Por Atahualpa Fernandez e Marly Fernandez - 18/09/2015
“La distinción yo/no-yo es la más básica en biología. Es realmente lo primero que debes tener para no comerte a ti mismo, o para saber que algo es diferente de ti. La necesitas”.
Petra Stoerig
Consciência
Nicholas Humphrey avançou uma elegante explicação de tipo evolucionista referida a um «módulo» da teoria da mente. Na verdade, foi este psicólogo de Cambridge quem introduziu a psicologia da evolução no mundo acadêmico. Em um original e inteligente trabalho intitulado «The social function of intellect», Humphrey defende a sofisticada hipótese de que quando as pessoas vivem no seio de um grupo e estabelecem múltiplas relações de cooperação, competição e reciprocidade, os indivíduos com capacidade para predizer o comportamento dos demais alcançam maior êxito reprodutivo. O núcleo da tese de Humphrey radica na ideia de que a consciência permite-nos utilizar nossa própria mente como modelo para compreender a mente de outras pessoas e, graças a ela, possuímos a capacidade de tomar nossas mentes como medida de todas as coisas: pensar que outras pessoas pensam da mesma maneira como pensamos foi de um valor imenso em termos de evolução.
Em algum momento de nosso passado evolutivo foi possível encerrar-nos em nossos próprios pensamentos e sentimentos, e perguntar-nos a nós mesmos como nos comportaríamos em tal ou qual situação fictícia. É a esta capacidade de representação interior cuja função é permitir que cada ser humano se entenda e se relacione com os demais que Humphrey denomina de consciência: esse artifício engenhoso de que nos valemos para ler o conteúdo da mente de nossos congêneres. E tendo a consciência (e também o cérebro) evoluído como parte da inteligência social (isto é, da capacidade estritamente vinculada à interação com os membros da mesma espécie, podendo essa interação ser competitiva, cooperativa ou algo a meio caminho entre estas duas), como qualquer outra faculdade e estrutura natural, deve ter chegado a existir porque conferia às criaturas que a possuíssem algum tipo de vantagem biológica.
Desse modo, os primeiros hominídeos teriam avançado de forma muito notável em relação com seus ancestros quando começaram a indagar dentro de suas mentes para entender a conduta de seu entorno. Para Humphrey, os humanos são psicólogos naturais, nascem com a habilidade de antecipar a conduta de outros membros da espécie. A criatura introspectiva que somos atualmente tem sua origem nas circunstâncias da vida social do homem primitivo. O formar parte de uma comunidade complexa donde há que sair adiante individualmente, mas ao mesmo tempo sustentado e sustentando aos demais, é o caldo de cultivo no qual se gestam os desenvolvimentos paralelos da mente humana.
Contudo, só a inteligência não é suficiente. Antes, inclusive, de que os seres humanos pudessem fazer esses cálculos da vida social, para saber a donde lhes conduz sua própria conduta e a dos demais, deviam adquirir um conhecimento profundo dessa criatura estranha sobre a que tinham que fazer os cálculos: o próprio ser humano. Deviam averiguar como é o ser humano, como reage e o que lhe move. Quer dizer, o homem primitivo (inteligente) teve que converter-se ademais em Homo psychologicus: teve que ser capaz de compreender seus semelhantes (e, em última instância, a si mesmos) e de encontrar uma maneira de predizer a conduta humana.
A tese de Humphrey é que a solução que encontrou a natureza a este problema foi dar a cada membro da espécie o poder e a inclinação para usar um privilegiado retrato de si mesmo como modelo do que é ser outra pessoa. O que o psicólogo natural que é o ser humano é capaz de fazer é entrar com a luz de sua experiência subjetiva nas mentes dos demais[1]. E à medida que os humanos foram desenvolvendo suas complexas estruturas sociais, sua sobrevivência começou a depender de argúcias cada vez mais sofisticadas para predizer o comportamento de outros indivíduos de sua espécie.
