Investigação criminal defensiva frente aos réus representados pela Defensoria Pública e por advogados dativos

26/07/2021

A Defensoria Pública ganhou regramento específico na Constituição Federal, que no art. 134 dispõe que a Defensoria é “instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.”

Em razão disso, o defensor público Frankly Roger da Silva, dispõe que, o inquérito defensivo ganha contornos diferentes de acordo com a presidência dele. Se o procedimento defensivo for presido pela Defensoria Pública, o inquérito será considerado ato oficial e público.

Nessa lógica, o inquérito defensivo será considerado oficial para ambos os sujeitos que o instaure, eis que tanto o advogado quanto o defensor público são essenciais à administração da justiça. Porém, quando a investigação é exercida pela Defensoria, o ato investigatório é público, eis que a Defensoria é órgão estatal.

Silva expõe que, em que pese o Estatuto da OAB considere que o advogado presta serviço público e exerça função social (art. 2º, § 1º), a investigação do advogado particular tem caráter de investigação privada:

No entanto, ainda que possível a construção teórica em prol da função do advogado, sua relação com o cliente reveste-se de particularidades não reproduzidas no regime estabelecido entre Defensoria Pública e os seus assistidos, o que seria um primeiro fator a caracterizar a natureza jurídica diversa entre os inquéritos defensivos.

Assim, na base da teoria, teremos uma distinção formal entre a investigação desenvolvida pela Defensoria Pública, que, pela sua natureza estatal e oficial, terá natureza pública, e a investigação desenvolvida pelo advogado, que, pela sua natureza, ostentará natureza privada.[1]

Silva dispõe, ainda, que a diferenciação entre a natureza da investigação, não terá muita diferença na prática, pois o que importa é o conteúdo dela.

Em que pese o STF já tenha declarado como inconstitucional o poder de requisição da Defensoria Pública (art. 44, X[2], da Lei Complementar n.º 80/1994), tal prerrogativa é de extrema importância para garantir a paridade de armas, pois de nada adianta garantir o direito à defesa sem de fato garantir os meios para tanto.

O defensor Franklyn Silva assinala que o provimento n.º 188/2018 foi de grande valia. Entretanto, ele destaca que não houve muita preocupação em relação ao controle dos atos realizados pelos advogados e pontua que considera irrazoável que a Ordem dos Advogados do Brasil mantenha o controle de dados dos advogados que exerçam a função investigativa, bem como que condicione à atividade a frequência de cursos de capacitação.

O defensor público ora citado dispõe que a matéria da investigação defensiva deve ser vista com cautela, eis que o tema não tem amparo legislativo. Ele pontua que não basta a mera regulamentação da instauração do inquérito defensivo, pois a advocacia necessita de um enfrentamento em relação aos aspectos deontológicos da investigação defensiva:

Há um perigo de se tomar um rumo semelhante ao dos acordos de não persecução aprovados no âmbito do CNMP, cuja constitucionalidade é discutida no STF em virtude de um excessivo avanço normativo em temas que não competiriam ao Conselho, até o advento da Lei n. 13.964/2019 que trouxe maior disciplina ao tema.[3]

Além do aspecto normativo, outro problema a ser pensado em relação a investigação criminal defensiva junto à Defensoria Pública é a questão da verba financeira para isso.

Em diversos Estados a estrutura da Defensoria Pública é extremamente precária, sendo que em muitos lugares faltam defensores públicos. Portanto, a questão orçamentária é um problema tanto para Defensoria Pública quanto para os clientes que não dispõem de recursos financeiros para realização de diligências particulares.

