Interpretar e decidir: O que fazer com nosso cérebro? (Parte 1)

12/06/2015

Por Atahualpa Fernandez -  12/06/2015

Leia a Parte 2 aqui

"Nem juiz Hércules, nem Júpiter, nem Hermes... Simplesmente "juiz primata", um primata com toga."

“El paraí­so de los juristas es aquél en que todas las palabras tienen un sentido preciso y firmemente establecido; en el que los hombres pueden expresar sus intenciones no solo con exactitud, sino también con plenitud; y donde, si el escritor ha sido cuidadoso, el jurista, con el documento en cuestión delante suyo, puede, sentado en su mesa, inspeccionar el texto y responder a todas las cuestiones sin levantar los ojos”. L. O. Thayer

Parte 1

Por excepcional que seja o cérebro humano, é uma consequência clara, um produto, da evolução por seleção natural, com todas as limitações que isso implica. E o mundo em que vivemos é uma consequência do “constructo” que faz o cérebro, isto é, das ideias que constrói através de mecanismos neuronais que se ativam com a realidade sensorial e a cultura em que se vive, processo este que está dirigido pelos códigos genéticos de funcionamento herdados nessa mesma evolução biológica.

Com estas duas premissas se alcança a (inequívoca) conclusão de que tudo quanto percebe ou concebe o ser humano o faz através do trabalho de seu próprio cérebro, que constrói continuamente nossa experiência subjetiva da realidade – “e a correspondência nunca é total” (S. Martínez-Conde). Consequente com isto cabe pouca dúvida de que o direito e a experiência jurídica, qualquer concepção ou interpretação, teoria ou discurso jurídico, mesmo sendo uma conduta única e diferente a que desenvolvem todos os demais seres vivos não humanos que habitam a terra, é uma atividade cerebral como qualquer outra atividade ou experiência intelectual humana, seja esta a criação de uma obra literária, uma experiência ou concepção religiosa, uma bela escultura ou um excelso juízo moral. Tudo tem seu assento  último e definitivo no cérebro e seu funcionamento.

Os dados que aporta a boa neurociência, seguramente os mais revolucionários acerca do que conhecemos hoje sobre a natureza humana, parece confirmar hoje esta assertiva. De fato, a neurociência parte de uma premissa básica e iniludível: que tudo quanto existe no mundo humano, objetivo ou subjetivo, é concebido através do cérebro, órgão que nos faz humanos, motor do conhecimento e fonte de todo pensamento e comportamento humano. Como explica Ignacio Morgado, “si buscamos la realidad, seamos realistas: solo lo que nuestro cerebro y nuestra mente son capaces de percibir o conocer no nos es ajeno; lo que no está en nuestra mente en cierto modo no existe para nosotros; y si el cerebro se altera, la mente también lo hace”.

Esta afirmação  surpreende já a muito pouca gente porque todo mundo sabe e tem por certo que sem cérebro não se sente, nem se pensa e nem se realiza conduta alguma. São os códigos de funcionamento que tem o cérebro os responsáveis últimos de nossa concepção acerca de tudo o que nos rodeia, incluídos os demais e nós mesmos. Uma ideia que alberga a evidência da unidade do ser humano, isto é, de que a atividade mental é um estado funcional do cérebro, de que tudo o que passa na mente se deve a (ou ao menos depende da) atividade do cérebro: um “continuum” mente-cérebro que implica precisamente que não há uma separação radical entre o mental e o neural,  cérebro e  mente ou cérebro e espírito (R. Llinás & P. Churchland).

A neurociência tende a explicar, aproveitando todo conhecimento transversal possível (outras disciplinas), o funcionamento do cérebro e o produto desse funcionamento que são os processos mentais. Aproxima-nos à compreensão de como se construíram e que circuitos neuronais estão envolvidos e participam na percepção e elaboração do mundo subjetivo humano, seus processos de raciocínio, interpretação, sentimento, criatividade e conhecimento, e, também, os pensamentos, as eleições, as decisões e os juízos morais. Embora seja certo que a neurociência atual ainda dista muito de explicar todos estes fenômenos e que nos falta um largo caminho por percorrer, não menos correta é a constatação de que, passo a passo, o avanço irrefreável da pesquisa neurocientífica parece trazer consigo a promessa de desmantelar velhas ideias, como as que se utilizaram antes ao construir um mundo prenhado de superstições, especulações mentais e abstrações metafísicas.