Este enfoque de Humphrey não somente converte um mistério em um problema, senão que provoca um câmbio fundamental no que a consciência se refere. A consciência não apareceu para que possa perguntar quem sou, que faço aqui, qual é meu lugar no Universo, senão para lutar contra o inimigo mais formidável, o mais imprevisível e inteligente que posso encontrar-me: meus semelhantes, o ser humano. Um subproduto desta função de arma que tem a consciência - para lutar no mundo social- é que posso fazer-me todas essas perguntas, e inclusive ser consciente de minha própria morte, mas não era esse o objetivo.
Qualquer animal que viva em um grupo social complexo necessita, por encima de qualquer outra coisa, a capacidade que Humphrey chama «psicologia natural», a capacidade de modelar ou simular a conduta dos outros membros do grupo. A consciência, como um fenômeno emergente do cérebro, uma adaptação biológica, haveria evolucionado precisamente para servir a este fim. O verdadeiro valor da consciência é que dá ao psicólogo natural acesso direto a conceitos psicológicos - o conceito de sentir dor, de sentir medo, isto é, a consciência das próprias experiências e emoções - sem as quais seria impossível simular a conduta dos demais. A menos que um animal tenha sido consciente da dor, como resultado de uma ferida própria, não pode entender a conduta de outro animal ferido. Segundo Humphrey, fora desta função a consciência não tem nenhuma outra utilidade[2] (hipótese que permite fazer outras predições: se a consciência existe fora da espécie humana, se existirá nos animais que levem uma vida social suficientemente complexa e se não existirá nos animais que não a tenham).
Imaginemos, por exemplo, um macho que pretendesse apoderar-se de uma fêmea de seu grupo rival ou de uma porção de comida maior da que lhe correspondera. Saber como atuar e antecipar-se aos movimentos do outro seguramente teria sido de grande ajuda, e um modo de consegui-lo evitando maiores conflitos implicava a necessidade de observar os próprios processos interiores. O que Humphrey sugere é que um sistema social complexo torna aconselhável dispor de certo sentido do «eu interior» para sobreviver nos intercâmbios recíprocos e para desenvolver uma «teoria da mente», isto é, a certeza de que os outros também têm intenções e preferências (desde logo de primeira e de segunda ordem), crenças, pontos de vista e desejos distintos dos nossos.
Resumindo, Humphrey contempla a consciência como uma arma para navegar pelas ruidosas e perigosas sendas da vida social. O olho da consciência não é para mirar em nosso interior, senão no dos demais. A consciência serve para meter-nos nas mentes dos demais. Que nos metamos nas nossas mentes não serve diretamente de nada; esse não era o objetivo dessa adaptação biológica que é a consciência. O que realmente nos serve é meter-nos na mente das outras pessoas e poder assim predizê-las e manipulá-las.
Mas há algo mais. Também são poucas as dúvidas de que uma coisa é dar-se conta dos fatos externos que experimentamos e outra muito distinta é ler o que há baixo a superfície e dar sentido ao que vemos. E atribuir significado aos fatos externos é precisamente o que continuamente (consciente ou inconscientemente) estamos fazendo, uma atitude estritamente relacionada com nossa capacidade para inventar explicações de fatos e fenômenos, estados de ânimo e emoções, para encontrar uma história plausível que explique o comportamento próprio e alheio.
De fato, é da natureza do existir humano que quando observamos o comportamento de nossos congêneres raras vezes, pode até que nunca, observamos um mero mosaico de atos incidentais; o que vemos detrás deles é uma estrutura causal mais profunda, a presença oculta de planos, intenções, emoções, recordos etc...etc., e, partindo desta base, podemos tratar de compreender o que fazem, pensam e sentem os demais. Não há um minuto em que não intentemos ler a mente ou imaginar as intenções dos demais. Isto confirma a evidência de que estamos desenhados[3] pela seleção natural para ter uma capacidade de prever ou de ter uma imagem, uma espécie de modelo conceitual da mente humana, sem a qual uma espécie essencialmente social como a nossa não teria conseguido sequer prosperar biologicamente.
