INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DEFENSIVA  

20/11/2020

O presente artigo tem por finalidade a análise do instituto da investigação criminal defensiva.

A investigação criminal defensiva fora regulamentada através do provimento n.º 188/2018 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil[1].

O tema em questão é tratado de maneira tímida pela comunidade jurídica, mas o provimento n.º 188/2018 é visto como um avanço na regulamentação do referido exercício profissional.

Nesse sentido, oportuno destacar que o atual Código de Processo Penal não contemplou o exercício da investigação defensiva – até mesmo porque o Código de Processo Penal pátrio é de 1941. Entretanto, o Projeto Lei de Novo Código de Processo Penal (Lei n.º 8045/2010) dispõe que é facultado ao investigado, por meio de seu advogado, a iniciativa de identificar fontes de prova de defesa. Que o advogado pode entrevistar pessoas e, após, anexar tais provas nos autos de inquérito policial, a critério da autoridade competente.

A atividade em questão tratada no provimento n.º 188/2018 é privativa da advocacia e o advogado em nome próprio ou por meio de terceiros pode investigar para elucidação dos fatos em proveito do cliente. Contudo, a temática ainda não foi pacificada, eis que alguns entendem que a investigação criminal é ato privativo da polícia e/ou do Ministério Público.

Gabriel Bulhões pontua que a investigação criminal defensiva já era admitida de maneira implícita no Brasil, eis que a Constituição Federal e outros tratados internacionais asseguram a ampla defesa ao réu e o direito de o cidadão fazer tudo aquilo que não tem vedação legal expressa.

De acordo com Bulhões, o advogado tem total liberdade para atuar na investigação defensiva, “desde que respeite os tratados internacionais de direitos humanos, as normas do bloco constitucional, as leis e deveres ético-administrativos.[2]

Gustavo Henrique Badaró dispõe que a investigação criminal defensiva está relacionada com o direito à prova e o direito à investigação, de modo que negar tal direito à defesa vai contra o princípio da paridade de armas, porquanto o Estado possui todo o aparato jurisdicional para a investigação dos crimes:

Mormente no caso da investigação criminal, em que há um aparato estatal organizado e estruturado – a Polícia Civil e Federal – para realizar a atividade investigativa das fontes de prova de interesse da acusação, negar à defesa tal direito seria defender uma inadmissível iniquidade, violadora da paridade de armas. Nem se argumente que a Polícia Judiciária teria interesse na “descoberta da verdade” e, portanto, buscaria elementos de prova que confirmassem a hipótese investigada quanto a eventual inocência do suspeito. Na prática, tal postura mostrou-se irrealizável, tendo a polícia clara propensão a buscar as fontes de prova acusatória, não se preocupando com elementos defensivos.[3]

Edson Luís Baldan dispõe que, reiteradamente, o advogado tem seu serviço obstaculizado e vilipendiado socialmente; que o advogado pode atuar tanto na defesa do acusado quanto para o exercício da ação penal, assim, o advogado possui o poder de defender e acusar. Nesse sentido, é que a investigação criminal não se destina apenas à formação da opinio decti, pois a prática defensiva serve (também) para garantir à defesa do acusado, sob pena de ofensa ao princípio da paridade de armas.

Investigar não é atividade inédita ou estranha à lida defensiva. Também por isso, uma análise desarmada e criteriosa do Provimento CFOAB 188/2018, pioneira norma disciplinadora da investigação defensiva no Brasil, revelará que tal diploma administrativo de natureza meramente regulamentar não inova a ordem jurídica e tampouco veicula qualquer dispositivo que tenha o potencial de restringir ou privar o exercício de quaisquer dos direitos individuais consagrados em sede constitucional, mesmo aqueles não sujeitos à reserva de jurisdição. Também não obstrui ou embaraça a atuação de quaisquer agentes ou agências estatais envolvidas na persecução criminal. Fala-se, simplesmente, na sistematização do salutar direito de o advogado defender-se provando, essência do mister defensivo, imprescindível à prestação de “Justiça” (em sua mais elevada pureza semântica).[4]

Gabriel Bulhões preceitua que a investigação criminal defensiva não se confunde com a função de polícia judiciária, na medida em que a polícia judiciária apenas investiga infrações e a investigação defensiva tem por objetivo apurar questões que contribuam na defesa do cliente.

Augusto Mendes Machado conceitua a investigação defensiva da seguinte forma:

(...) Procedimento investigatório realizado pelo defensor do imputado, em qualquer momento da persecução penal, com eventual auxílio de assistentes  técnicos, apartado dos autos de investigação pública, com o objetivo de reunir elementos favoráveis a seu cliente.[5]

Frankyn Roger Alves Silva prevê que a investigação defensiva “permitirá que o imputado possa contribuir no esclarecimento dos fatos, avaliar como deve ser o seu comportamento na relação processual, valorar a pertinência de aceitação de acordos processuais e institutos despenalizadores.”[6]

Já para Henrique Hoffmann, a investigação criminal é privativa da polícia (art. 144, §§ 1º e 4º, CF). Hoffman critica órgãos públicos e privados que se autointitulam como legitimados de atuar na investigação criminal, pois segundo ele, a Constituição Federal outorgou tal poder apenas às polícias e agir de modo contrário viola o princípio da legalidade.

