Intercept e anticomunismo: a esquerda (jurídica) em semana de cidadania digital

31/01/2020

Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan

 

Após assistir o festival de debates abertos após uma calorosa semana em que a pauta era vazamento de dados, vaza-jatos e aquela grotesca entrevista da Roda-Viva em que no centro encontrava-se o eminente superministro Moro. Todo esse consumo informacional levou boa parte da esquerda em refletir seus prognósticos e estabelecer novos rumos, ou melhor, novas saídas à esquerda. Quero, primeiramente, apontar que tais novas saídas desembocam justamente numa saída da esquerda.

No dia 21 de janeiro de 2020, o jornalista Glenn Greenwald foi alvo de denúncia do Ministério Público Federal, por ter auxiliado o ataque hacker à conta do atual ministro Sérgio Moro no aplicativo Telegram. Isso rendeu uma boa cobertura do e para Intercept, seja pelos dados vazados, como também, pela reflexividade midiática. Aproveitando o momento em que o fluxo informacional alimentava seus likes, a Intercept avançou para além de sua proposta jornalística e decidiu enunciar(-se) sobre a disputa discursiva do que denominou anti-comunismo.

Segundo o Intercept, o anti-comunismo criado pela extrema-direita mina o campo democrático ao produzir o acirramento do antagonismo tão polarizado de modo a impossibilitar o diálogo. Assim, à esquerda cabe assentar-se “novas alianças e debates” que não alimentem o anti-comunismo. Talvez isso possa ser percebido como uma amenização – consciente ou não – pela resposta do discurso democrático produzido pelo Estado bolsonarista ao conciliar-se com as pautas ecológicas e da cultura.

Nesta lógica política, a esquerda se põe em direção de reconstrução do terreno de apaziguamento do conflito ideológico, reiterando a estratégia conciliadora promovida pelo governo lulista, só que agora – para além do econômico – alguns acertos comuns anti-ditatoriais. A sanha deste equilíbrio ideológico como uma das saídas à esquerda do Intercept, nos faz retroceder na pretensão de que a democracia carrega inerentemente espaços políticos de neutralidade e objetividade. Entretanto, o que essa fachada ilusória oculta é o fechamento de outra alternativa que não àquela que se assente nos desdobramentos das redes informacionais abertamente acopladas aos mecanismos burocráticos-estatais. Neste sentido, seria interessante investigar como e de onde estabilizam-se novos estamentos entre as classes. No nível institucional, com um novo Ministério Público fascistamente integrado; ou então, na esquerda: a maquinaria de denúncias da vanguarda informacionalista.

É neste enredo – voltado para a esquerda – que as confrontações intelectuais e ideológicas manifestam a miséria do imaginário político tecnologizado em que o fetiche jurídico tem papel fundamental. O que quero dizer é que há uma expectativa falaciosa de que a eliminação das desigualdades sociais possa ser posta em marcha sob o domínio da expansão quantitativa da produção informacional-judiciária. Essa expectativa alimenta ansiosamente o imaginário e força a síntese das ideias a retroagir para uma dimensão racional e reprodutiva em detrimento da ação real, transformadora e produtiva. Sobressai a censura do pensamento radical disponível e elimina a consideração acerca das condições histórico-sociais postas em jogo. A esquerda que elimina sua experiência e cai no jogo de uma democracia imposta.

Vale lembrar que a esquerda não se limita a um processo de comunicação entrelaçado em instituições, partidos e representações de movimentos, e sim, pelo essencial desafio de pensar e consolidar um projeto social e político aberto pelo e para o Sujeito em antagonismo, no limite da possibilidade utópica. Em luta, e não sob o escrutínio ideológico aceitável num espectro político previsto de antemão.

O entusiasmo com a revolução tecnológica e o acesso às redes sociais propõe-se como a descoberta de uma sociedade do conhecimento, da qual a esfera jurídica está compartilhada. Entretanto, apontar para as experiências comunistas e abandonar suas ‘aquisições evolutivas’ de sentido político-teóricos – na conquista de Direitos Sociais no marco do Estado moderno universal e nas condições históricas em que se apresentava a Rússia em 1917 – é renunciar a própria posição de esquerda no espectro político atual quando a discussão anti-comunista se apresenta.

O Intercept ao apresentar a fratura ideológica do anti-comunismo – pela perspectiva da esquerda – diante de um caso internacional e de profunda relevância quanto a política da rede e pela rede, revela o conjunto de posições nos mapeamentos pré-eleitorais; a procura de posições “jurídicas”, ou então, radicais. Novos estamentos planificam a esquerda que, por sua vez, segue repondo os limites da ideologização democrático-burguesa, fazendo assim propaganda contra radicalização. Também contamina o  solo para a construção de uma política anti-imperialista e anti-colonial com aprendizados históricos que mais cedo ou mais tarde terão de lidar com o novo ou os novos heróis jurídicos da Direita, dentre eles superministros de tendências fascistas, ou então, democratas digitais.

 

Imagem para a capa da Coluna: foto tirada pelo autor.

 

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