Para dizê-lo de uma maneira mais simples, a «função própria» do fabuloso desenvolvimento neocortical do Homo sapiens é precisamente a de facilitar a interpretação própria e alheia, a inteligência social. A origem biológica de nossas mais extraordinárias capacidades cognitivas – como em todos os grandes hominídeos – é de todo ponto social; quer dizer, é muito provável que a melhor razão existente do grande desenvolvimento neocortical do Homo sapiens deve referir-se a um fenômeno cognitivo ligado à teoria da mente, ao reconhecimento do outro e à valoração de sua conduta: o tratamento da reciprocidade entendido como «função própria» dos seres humanos.
«Função própria» e cooperação avançada
A noção de «função própria» foi cunhada por Ruth Millikan em 1984 e se refere aos constituintes essenciais e exclusivos da forma de atuar de nossa espécie, que se considera ligada à natureza própria de qualquer ser humano a despeito e à margem de diferenças temporais ou geográficas[4]. Segundo A. Domènech, o último Hayek se mostrou muito preocupado pelas implicações de um conceito assim, já que via na existência de funções próprias de nossas intuições morais uma ameaça e uma fonte inamovível de descontentamento e oposição à ordem capitalista ultraliberal que era de seu gosto: “Os instintos inatos do homem não são a propósito para uma sociedade como a que vivemos. Os instintos estavam adaptados à vida em pequenos grupos (...). Só a civilização trouxe individualização e diferenciação. O pensamento primitivo consiste fundamentalmente em sentimentos comuns dos membros dos pequenos grupos. O coletivismo moderno é uma recaída nesse estado selvagem, um intento de reconstruir esses fortes vínculos que se dão nos grupos limitados....(Hayek, 1983: 164-165)”.
Mas a incomodidade que possa produzir um conceito assim não é o verdadeiro problema. A questão essencial é a de em que medida podem detectar-se e documentar-se funções próprias nas origens da socialização humana e até que ponto continuam essas funções marcando o terreno das intuições morais como sistema de convivência. Porque, de ser assim, o intento de retomar o “estado selvagem” – leia-se “natural” – poderia converter-se não somente em algo errôneo senão muito perigoso.
É possível documentar tais «funções próprias» do ser humano?
Inferir e predizer o comportamento dos demais, manter a coesão social e a cooperação intragrupal e resolver problemas rotinários de sobrevivência, de reprodução, de intercâmbio social na vida em grupo são necessidades que, em nossa espécie, conduziram à fixação de mecanismos muito sutis para a avaliação das atitudes cooperativas. Os problemas que levanta para um grupo de cooperadores a existência de egoístas camuflados de altruístas, e a necessidade de identificar e castigar a quem se supõe uma carga social assim é um aspecto que o naturalismo ético tem tratado com frequência. De fato, os estudos realizados por Leda Cosmides e seus colaboradores sugerem que a seleção natural poderia haver fixado no cérebro humano certos circuitos especializados na análise dos intercâmbios sociais capazes de detectar as condutas enganosas.
De tal sorte, o estabelecimento de contratos cooperativos seria mais que uma propensão cultural universal: suporia um traço humano característico de nossa espécie, uma atividade tão estendida no comportamento social humano como a linguagem e o pensamento abstrato. Significaria de fato o principal fator de condicionamento e desenvolvimento das capacidades cognitivas das pessoas, das relações, dos motivos, das emoções e das intenções que se manifestam no entorno social.
De acordo com esta hipótese, a proposta de Cosmides e colaboradores parece fazer referência a uma parte do cérebro humano que funciona como uma máquina de calcular implacável e arrasadora: trata cada problema como um contrato social firmado por duas pessoas e fiscaliza aquelas que podem burlar o contrato. É um órgão de troca que tudo o que faz é empregar módulos especiais de dedução projetados pela seleção natural para descobrir violações de contratos firmados por duas partes.
Com efeito, como espécie, em qualquer entorno que vivamos e seja qual for a cultura, não somente somos excepcionalmente conscientes da relação custo-benefício existente nas trocas, senão que inventamos a troca ou o contrato social mesmo nas situações mais impróprias. O tecido inteiro de nossa sociedade e economia está baseado em uma imensa rede de relações de reciprocidade. Os cidadãos respeitam a vida e propriedade dos demais, à condição de que os demais respeitem a sua. O cozinheiro do restaurante prepara nossa comida supondo que logo lhe pagaremos a conta. Em geral, as transações baseadas na divisão social do trabalho pressupõe uma grande rede de obrigações recíprocas, à qual coincide com nossas intuições morais, isto é, com nossa tendência à reciprocidade.