Hoffman destaca que concentrar a investigação nas mãos da polícia garante imparcialidade. Ele acrescenta que nem a vítima, suspeito, detetive profissional ou advogado podem investigar e caso achem alguma fonte de prova, tais sujeitos devem repassar a informação à polícia, eis que a polícia é detentora de fé-pública.

O Delegado critica a edição da Resolução n.º 188/2018 do CFOAB e pontua que ela surgiu logo após a Resolução n.º 181/17, do Ministério Público, que regulamenta a investigação ministerial, bem como por conta da decisão do STF que entendeu pela possibilidade de o parquet investigar:

Em meio a essa anarquia funcional, em que cada agente público ou privado se arvora no direito de realizar a função que bem entender, em vez de a OAB exigir o cumprimento da ordem jurídica, optou por incorrer no mesmo equívoco do CNMP. Editou o Provimento 188/2018 por meio do seu Conselho Federal, com a pretensão de regulamentar a investigação criminal defensiva, à míngua de lei.[7]

Hoffman aduz, em síntese, que foi um equívoco a OAB legislar em causa própria; que a investigação defensiva não encontra amparo sequer nas garantias constitucionais da ampla defesa e devido processo legal, sendo que tal instituto não tem legitimidade nem mesmo sob a análise dos diplomas internacionais, eis que o art. 8º da CADH trata apenas de garantias judiciais e não extrajudiciais.

 Gamil Foppel El Hireche pontua que a OAB, mesmo sem poderes para legislar, editou uma resolução limitada e que o advogado deve tomar cuidado para que a investigação defensiva não seja vista como obstrução às investigações. Hireche cobra uma atuação mais assertiva da OAB para que o problema da advocacia criminal seja de fato resolvido com situações práticas “que efetivamente garantam o exercício da investigação defensiva com mais segurança e eficácia”.[8]

Todavia, oportuno destacar que o Código de Processo Penal é anterior à Constituição Federal e que a Carta Magna garante a ampla defesa e o contraditório, bem como a possibilidade de o cidadão fazer tudo aquilo que não é contrário à lei.

O argumento de que não existe legislação própria regulamentando o exercício da investigação defensiva deve ser sopesado com todas as garantias conquistadas ao longo da secularização, especialmente porque o acusado é sujeito no processo e não mero objeto:

Para que a disputa se desenvolva lealmente e com paridade de armas, é necessária, por outro lado, a perfeita igualdade entre as partes: em primeiro lugar, que a defesa seja dotada das mesmas capacidades e dos mesmos poderes da acusação; em segundo lugar, que o seu papel contraditor seja admitido em todo estado e grau do procedimento e em relação a cada ato probatório singular, das averiguações judiciárias e das perícias ao interrogatório do imputado, dos reconhecimentos aos testemunhos e às acareações.[9]

Não se pode analisar com frieza a letra da lei e esquecer que pessoas são afetadas pelo resultado da persecução criminal. Somente com a observância do contraditório, da ampla defesa e da paridade de armas que podemos chegar a um resultado minimamente justo.

Via de regra, o inquérito policial é a base do processo criminal. O processo, por sua vez, é construído a partir do inquérito policial. Negar a atuação da advocacia defensiva no Estado democrático de Direito viola a prerrogativa do advogado estabelecida no art. 7º, I, XXI e outros do Estatuto da OAB.

Constitui direito da sociedade a realização de atos que não são contrários à lei (princípio da taxatividade). Em contrapartida, o agente público só pode fazer aquilo que está previsto em lei.

Não bastasse o exposto, os princípios da igualdade, devido processo legal, contraditório e ampla defesa são fundantes do sistema normativo pátrio. Os princípios vinculam a aplicação e interpretação da norma e servem de suporte a viabilidade da investigação criminal defensiva.

 

Notas e Referências

[1] BRASIL. Ordem dos Advogados. Provimento n.º 188/2018. Disponível em: < https://www.oab.org.br/leisnormas/legislacao/provimentos/188-2018>. Acesso em 1 abr. 2020.

[2] DIAS, Gabriel Bulhões Nóbrega. Manual Prático de Investigação Defensiva: Um novo paradigma na advocacia criminal brasileira. 1. ed. Florianópolis: EMais, 2019. p. 65.

[3] BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019. p. 159.

[4] BALDAN, Édson Luís. Lineamentos da investigação criminal defensiva no Provimento 188/2018 do Conselho Federal da OAB. Seminário Internacional de Ciências Criminais, 2019, v. 1, n. 322, p. 7-9, set./2019. Disponível em: <http://arquivo.ibccrim.org.br/site/boletim/pdfs/Boletim322.pdf>. Acesso em: 1 abr. 2020

[5] MACHADO, André Augusto Mendes. A Investigação Criminal Defensiva. 2009. Dissertação (Mestre em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, p. 126

[6] SILVA, Franklyn R. A. A investigação criminal direta pela defesa – instrumento de qualificação do debate probatório na relação processual penal. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 6, n. 1, p. 41-80, jan./abr. 2020. Disponível em: <https://doi.org/10.22197/rbdpp.v6i1.308>

[7]CONJUR. Advogado não pode fazer investigação criminal defensiva. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-jan-29/academia-policia-advogado-nao-realizar-investigacao-criminal. Acesso em 23 abr. 2020.

[8] CONJUR. Regulamentação da investigação defensiva: nem tudo que reluz é ouro. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-jan-16/gamil-foppel-regulamentacao-investigacao-defensiva#author. Acesso em 23 abr. 2020.

[9] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 3. e.d. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 490.

 

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