Investigação Defensiva sob o viés da Atividade de Inteligência: um olhar introdutório à Advocacia moderna: Pilar da ampla defesa, coluna da paridade de armas e instrumento basilar da presunção de inocência.

19/10/2022

Regulamentada através do Provimento n° 188/2018, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, a investigação defensiva ainda é um instrumento considerado recente e pouco explorado em sua completude no país; apesar de já ser difundida fortemente nos Estados Unidos e Itália.

Segundo o citado documento, sob o escopo de promover “diligências investigatórias para instrução em procedimentos administrativos e judiciais”[1], é notória a importância de uma defesa atuante já em sede policial de modo a resguardar todos os direitos constitucionais daqueles que, por alguma razão, têm contra si algum fato típico imputado já em âmbito de um inquérito policial.

Ademais, ante as afrontas processuais e ferimento de direitos aos quais muitos investigados são submetidos no país – mormente nos últimos tempos de um processo penal cada vez mais pirotécnico e midiático –, as diligências defensivas por parte dos advogados se tornam indispensáveis e, até mesmo, indissociáveis daquilo que se entende por uma defesa técnica eficaz.

Com isso, importa destacar o protagonismo do advogado atento à investigação defensiva pois, ao abordar as formas de atuação jurídica, comumente o papel do advogado criminalista era – e para muitos profissionais ainda é –, tido como o de refutar os elementos probantes produzidos pelo braço acusador do Estado que, por sua vez, é o mesmo Estado quem detém o papel de legislar estabelecendo normas que objetivam conter o crime através da aplicação das penas.

Todavia, tal postura reativa pode colocar o advogado criminalista em desvantagem temporal e, muitas vezes material, no transcorrer da fase introdutória da persecução penal pois, afinal, já em sede de inquérito policial pode haver diversas questões passíveis de contestação.

Afinal, mesmo que ao fim de uma investigação policial o inquérito reste arquivado pela autoridade policial, as “cicatrizes morais” deixadas no investigado perdurarão. Por isso, entende-se que a investigação defensiva é um pilar da ampla defesa; coluna da paridade de armas; e instrumento basilar da presunção de inocência.

Nessa esteira, cuida-se de adentrar no conceito de investigação defensiva já explicitado no artigo inaugural do aludido Provimento nº 188/2018, onde aduz que:

Art 1°. Compreende-se por investigação defensiva o complexo de atividades de natureza investigatória desenvolvido pelo advogado, com ou sem assistência de consultor técnico ou outros profissionais legalmente habilitados, em qualquer fase da persecução penal, procedimento ou grau de jurisdição, visando à obtenção de elementos de prova destinados à constituição de acervo probatório lícito, para a tutela de direitos de seu constituinte.

Sequencialmente, o mesmo documento apregoa que:

Art 2°. A investigação defensiva pode ser desenvolvida na etapa da investigação preliminar, no decorrer da instrução processual em juízo, na fase recursal em qualquer grau, durante a execução penal e, ainda, como medida preparatória para a propositura da revisão criminal ou em seu decorrer.

Dessa forma, em face até da sua ausência de força normativa vinculante, o que se enxerga no cenário processual penal brasileiro é a premente necessidade de se operacionalizar materialmente o assunto investigação defensiva, pois tal instrumento indispensável à paridade de armas – e consequente amplitude de defesa e ao contraditório, sobretudo na fase inicial da persecução penal –, não pode mais estar suscetível a tamanho hiato legal.

Ante o exposto, é possível notar as possibilidades da investigação defensiva para uma advocacia criminal moderna e destacada do chamado “modelo tradicional”, por vezes até, inclinando-se a um padrão obsoleto de atuação profissional.

E é sob o escopo de romper paradigmas no afã de prover ainda mais robustez à investigação defensiva sob tal ótica, que se aporta a preocupação quanto à desproporcionalidade de forças entre acusador e defensor – fora a concentração de poder daquele que julga –, como evidencia o estimado jurista e advogado, Dr. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho ao refletir que:

Se o processo tem por finalidade, entre outras, a reconstituição de um fato pretérito, o crime, mormente através da instrução probatória, a gestão da prova, na forma pela qual ela é realizada, identifica o princípio unificador. Com efeito, pode-se dizer que o sistema inquisitório, regido pelo princípio inquisitivo, tem como principal característica a extrema concentração de poder nas mãos do julgador, o qual detém a gestão da prova.[2] 

Ou seja, não há mais que se olvidar da extrema importância de um posicionamento estratégico da defesa. E ao se falar em estratégia, emerge o entendimento de que a investigação defensiva guarda viés de atividade de inteligência.