Nas palavras de M. Ridley e J. Haidt, a reciprocidade pende como a espada de Dâmocles sobre a cabeça de cada ser humano: obrigação, dever, dívida, favor, ajuste, contrato, troca, negócio... O que não falta em nossa linguagem e em nossa vida são ideias de reciprocidade, de contrato e de troca social. O que os demais fazem conosco (e por nós) e pensam de nossos comportamentos tem uma grande importância para nossas atitudes morais.
Graças ao princípio de reciprocidade e do razoamento em termos de contrato social as relações cooperativas se converteram em uma base prática da vida social. O sentido de endividamento, da necessidade de devolver um presente ou um favor, parece ser universal e (provavelmente) corresponde a uma predisposição inata evolucionada em uma linhagem, a do gênero Homo, cujos vínculos sociais relacionais se estabeleceram em um mundo de caçadores-recoletores para os quais a sobrevivência diária não dependia do dinheiro guardado em um banco, senão do grau de intercâmbio social e da força de coesão das relações criadas e estabelecidas entre os membros do grupo.
Em realidade, uma das consequências mais importantes dos experimentos pioneiros de Cosmides e colaboradores aos que me referi antes – “e seguramente um dos melhores trabalhos de psicologia darwiniana” (D. Dennett) – é o fato de que obtiveram indícios firmes no sentido de que a formação de um contrato não é simplesmente o produto de uma única faculdade racional que opera por igual através de todos os acordos estabelecidos entre as partes que negociam. O processo inclui uma capacidade, a detecção do engano, que se desenvolveu até níveis excepcionais de agudeza e cálculo rápido. A detecção do “trapaceiro” destaca em agudeza da detecção do mero erro e alcança a questão básica do estabelecimento das relações sociais, altruístas ou não. Um contrato, assim, é uma implicação da forma “se queres obter um benefício, tens que satisfazer um requisito”. Os tramposos que pretendem levar-se o benefício sem satisfazer o requisito devem poder ser detectados (S. Pinker).
A capacidade de detecção é desencadeada como um procedimento computacional somente quando se especificam os custos e os benefícios de um contrato social. Mais que o erro, mais que as boas razões, e mais inclusive que a margem de benefício, o que atrai a atenção é a possibilidade de que outros nos enganem: algo assim ativa nossas intuições e emoções morais e serve como fonte principal para a aparição de atitudes hostis. Em suma, o engano desequilibra os quatro vínculos sociais relacionais – comunidade, autoridade, proporcionalidade e igualdade – presentes em nossos intercâmbios sociais. (A. P. Fiske)
De tal maneira, a mente parece dispor de um detector de mentiras com uma lógica própria: quando a referência standard de “jogo limpo” e o resultado do detector de mentiras coincidem, as pessoas atuam de forma geral (ainda que nem sempre) seguindo a lógica racional estabelecida pelo modelo do Homo oeconomicus; quando as referências e as detecções se separam, aparece outra ordem de pensamento destinado a castigar quem fez a trapaça[5], cujo conceito pode alcançar inclusive cotas muito sutil.
Consideremos, por exemplo, o chamado jogo do ultimatum - ideado por Werner Gütz e seus colaboradores -, donde os participantes não aceitam um dinheiro, que é um presente, simplesmente porque não lhes parece um trato justo. Neste jogo, um primeiro ator A1 deve oferecer a um segundo A2 uma parte da quantidade de dinheiro que se lhe oferece ao primeiro, de forma que se o segundo aceita o oferecido ambos obtêm seu prêmio, e, se o rechaça, ambos ficam sem nada. Uma ideia da lógica racional humana levaria a entender que A2 deve aceitar qualquer quantidade que A1 lhe ofereça; ao fim e ao cabo sempre será mais que nada. Mas não sucede assim. Por debaixo de um determinado percentual de reparto (considerado injusto), os sujeitos dos experimentos rechaçam o acordo.
