Internet e a auto-valorização da (minha) tolice - Por Jorge Alberto de Macedo Acosta Junior

04/11/2017

 Coordenador: Marcos Catalan

Surpresa! Meu texto Crítica social à deriva: Uma ode à civilização, publicado no dia 13 de janeiro de 2017 no site Empório do Direito nesta coluna, está no site Política Aplicada. Pensei: “ótimo! Meu trabalho está sendo valorizado, será lido em outros ambientes virtuais, veja que coisa incrível essa internet!”. Erro de amador! 

Amador em observar o mundo a partir da teoria social. Além de não fazer a leitura crítica necessária ao caso, enveredei em tomar o acontecimento como algo positivo relacionando o trabalho intelectual que realizei como meu. Ingênuo. Infantil. Desprovi a mim mesmo de qualquer rigor analítico na leitura do meu cotidiano. 

E o pior de tudo é que não faltaram mensagens para me avisar. Chico canta incessantemente em meu carro “Até pensei”, trazendo versos como: 

Junto à minha rua havia um bosque

Que um muro alto proibia

Lá todo balão caia, toda maçã nascia

E o dono do bosque nem via

Do lado de lá tanta aventura

E eu a espreitar na noite escura

A dedilhar essa modinha

A felicidade morava tão vizinha

Que, de tolo, até pensei que fosse minha

(...)Toda a dor da vida me ensinou essa modinha

Que de tolo até pensei que fosse minha 

Fui tolo. Assim, como em “Até Pensei”, quando Chico fala na felicidade que se avizinha, a tolice foi assumir uma posição de domínio sobre minha escrita. Ora, o “meu” trabalho intelectual não poderia ser “meu”, nunca foi. Seria tolice imaginar o contrário. 

A valorização do trabalho aconteceu, mas de outro modo, como forma mercadoria. E é assim que somos valorizados no modo de produção capitalista, como mercadorias. 

Estrategicamente, após o camarada Norberto Knebel me despertar para aplicação teórica da realidade que se desenhava no meu cotidiano, pensei: “vou escrever sobre isso, logo, transformar minha tolice em nova mercadoria” (sem ingenuidades agora, se é que isto é possível...). 

A leitura – ou a modinha que pretendo dedilhar, para continuar com Chico – (aqui) proposta é refletir quanto à ideologia da salvação pela internet. Trata-se de repensar o digital como ampliação do modo de reprodução capitalista, ou seja, como peça estratégica para auto-valorização do valor. Como observado por Jappe[1], na sociedade mercantil o laço social torna-se abstrato, o trabalho não reflete sua utilidade, e sim, torna-se um processo automático e incontrolável de transformação do trabalho em dinheiro. Para ir um pouco mais afundo: “o conteúdo dos trabalhos concretos desaparece porque estes se alienam no trabalho geral, no qual a particularidade de cada trabalho ‘se apaga completamente’. Como consequência, o valor interessa-se exclusivamente pela sua própria quantidade”[2]. 

Retorno rapidamente à Marx[3] para explicar o meu erro na análise da valorização do “meu” trabalho. A determinação da grandeza do valor na dinâmica capitalista reside no caráter fetichista da forma-mercadoria, ali o artigo que escrevi só pode ser entendido como elo no interior da troca mercantil, completamente separado de sua objetividade de uso. 

Está aí minha tolice, compreender a reprodução de minha escrita como valorização de sua objetividade de uso. Caí no caráter fetichista da mercadoria. 

A análise que se apresentou após o filtro teórico corresponde à indagação dos motivos que o site Política Aplicada compartilharia aquelas palavras que desenvolvi. Resposta: utilizou meu trabalho intelectual para auto-valorização de seu valor, utilizando-se da minha escrita como quantidade na acumulação de seu próprio valor. Explico com a análise fática, trata-se de um site que chupa dados de outros sites de temática política e publica-as. Ainda, gera comentários sem sentidos para suas notícias ou textos por meio de programação, não existe um intermediário humano para mediar as informações. Tudo isso ocorre para alcançar falsos números para publicidade, transformando meu trabalho imaterial em capital-informação. 

Vejam, não pretendo de modo algum entender que este site não siga os mesmos intentos, não se trata de ser bom ou mal. Estamos falando de reprodução social capitalista, das estruturas mais fundamentais desta sociedade em que a dominação social “não consiste na dominação das pessoas por outras pessoas, mas na dominação das pessoas por estruturas sociais abstratas constituídas pelas próprias pessoas”[4]. 

Aí adentramos a questão da internet e seu impulso à auto-valorização do valor. O cerne da nova crítica do valor está na socialização negativa do capital, a internet integra e catalisa esse movimento. No caso do site Política Aplicada, o próprio site é construído por programação automática, notícias e textos atualizados conforme publicações de outros sites. Os comentários também são criados por “bots” – dispositivos autônomos. Verifica-se uma ampliação da autonomização do valor como “sujeito automático” frente às pessoas, ou seja, uma ampliação categorial do fetichismo da mercadoria. 

Daí se desdobram outras Quimeras Virtuais[5] – como gosta o Prof. Catalan. Para citar uma; a big data, grandes conjuntos de dados que são manipulados para aperfeiçoar a capacidade produtiva e organizativa da sociedade capitalista a partir do monopólio destas informações por parte de corporações, concentrando enorme poder econômico e político[6]. Poderio acumulado graças às liberdades individuais de compartilharmos nossas vidas neste grande movimento espetacular[7] que é a internet. 

Mas este é um papo pra outro momento. Hoje ficamos com auto-valorização do valor proporcionada na programação de sites de conteúdos falsos, reproduzindo informação de modo autônomo na internet. Isso afasta a rede mundial de computadores das interpretações que a elevam como “maquina de emancipação”. Revela-se, sim, uma “bela máquina” de socialização capitalista e ampliação do caráter fetichista da mercadoria[8]. Em outras palavras, em fazer acreditar tolamente na valorização de si, enquanto o que se valoriza é a própria tolice.


[1] JAPPE, Anselm. As aventuras da mercadoria: para uma nova crítica do valor. Lisboa: Antígona, 2006, p. 56-57.

[2] Ibidem, p. 57.

[3] MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: livro I: o processo de produção capitalista. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 146-148.

[4] POSTONE, Moishe. Tempo, trabalho e dominação social: uma reinterpretação da teoria crítica de Marx. São Paulo: Boitempo, 2014, p. 46.

[5] Referência à aula “Quimeras virtuais e as ferramentas oferecidas pelo Direito brasileiro para a proteção do consumidor” do curso “Direitos dos consumidores: desafios e dilemas contemporâneos”, coordenado pelo prof. Marcos Catalan.

[6] PINTO, Alexandre; MÓDOLO, Leandro. Big Data e a espoliação algorítmica dos dados: novos meios para uma velha dominação. Em: https://blogdaboitempo.com.br/2017/10/11/big-data-e-a-espoliacao-algoritmica-dos-dados-novos-meios-para-uma-velha-dominacao/. 2017. Acesso em: 28 outubro 2017.

[7] DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

[8] KURZ, Robert. O Desvalor do desconhecimento: “crítica do valor” truncado como ideologia de legitimação de uma nova pequena-burguesia digital. Em: http://www.obeco-online.org/rkurz313.htm. 2009. Acesso em: 28 outubro 2017.

 

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