Pois bem, se admitimos como corretas e legítimas tais evidências, não resulta difícil nem irrazoável inferir que as atuais teorias acerca da hermenêutica, da interpretação  e da argumentação jurídica parecem ser, hoje, a mais flagrante e patética expressão de um estridente anacronismo, pelo simples fato de que partem de um completo desconhecimento ou absoluto descaso do funcionamento do cérebro humano. Assim que a pergunta sobre “o que fazer com nosso cérebro?” é uma pergunta para todos, e que pretende fazer surgir em todos nós o sentido da necessidade e urgência de um novo modelo hermenêutico, já agora comprometido com uma postura mais empírica e respeitosa com os métodos científicos atuais, especialmente no que se refere ao problema da realização do direito, quer dizer, de sua interpretação e aplicação.

Por acaso não é o cérebro o assento físico de nossas experiências interpretativas, quer dizer, da sensação “real” de um mero jogo mental de ideias e especulações? Por que, se está claro que não pode haver, em adiante, aproximação filosófica, ética, jurídica, etc., que não passe por uma análise detalhada do fenômeno neuronal, temos, não obstante, insistido por seguir um caminho contrário a uma (necessária) integração interdisciplinar que seguramente contribuirá mais para a compreensão dos múltiplos fatores e influências, inatas e adquiridas, que condicionam o processo de interpretação e decisão jurídica? Por que enquanto a atividade do sistema nervoso central, tal como atualmente aparece à luz dos descobrimentos científicos, estimula e propõe à consideração e reflexão uma ideia completamente nova da tarefa interpretativa, nos recusamos tenaz e taxativamente a rechaçar a sensação de que com relação ao direito nada se transforma?

Quando pensamos no cérebro (aliás, com o próprio cérebro, e que não foi modelado pela evolução para entender-se a si mesmo) vemos que nosso conhecimento do mundo e nossas ações derivam de nossas percepções e que nossas percepções (assim como nossa consciência) são construídas por mecanismos neuronais (redes) adquiridos e desenhados ao longo de nossa evolução. Investigar o que é o homem e como atua significa, de alguma maneira, saber como funciona o cérebro, como intervém na elaboração de nossos pensamentos, como opera nas ações humanas, na criatividade, na racionalidade e no surgimento de nossos juízos de valor, sentimentos e emoções, já que é precisamente neste órgão donde reside o substrato último de toda experiência humana, incluída a própria experiência hermenêutica.

E se nos situamos no âmbito propriamente do jurídico, nada disso deveria surpreender, pois não parece definitivamente razoável supor que a tarefa interpretativa seja concebida como extracraniana, enquanto a cognição e a emoção (produtoras da subjetividade) não o são. São produtos de nossa maquinaria cerebral, tanto como são produtos de nosso entorno cultural. Por dizê-lo de alguma maneira mais desafetada: se interpreta com o cérebro.

Assim que a interpretação jurídica, tal como a conhecemos, é uma atividade levada a cabo por seres (cérebros) humanos com suas próprias necessidades, crenças, visões (prévias) do mundo, opiniões, amores, ódios, desejos, preferências, circunstâncias, problemas..., que, de uma forma ou outra, incidem e condicionam o resultado de suas interpretações, destinadas a transmitir suas mensagens a um público específico em uma época e um lugar determinados. Cada um dos intérpretes do direito é um ser humano, cada um deles tem algo diferente a comunicar, cada um intenta transmitir a sua visão de mundo (que há herdado ou adquirido) em suas próprias palavras. Cada um deles, de certo modo, muda, altera ou transforma os textos que interpreta.

Quem, por alguma razão, não entenda desse modo o processo de interpretação e aplicação do direito acaba por não admitir que cada intérprete diz o que quer dizer. Quem faz isso não lê o que cada autor escreve com o propósito de entender sua mensagem ou, o que é mais grave,  não somente se nega a reconhecer que cada intérprete é diferente, senão que também se recusa  a entender que não é adequado pensar que todo intérprete pretenda dizer sempre o mesmo. Pensar tal coisa é tão injusto como supor que o que quero dizer neste artigo sobre a interpretação jurídica há de ser o mesmo que diz qualquer outro autor que se ocupa deste tema. E tudo isto pela simples razão de que ninguém pode viver sua realidade (nem, por certo, interpretá-la) sem o concurso irrenunciável de sua atividade mental: detrás de dois cérebros distintos escondem-se mundos e formas completamente diferentes de conceber e de sentir a realidade. Ninguém, por muito que se empenhe, pode perceber e interpretar o mundo mais além de como o faz seu cérebro, pois inclusive nossa imaginação, nossas sensações, nossas fantasias e nossas ilusões mentais têm limites. Em suma, a interpretação depende tanto da obra como do intérprete.