O mais interessante com relação a este experimento talvez seja a identificação, por parte de Sanfey e colaboradores, das áreas cerebrais implicadas nesta decisão, de raiz estritamente ligada a um sentido da justiça: resultam ser as mesmas que, no modelo de A. Damasio do marcador somático, formam parte da rede neuronal de interconexão fronto-límbica[6]. Uma conduta deste estilo põe de manifesto alguma que outra chave interessante acerca do componente emotivo da inteligência e seu peso nos processos de tomada de decisões e das ações que levamos a cabo. Coloca-nos diante do fato, por exemplo, que já vai sendo hora de rever os modelos matemáticos que descrevem o comportamento humano em termos de cálculo e decisão, com o fim de introduzir neles a variável afetivo-emocional.
Nossas mentes, dizem Sober e Wilson, foram formadas por mecanismos psicológicos que evolucionaram por seleção natural para favorecer comportamentos adaptativos, entre os quais se encontra um interesse remoto pelo bem estar dos demais e as predisposições típicas de uma espécie desenhada para ser social, fidedigna e cooperadora. Os seres humanos estão imersos nos instintos sociais: vêm ao mundo equipados com predisposições para pensar nas mentes dos demais, aprender a cooperar, a distinguir ao justo e virtuoso do traiçoeiro, a ser leais, a conquistar boa reputação, a intercambiar produtos e informações, a dividir o trabalho e a modelar sua individualidade e seus vínculos sociais a partir das reações do outro. Nisso, somos únicos. E em uma medida essencial o somos graças à maneira como funcionam nossos cérebros.
Espécie alguma avançou tanto em sua caminhada evolutiva, pois nenhuma outra construiu uma sociedade tão integrada, à exceção dos parentes dentro de uma grande família, como a colônia de formigas. Devemos nosso êxito como espécie aos instintos sociais que possuímos; eles nos permitiram colher benefícios inimagináveis de nossa entranhável vida social. São eles os responsáveis pela rápida expansão do nosso cérebro nos últimos dois milhões de anos e, consequentemente, por nossa criatividade e sobrevivência.
A sociedade e a mente humana evoluíram juntas, uma reforçando tendências da outra. Longe de ser uma característica universal da vida animal, o «instinto» de ler a mente dos demais, a tendência a cooperar e a razoar em termos de contrato social, sempre a partir do outro, é a marca de qualidade e legitimidade do ser humano, aquilo que nos distingue de outros animais.
Notas e Referências:
[1] Esta ideia, dito seja incidentalmente e de passagem, já expressou Thomas Hobbes: “Dada la similitud de las pasiones y pensamientos de un hombre con los pensamientos y pasiones de otro, cualquiera que mirara dentro de sí mismo y observe lo que hace cuando piensa, opina, razona, desea, teme, etc., y en base a qué, será capaz de leer y conocer cuáles son los pensamientos y pasiones de los otros hombres en ocasiones similares.” Esta capacidade de auto-observação é uma consciência de ser consciente, uma «consciência reflexiva», em terminologia de Humphrey. Esta consciência em seu grau máximo é exclusiva do homem, ainda que em graus menores aparece em mamíferos altamente sociais. E na maioria dos lugares do mundo tem a mesma forma. A psicologia natural do ser humano é muito parecida em todos os lugares. Embora muitos filósofos e cientistas insistam em que esta história não tem sentido e que não é adequada, a realidade é que funciona (e a prova é que todos os seres humanos do mundo a utilizam e se não funcionara provavelmente já haveria desaparecido). E digo que funciona referindo-me a que serve para predizer a conduta de outros seres humanos. Ao homem primitivo uma descrição do cérebro em termos de neurônios, eletricidade e sinapses não lhe teria servido de nada. Nada obstante, a histório do eu interior da consciência reflexiva nos permite mirar em nosso interior e saber assim o que há no interior das outras mentes. Se há fumaça quando há fogo em minha casa, e vejo fumo saindo da casa de um vizinho, isso me permite deduzir que há fogo também naquela casa. Muitos expertos afirmam que o cérebro realiza uma espécie de modelo ou simulação da realidade. Mas quando a natureza se enfrentou ao problema de modelar ou simular uma parte concreta da realidade (a conduta dos semelhantes), o truco que encontrou foi a introspecção: foi possível para um indivíduo desenvolver um modelo da conduta dos demais por analogia com seu próprio caso, e os fatos de seu próprio caso foram acessíveis para ele por meio do exame de sua própria consciência. Não é necessário insistir em que a realidade do homem e outros animais sociais é uma “realidade social” e que seu êxito reprodutor depende de como se mova nesse mundo de amigos, inimigos, desconhecidos, companheiros sexuais, etc....etc. Daí que a capacidade de simular a conduta dos demais é fundamental para a sobrevivência e a reprodução, quer dizer, a sobrevivência do ser humano depende (e dependeu) de sua capacidade de fazer psicologia, de converter-se em Homo psychologicus.