Ademais, sublinha-se que a atividade de inteligência é amplamente utilizada na iniciativa privada e, por isso, da forte motivação em abordar tal temática no seio da advocacia.

Contudo, é preciso desmistificar conceitos prévios do que “viria a ser” a atividade de inteligência – que, erroneamente, ainda é atrelada a práticas obscuras perpetradas em um passado recente de violação de direitos no Brasil. Sentimento esse plenamente compreensível por conta de uma delicada retomada democrática ainda jovem no país; que, inclusive, vem novamente sofrendo ataques políticos, éticos e constitucionais.

Por esta banda, abordar dois assuntos aparentemente distintos e imiscíveis – quer sejam a advocacia e a atividade de inteligência –, certamente acomoda um grande desafio cujo objetivo aqui é de expor um panorama introdutório sobre tal ponto de vista.

Assim, no que tange à conceituação da atividade de inteligência, a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), traz que:

A atividade de Inteligência é o exercício de ações especializadas para obtenção e análise de dados, produção de conhecimentos e proteção de conhecimentos para o país. Inteligência e Contrainteligência são os dois ramos da atividade. A Inteligência compreende ações de obtenção de dados associadas à análise para sua compreensão. A análise transforma os dados em cenário compreensível para o entendimento do passado, do presente e para a perspectiva de como tende a se configurar o futuro. A Inteligência trata fundamentalmente da produção de conhecimentos com objetivo específico de auxiliar o usuário a tomar decisões de maneira mais fundamentada.[3]

Nessa via paralela, confere-se à investigação defensiva – desde que bem utilizada sob o viés de atividade de inteligência –, o status de ferramenta que irá prover essa igualdade com quem acusa.

Assim sendo, o advogado deve percorrer linhas investigativas não exploradas, levantar e coletar dados, produzir ou contestar provas técnicas e, por muitas vezes, até potencializar a importância de provas subaproveitadas nos autos ou procedimentos; há recursos técnicos para isso.

Tudo ao encontro da já exarada conceituação de atividade de inteligência que visa produzir conhecimento a ser analisado e transformado em informação que irá assessorar o tomador de decisões de forma precisa e eficaz. No caso, o próprio advogado e posteriormente, o delegado de polícia, o promotor de justiça e o juiz.

É como transpor para a realidade da advocacia por intermédio da investigação defensiva, o viés da atividade de inteligência munida dessa informação depurada e tratada. 

Isso posto, faz-se um convite à reflexão sobre o dinamismo do mercado jurídico, mormente àquilo que diz respeito à advocacia criminal. Sabidamente, há imprescindibilidade na atuação conectada aos novos meios de interação, na utilização de métodos de ação inovadores e, sobretudo, de modernas ferramentas de análise de vínculos, dados telemáticos e de relacionamentos interpessoais.

A exemplo disso, é através do viés de inteligência na investigação defensiva que o advogado criminalista pode interligar ao Direito, áreas como, por exemplo, a Psicologia e a Neurociência.

O assunto é vasto e as possibilidades amplas. Coube aqui, portanto, tecer uma pequena introdução a fim de chamar a atenção para a pauta. Afinal, vislumbra-se que o presente tema seja de interesse coletivo; tanto da advocacia, quanto das demais instituições que integram a persecução penal que objetivam o mesmo fim: a verdade dos fatos. 

Thiago de Miranda Coutinho é Jornalista e Especialista em Inteligência Criminal. Atualmente, é Agente de Polícia Civil em Santa Catarina há 10 anos, graduando em Direito pela Univali, Coautor de três livros sobre Direito e Autor de diversos artigos jurídicos reconhecidos nacionalmente. Instagram: @miranda.coutinho_  

 

Notas e Referências

In: OAB, Conselho Federal: Provimento n° 188. Brasília, OAB, Conselho Federal, 2018. Proposição n. 49.0000.2017.009603-0/COP.

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. (org.) Crítica a Teoria Geral do Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. Pg 28.

AGÊNCIA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA (ABIN). Disponível em: <https://www.gov.br/abin/pt-br/assuntos/inteligencia-e-contrainteligencia>. Acesso em 17/10/2022 às 15:57h

[1] In: OAB, Conselho Federal: Provimento n° 188. Brasília, OAB, Conselho Federal, 2018. Proposição n. 49.0000.2017.009603-0/COP.

[2] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. (org.) Crítica a Teoria Geral do Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. Pg 28. 

[3] AGÊNCIA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA (ABIN). Disponível em: <https://www.gov.br/abin/pt-br/assuntos/inteligencia-e-contrainteligencia>. Acesso em 17/10/2022 às 15:57h

 

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