Vejamos um exemplo. O sentimento de injustiça o constrói o cérebro de cada um e de acordo com sua própria individualidade. Como cada cérebro é diferente a todos os demais, este sentimento é pessoal e intransferível. Isto são os qualia, os matizes emocionais que cada ser humano acrescenta à percepção consciente (ou inconsciente) da realidade do mundo e que diferem dos matizes que vê e sente qualquer outro. Estes matizes são únicos porque são produzidos pelo cérebro que guarda todas as vivências genuínas em cada ser humano ao longo de toda a vida. A característica destas experiências é que não são experimentadas por nenhum outro ser humano. E com elas se constrói a individualidade, a finura das percepções, quer dizer, a diferença com os demais e nossa nunca repetida forma de ver e interpretar o mundo[1].

Dado que o discurso jurídico é o resultado de um pensamento de tipo hermenêutico, pois consiste em interpretações de materiais jurídicos, parece sensato admitir que o realmente importante, no que diz respeito ao problema da atividade interpretativa, é concentrar-se nas próprias cabeças dos sujeitos-intérpretes e perguntar-se que fatores condicionam suas decisões e que influências (e como) podem ter os métodos jurídicos sobre o que passa em suas mentes. Desde logo, corresponde descartar, como sabemos, que seja factível umas soluções puramente racionais ou razoáveis, e que isso possa alcançar pela via de certos “métodos-receitas”. Não pode haver tais ordens de respostas às questões jurídicas em geral.  Não somente porque semelhante receita não as há descoberto ainda ninguém – e nem é provável que se chegue a elaborar-, senão porque, ainda que alguém as apresentara, nada seria menos seguro que lograr, na prática, fazê-las aplicar tal qual pelos sujeitos-intérpretes, em casos sobre os quais os operadores do direito contendem na vida real. (E. P. Haba)

Recordemos que a “consciência” (“cabeça”) do intérprete, com a que necessitamos contar, não se compõe somente do “módulo” conhecimento, senão também do “módulo” emotivo-afetivo: sentimentos, intuições, experiências pessoais, memória, ideologias, etc....etc. Os métodos, sejam quais forem, se dirigem às faculdades racionais dos homens. Mas, por mais corretos que uns métodos sejam (suponhamos que sim!) desde o ponto de vista intelectual, isto não basta para presumir ou decidir que serão adequados àqueles que estão chamados a aplicar esses métodos, porque a tomada de decisão obedece a muitos fatores (tão diversos como o momento, a ideologia, os valores morais, as histórias pessoais, as emoções, a fome, a cultura, os desejos, as preferências, a madurez...) que influem diretamente na compreensão e interpretação prévias e que simplesmente não é possível controlar.

Para que determinados métodos sejam seguidos tem que dar-se uma das duas condições seguintes: i) ou que o conhecimento e a prática metódicos sirvam também para promover determinados fins fundeados na vida emocional do sujeito em questão, e que este seja consciente disso; ii) ou que, em todo caso, esses métodos não se oponham a ditos fins se não é para favorecer outros que o próprio sujeito considere igualmente importantes. Em qualquer dos dois casos, a vida emocional do intérprete dispõe, em última instância, de uma espécie de “veto” sobre o pensamento metódico[2].

Não há nenhuma filosofia, dogmática ou metodologia jurídica, por perfeita que seja, capaz de eliminar tal condicionamento. É assim, queira-se ou não, simplesmente pelo dado mais trivial no que se refere ao pensamento jurídico na prática: os operadores do direito não são menos pessoas de carne e osso que qualquer outro ser humano. Sobre esta verdade, que não pode ser mais elementar, passa simplesmente por encima a maneira corrente com que as questões do discurso jurídico são propostas por parte de sua doutrina profissional e/ou “oficial”. Com efeito, esta se refere – ou, mais habitualmente, nem sequer se refere – aos protagonistas do pensamento jurídico, especialmente aos juízes, de uma maneira tal “como se estes fossem pessoas distintas aos condutores de taxi, fabricantes ou professores...”(D. Simon).