[2] Nota bene: Apesar dessa função da consciência, Humphrey não nega a chamada «solidão intersubjetiva», isto é, o fato de que as outras mentes estão insuportável e condenadamente fora de nosso alcance: “Aunque compartamos el mismo cuerpo, o estemos unidos como hermanos siameses, seguirá habiendo dos conciencias perfectamente separadas. Esta «otredad de los otros», fundamental e insalvable, produce en los seres humanos una soledad única, que, paradójicamente, se ve agravada por la presencia física de otras personas. Este tipo de soledad psicológica se siente quizá con más intensidad cuando estamos lo más cerca posible del cuerpo de otra persona”. Já disse o poeta William Butler Yates com tom certamente dramático: “La tragedia de la relación sexual es la perpetua virginidad del alma”.
[3]Uma observação necessária: no que cabe, o uso do termo “desenho” não implica qualquer referência à postura “criacionista” ou de “desenho inteligente”, senão a algo desenhado pela seleção natural. De fato, as coisas viventes não estão desenhadas, embora a seleção natural darwinista autorize para elas uma versão da postura de desenho, quer dizer, de que é perfeitamente possível traduzir a postura de desenho aos termos darwinistas adequados (R. Dawkins; D. Dennett).
[4] Longe de ser uma tabula rasa difusa, a arquitetura cognitiva humana, altamente diferenciada e especializada, é um mosaico de vestígios cognitivos dos estágios antigos da evolução humana, previamente adquiridos por nossos ancestrais hominídeos: uma estrutura homogênea e funcionalmente integrada, a par de arregimentada em módulos ou domínios específicos. Todos os membros de nossa espécie possuem umas capacidades que, em muitos aspectos, não respondem às necessidades cognitivas atuais. O comportamento que dirigem pode tornar-se marcado e militar contra os melhores interesses do indivíduo e da sociedade: são as chamadas funções impróprias. Neste particular aspecto, pode-se observar que, em especial nas atuais sociedades complexas e ruidosas, algumas das funções para as quais estamos desenhados já não contribuem à saúde nem ao bem estar. Por exemplo, nosso corpo parece estar fisiologicamente adaptado à dieta dos caçadores-recoletores do Pleistoceno: animais selvagens, frutos secos, frutas, verduras frescas, gordura e açúcar. A circunstância de que nossa dieta atual (bem como nossas sedentárias e cotidianas atividades diárias) seja distinta no que diz respeito ao consumo de produtos lácteos, de cereais, de carne com gordura, de açúcares, óleo e álcool, tem profundas consequências para nossa saúde: os ataques cardíacos, os infartos, o câncer e a diabetes têm que ver com este tipo de nutrição.