Na situação de pessoas que não possuem recursos financeiros para realização de diligências particulares, Aury Lopes Júnior dispõe que o Estado deve ofertar os mesmos mecanismos que concede ao Ministério Público para a defesa dessas pessoas:

O Estado deve organizar-se de modo a instituir um sistema de “Serviço Público de Defesa”, tão bem estruturado como o Ministério Público, com a função de promover a defesa de pessoas pobres e sem condições de constituir um defensor. Assim como o Estado organiza um serviço de acusação, tem o dever de criar um serviço público de defesa, porque a tutela da inocência do imputado não é só um interesse individual, mas social.[4]

A instituição de um serviço público de defesa é de extrema importância, haja vista que garante a paridade de armas e possibilita a investigação defensiva em favor de pessoas hipossuficientes. Na Colômbia, por exemplo, existe uma estrutura do Estado quando a pessoa não tem recursos para pagar a investigação defensiva.

No Estado do Paraná os sujeitos hipossuficientes poderão ser acompanhados ou pela Defensoria Pública ou por um advogado dativo, sendo que o advogado dativo é remunerado por uma Tabela de Honorários regulamentada pela OAB/PR com a PGE. Apesar disso, nessa tabela não existe nenhuma previsão de auxílio ou reembolso ao advogado dativo que efetua diligências em favor do cliente.

Portanto, é possível observar que, mais uma vez, os hipossuficientes são prejudicados por não existir nenhuma destinação de recursos em favor da investigação defensiva, pois sabe-se que muitas vezes, se faz necessária a realização de provas e contraprovas que vão além das diligências junto à internet.

A respeito da disponibilização de recursos em prol da investigação defensiva, os professores Luiz Gustavo Pujol e Rodrigo Sánchez Rios dispõem que:

A consolidação dessa tendência normativa clama por uma mudança de cultura por parte do Poder Público quanto ao resguardo pleno das garantias e da própria dignidade do investigado na fase pré-processual. Por consequência, independentemente da expectativa por uma nova lei penal adjetiva, urge a disponibilização dos recursos materiais necessários para a implementação destas diretrizes por parte do agente público.[5]

Vitor Eduardo Tavares de Oliveira, Defensor Público no Estado do Paraná pontua que:

A investigação defensiva realizada pela Defensoria Pública tem respaldo legal no nosso poder de requisição e no dever de realizar a melhor defesa possível. Ela visa sanar algumas falhas da investigação oficial, elaborada pela Polícia ou Ministério Público, com intuito de atestar o relato do acusado. É uma investigação parcial, pois está preocupada com a versão dos fatos relatada pelo réu, podendo deixar de juntar elementos de prova que sejam irrelevantes para o caso ou que prejudiquem o acusado. A iniciativa é da defesa, mas a Defensoria Pública não possui uma normativa interna de como proceder e falta recursos para tal fim. O núcleo do tribunal do júri de Curitiba realiza algumas investigações defensivas, com pedido de requisição de prontuário, filmagens para a URBS, oitiva de testemunhas por video ou tomada de declaração por escrito.[6]

Portanto, evidente que o problema estrutural atinge os mais necessitados e que para garantia de um processo penal democrático e justo, o Estado precisa conferir aos hipossuficientes os mesmos recursos disponíveis à acusação.

 

Notas e Referências

[1] SILVA, Franklyn R. A. A investigação criminal direta pela defesa – instrumento de qualificação do debate probatório na relação processual penal. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 6, n. 1, p. 41-80, jan./abr. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.22197/rbdpp.v6i1.308. Acesso em: 13 maio. 2020.

[2] “X - requisitar de autoridade pública e de seus agentes exames, certidões, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e providências necessárias ao exercício de suas atribuições.”

[3] SILVA, Franklyn R. A. A investigação criminal direta pela defesa – instrumento de qualificação do debate probatório na relação processual penal. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 6, n. 1, p. 41-80, jan./abr. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.22197/rbdpp.v6i1.308. Acesso em: 13 maio. 2020.

[4] LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraivajur, 2019.

[5] RIOS, Rodrigo Sánchez; PUJOL, Luiz Gustavo. A intervenção do advogado na investigação criminal: considerações à luz do inciso XXI do art. 7º do EAOB. Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 327, fev.2020.

[6] OLIVEIRA, Vitor Eduardo Tavares de. Entrevista individual concedida à Raissa de Cavassin Milanezi.

 

 

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