As emoções, as intuições morais, as memórias, as percepções, as sensações e as experiências pessoais de cada indivíduo não são vistas como “cegas oleadas de afeto” senão como peças que outorgam “razões para interpretar”, e que servem como elementos condicionantes da interpretação e aplicação do direito. É precisamente a partir da evidência de que nossos pensamentos e avaliações têm nexo com nossas emoções que já não mais resulta aceitável deixá-las à margem da fronteira das modernas teorias hermenêuticas, de interpretação e de argumentação jurídica - independentemente do problema de saber se os juízos são  "constituídos" ou "impulsionados" pela emoção (J. Greene; J. Haidt) ou simplesmente se correlacionam com a emoção que se vai gerando por cálculos inconscientes (D. Huebner et al.).

Sem rodeios, a prática racional do direito por parte do juiz é absolutamente irrealizável. E esta impossibilidade de estabelecer uma prática racional é devido a que é necessária uma série de condições tão rigorosas no direito e no juiz que de antemão não assegura e, pelo contrário, quase impossibilitam dito exercício de maneira realmente racional. O que implica que hoje, mais que em qualquer outra época, o que se deve tratar de fazer é incorporar no âmbito do conhecimento jurídico uma reflexão e tomada de posição mais esclarecida de cara com as pesquisas levadas a cabo pelas ciências cognitivas e pela neurociência, uma vez que interpretar e tomar decisões “constituye, probablemente, el mecanismo cumbre de nuestro cerebro”. (R. Romo)

O problema é que a teoria jurídica insiste em ignorar a personalidade do intérprete autorizado porque seus defensores afirmam que tudo o que há que saber pode deduzir-se a partir do “manifesto” ponto de vista de um terceiro imparcial e neutro. As turvas regiões da primeira pessoa resultam enganosa, em especial no que se refere a forma como se comportam os magistrados quando, apoiados nesse leitmotiv do discurso racional e objetivo, “fazem justiça” e invocam a “compulsión  de ´la ley´ para justificar sus decisiones” (D. Kennedy). E isso sem falar que, em geral, os juízes não somente não toleram que se lhes imputem causas ideológicas ou psicológicas, senão que reagem com indignação ante elas, negando-as em termos suspeitosamente apaixonados, como se tratasse de uma agressão a sua honestidade profissional.

No discurso jurídico, a evidência de motivações pessoais quase nunca é manifesta, no sentido de que implique uma admissão de intenção. Nas sentenças judiciais, por exemplo, os juízes sempre “declaram”, explícita ou implicitamente, que o resultado - o desenlace particular que dão a um caso ou a eleição de certas normas em lugar de outras – foi alcançado seguindo procedimentos interpretativos impessoais que excluem toda e qualquer influência de suas preferências pessoais. Pretendem explicar tudo, pensar que dirigem com total imparcialidade e neutralidade o destino dos demais, que cada uma de suas decisões se baseia (ou está fundamentada unicamente) em uma avaliação estritamente racional e objetiva das normas, valores e fatos.

Aliás, levamos tanto tempo ouvindo hinos à imparcialidade e neutralidade, que ser racional não somente parece o normal, senão o normativo: é o que o juiz tem que ser. Daí que não surpreenda a seriedade com que muitos juízes afirmam carecer de sentimentos, prejuízos, desejos, expectativas e/ou ideologias, assegurando que jamais lhes hão guiado no exame de um caso. Na verdade, quase todos asseguram (e “vendem” a imagem de) que unicamente se movem pela razão jurídica e que atuam como neutras e imparciais “máquinas de pensar”, considerando traição institucional o uso dos sentimentos, prejuízos e/ou ideologias, como se de algo nefando se tratara[3].

Mas como os sentimentos, prejuízos, desejos, medos, expectativas existem e são inevitáveis, «explicar lo que hace el juez es tan im­portante como analizar lo que el juez dice que ha hecho» (J. Wróblewski). Os juízes podem descrever as forças impessoais de suas decisões como queiram, mas a realidade é que não há forças impessoais em cada uma das decisões que tomam: não há uma só decisão que não tenha sido modelada por mentes humanas em interação com outras mentes humanas. E não somente o juiz, senão também qualquer conhecedor do direito, sabe que toda pessoa tem prejuízos, crenças, desejos, aspirações e até (o que difícil encontrar) virtudes humanistas. Todos estes dados pessoais e presentes são os parâmetros com que o juiz interpreta, valora, integra e aplica aos fatos as normas que utiliza.