[5] Foi a predição do biólogo evolutivo Robert Trivers de que os seres humanos, os altruístas mais chamativos do reino animal, devem ter desenvolvido um algoritmo detector de trapaceiros hipertrofiado, que levou Cosmides e colaboradores a buscar (e descobrir) este mecanismo mental, partindo da análise evolutiva do altruísmo. (S. Pinker)
[6]Segundo esta hipótese, nossas deliberações sobre a eleição e a planificação do futuro dependem de maneira crucial de nossos sentimentos sobre os distintos cenários aos que nos enfrentamos. Quando nos encontramos perante uma situação social que requer uma escolha, o nosso cérebro ativa representações respeitantes (1) às premissas da situação, (2) às opções de resposta possíveis, (3) às várias consequências visadas. Após um breve intervalo, todas essas representações estão disponíveis em simultâneo para um exame consciente. A decisão relativa à linha de conduta a adotar pode implicar uma deliberação intencional ( e ser acessível ao pensamento consciente) de conjunto sobre esta paisagem de representação ou pode ser tomada de forma automática ou inconsciente. Em ambos os casos, Damásio coloca a hipótese de que em indivíduos normais o processo de tomada de decisão é iniciado e assistido pelo aparecimento de um estado somático que indica as consequências futuras da opção de resposta com a ajuda de um sinal somático negativo o positivo. Assim, a tomada de decisão competente no domínio social não depende unicamente das convenções sociais, da ética e do direito, nem da percepção e da inteligência necessárias para manipular tais saberes em uma situação da vida real. Um componente somático intervém desde cedo no processo desempenhando um papel de assistência no processo de tomada de decisão, concentrando nele a atenção e selecionando as consequências futuras negativas ou positivas significativas (assim como as opções às quais elas estão ligadas). Pela sua própria natureza, o indicador somático torna mais eficaz a análise ulterior dos custos e dos benefícios. Depois, a finalidade fundamental da tomada de decisão no quadro social permanece a mesma que a da tomada de decisão em geral: trata-se da sobrevivência do organismo. A base da sobrevivência do organismo é assegurada por um vasto leque de mecanismos reguladores nas células e nos tecidos, e por reflexos, pulsões e instintos geneticamente programados, na medida em que é o conjunto do organismo que está envolvido. Por outro lado, em um meio socialmente complexo há estratégias adquiridas para a sobrevivência, as quais incluem as convenções sociais e a ética. Nada obstante, Damásio sustenta que tais estratégias adquiridas encontram um suporte neurofisiológico em sistemas neuronais conectados com os sistemas de base que executam os comportamentos instintivos, de maneira que as estratégias adquiridas podem continuar a operar pelo mesmo meio: sofrimento e prazer, punição e recompensa. O cérebro mantém a sobrevivência do soma como sua finalidade global, e o soma, com a ajuda de sinais produzidos pelos seus próprios estados, regula a operação de socorro realizada pelo cérebro.
Atahualpa Fernandez é Membro do Ministério Público da União/MPU/MPT/Brasil (Fiscal/Public Prosecutor); Doutor (Ph.D.) Filosofía Jurídica, Moral y Política/ Universidad de Barcelona/España; Postdoctorado (Postdoctoral research) Teoría Social, Ética y Economia/ Universitat Pompeu Fabra/Barcelona/España; Mestre (LL.M.) Ciências Jurídico-civilísticas/Universidade de Coimbra/Portugal; Postdoctorado (Postdoctoral research)/Center for Evolutionary Psychology da University of California/Santa Barbara/USA; Postdoctorado (Postdoctoral research)/ Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel/Schleswig-Holstein/Deutschland; Postdoctorado (Postdoctoral research) Neurociencia Cognitiva/ Universitat de les Illes Balears-UIB/España.
Marly Fernandez é Doutora (Ph.D.) Humanidades y Ciencias Sociales/ Universitat de les Illes Balears- UIB/España; Postdoctorado (Postdoctoral research) Filogènesi de la moral y Evolució ontogènica/ Laboratório de Sistemática Humana- UIB/España; Mestre (M. Sc.) Cognición y Evolución Humana/ Universitat de les Illes Balears- UIB/España; Mestre (LL.M.) Teoría del Derecho/ Universidad de Barcelona- UB/ España; Investigadora da Universitat de les Illes Balears- UIB / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos/UIB/España.
Imagem Ilustrativa do Post: Importers importers of of rebuilt rebuilt typewriters typewriters // Foto de: tup wanders // Sem alterações
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