob o qual se encontram as startups. Como empresas nascentes trata-se de organizações que efetivamente precisam valer-se das vantagens oferecidas pelo Simples Nacional para poderem ultrapassar o tão conhecido “vale da morte”, que suga grande parte das empresas nos dois primeiros anos de atividade, sejam elas startups ou as dos mercados convencionais. Ocorre que, para atrair investimentos, o melhor tipo societário é o da sociedade anônima, o qual, de forma objetiva, afasta a possibilidade de habilitação ao regime diferenciado do Simples Nacional.
Em suma: As startups se encontram entre o desafio de viabilizar a operação, optando por um tipo societário que lhe permita habilitar-se ao Simples Nacional, e o desafio de se tornar atrativa aos investimentos externos, optando por um tipo societário que torne suas promessas de lucratividade futura atrativas para investidores.
Restando inviabilizado o emprego do tipo societário sociedade anônima, uma vez que é evidente que é preciso sobreviver para atrair investimentos, suscita-se, como alternativa, ainda, no ambiente societário, o emprego de uma sociedade limitada, na qual figurariam como sócios os empreendedores, e a formação de uma sociedade em conta de participação — SCP, na qual figurariam, como sócios participantes, os investidores. Nesse caso, a sociedade limitada investida seria a sócia ostensiva. Por meio dessa construção contratual obter-se-iam as mesmas mitigações e seguranças pretendidas por meio da sociedade anônima.
Esse caminho alternativo, infelizmente, também não resolve a questão, eis que esbarra no mesmo problema anterior. A interpretação vigente no Brasil, por parte da Receita Federal, é a de que a existência de uma SCP afasta a possibilidade da sócia ostensiva habilitar-se ao regime tributário diferenciado Simples Nacional. Como esse sistema prevê a impossibilidade de pessoas jurídicas que têm como sócias pessoas jurídicas habilitarem-se ao regime diferenciado entendeu a Receita Federal que a existência da SCP caracterizaria uma situação equiparada à prevista nessa limitação.
Dessa forma, para priorizar a operacionalização do negócio e a sua própria sobrevivência no mercado, habilitando-se ao Simples Nacional, não podem as startups considerar como alternativas viáveis de estruturas societárias para a atração de investimentos as espécies societárias sociedade anônima e sociedade em conta de participação.
Como consequência das limitações acima, o ambiente dos investimentos das startups desenvolveu um contrato atípico como alternativa, o qual se caracteriza por um contrato de mútuo, mas com uma previsão condicional de conversibilidade dessa dívida em participação societária.
De outro lado, em 2017 passou a viger no Brasil o contrato de participação de investimento-anjo, o qual foi inserto no bojo do estatuto da microempresa e empresas de pequeno porte, com o claro propósito de trazer uma alternativa que possibilite superar o paradoxo atual imposto às startups.
Ambas as alternativas, contrato de mútuo conversível em participação societária e o contrato de participação, todavia, apresentam limitações.
No âmbito do primeiro, restam dúvidas quanto à interpretação pelo Poder Judiciário, de forma a se observar, sob o estresse da decisão judicial, em que medida essa alternativa contratual efetivamente fará frente aos riscos e dará segurança jurídica aos investidores.
No caso do contrato de participação, observa-se que o excesso de preocupação do legislador em proteger o sócio empreendedor deverá induzir os investidores a continuarem optando pela alternativa anterior, ou seja, o contrato de mútuo conversível em participação societária, ao menos enquanto o Poder Judiciário não se posicionar de forma a tornar inviável o emprego dessa alternativa.
Segundo TIMM, a captação de recursos é substancial para ganhos de escala, cabendo a lei societária criar regras de proteção aos investidores, até mesmo nas suas relações com os administradores que oponham interesses pessoais sobre os da sociedade. O referido autor questiona a eficiência da lei brasileira que foi concebida na década de 70, dentro de outra lógica, na qual a maioria das empresas eram familiares e com o controle societário bem definido. Faz alusão a jurisdição societária estadual de Delaware, Estados Unidos, reconhecendo tratar-se da melhor jurisdição, pois entre outras tantas vantagens, conta com a especialidade da corte de justiça que julga matérias societárias, enquanto que, no Brasil, acaba por indagar se a estrutura das empresas ainda é a mesma de 40 anos atrás?[iii].
Dentro desse cenário, a conclusão que se pode apresentar é de que, na realidade brasileira, os riscos legais aos quais estão sujeitos os investidores são um problema tão complexo e amorfo quanto os riscos externos de mercado aos quais estão sujeitas as empresas.
Trata-se, portanto, de um ambiente pouco favorável à assunção dos riscos apresentados ao investimento.
Esse contexto exalta a lembrança de uma lição dos economistas. Da mesma forma que as empresas se caracterizam por um conjunto de promessas, inclusive aos investidores, os Estados se caracterizam por um conjunto de promessas, inclusive para as empresas. Desse modo, a ausência de segurança jurídica e incentivos para a atração de investimentos induzirá os empreendedores brasileiros a buscarem soluções contratuais para os investidores em outros Estados. Em um ambiente de economia digital, no qual navegam as startups, atingir o mercado consumidor brasileiro não impõe à empresa a necessidade de sediar suas operações principais no País.
Se o intento do Estado Brasileiro é o de propiciar um ambiente favorável para a instalação de startups no território nacional, já se faz a hora da melhoria concreta das promessas (regimes jurídicos) existentes para a viabilização da atração de investimentos.
Notas e Referências
[i] MACKAAY, Ejan e ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. 2ª. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 534.
[ii] ZOLANDECK, João Carlos Adalberto e VALIATI, Thiago Priess. A Insegurança jurídica gerada pela desconsideração da personalidade jurídica tal qual é efetuada pela Justiça do Trabalho e os limites impostos pelo CPC de 2015. Empório do Direito: Florianópolis, 04/10/2018.
[iii] TIMM, Luciano Benetti. Artigos e ensaios de direito e economia. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2018, p. 127-130.
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