Estes são os fatores que dão real aplicação às expressões das normas (que são simplesmente isso, expressões linguísticas necessitadas de conteúdo) e que motivam, guiam, “si no es que determinan totalmente, la decisión jurídica” (G. González Solano). É impossível a estas alturas do desenvolvimento do conhecimento neuropsicológico alegar uma mera e total neutralidade ou objetividade de uma pessoa ante um fenômeno. Não porque não possa dar-se algum significado a estas palavras, senão porque tais definições, se são muito amplas, não podem diferenciar utilmente nada, e se são muito estreitas, pecam por inusuais e até fantasiosas.

A pessoa que interpreta e estipula uma decisão simplesmente não pode deixar de lado estes fatores decisivos e vinculantes. Afirmar o contrário é alimentar a ilusória ideia ou a falsa concepção de um ser humano sem tempo nem espaço vital.  Por quê? Pois porque uma interpretação, qualquer interpretação que gere uma decisão, sempre é experimentada e levada a cabo por alguém «em situação». Existe uma fenomenologia do intérprete-autorizado, uma fenomenologia que depende do temperamento, da história pessoal, da ideologia e da cultura de cada julgador. Ninguém está livre de influências, preferências, desejos e crenças, assim como de preferir uma solução a outra ou de deixar-se levar por associações (neuronais) tão arraigadas que se converteram em totalmente inconscientes ou pouco conscientes. Como recorda Esser, o juiz tende a «ocultar la motivación real de su compor­tamiento, hasta tal punto que esos motivos, impulsos y objetivos pri­marios se niegan en buena conciencia y se rechazan con indignación... Es fácil camuflar profesionalmente la motivación (real) con motivos que se llaman jurídicos».


Notas e Referências:

[1] Assim, o sentimento de injustiça (ou de justiça) gerado e ajuizado pelo cérebro consiste, fundamentalmente, em recriar as vivências pessoais de cada intérprete (uma variedade de dúvidas, intuições, memória, emoções, desejos, crenças, expectativas,...), isto é, de aproximá-lo a suas próprias circunstâncias particulares. Leva a eleger, mas a eleição deriva da interpretação; não é um ato soberano ou um mero exercício da vontade deliberada e puramente racional.  Nas palavras de M. Sandel: “La justicia, no hay más remedio, enjuicia. [...] Las cuestiones relativas a la justicia se ligan a ideas contrapuestas sobre el honor y la virtud, el orgullo y el reconocimiento. La justicia no solo trata de la manera debida de distribuir las cosas. Trata también de la manera debida de valorarlas”.

[2] Pode-se dizer, inclusive, que a discricionariedade já não pode mais ser tratada – à maneira de Hart e Dworkin – como uma consequência de alguma propriedade dos materiais jurídicos (ser “determinados” ou “indeterminados”) ou dos casos (ser “fáceis” ou “difíceis”), senão que deve ser tratada como um atributo inerradicável da tarefa cognitivo-interpretativa (racional e emocional) que adotará cada juiz em busca de alcançar algum resultado ao interpretar os materiais jurídicos (as fontes jurídicas) ou resolver os casos.

[3] Não é fácil entender como os juízes conseguem abraçar uma ideologia tão implacável na (aparente) ausência de um estado colossal de dissonância cognitiva, mas muitos parecem capazes de fazê-lo. Tenho a impressão de que as teorias e os discursos que encaram os juízes como tomadores de decisões racionais parecem configurar uma clara manifestação de um “instinto de autoproteção de manada” elevado a um nível mais complexo de funcionamento teórico-institucional.


Atahualpa Fernandez

Atahualpa Fernandez é Membro do Ministério Público da União/MPU/MPT/Brasil (Fiscal/Public Prosecutor); Doutor (Ph.D.) Filosofía Jurídica, Moral y Política/ Universidad de Barcelona/España; Postdoctorado (Postdoctoral research) Teoría Social, Ética y Economia/ Universitat Pompeu Fabra/Barcelona/España; Mestre (LL.M.) Ciências Jurídico-civilísticas/Universidade de Coimbra/Portugal; Postdoctorado (Postdoctoral research)/Center for Evolutionary Psychology da University of California/Santa Barbara/USA; Postdoctorado (Postdoctoral research)/ Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel/Schleswig-Holstein/Deutschland; Postdoctorado (Postdoctoral research) Neurociencia Cognitiva/ Universitat de les Illes Balears-UIB/España


Imagem Ilustrativa do Post: Exercise Plays Vital Role Maintaining Brain Health // Foto de: A Health Blog // Sem alterações

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