Nos dias atuais, muito se tem falado sobre a importância da inteligência artificial aplicada ao mundo do Direito, colocando-se em foco o papel da advocacia no futuro.
Pesquisadores defendem a utilização de “robôs-advogados”, que auxiliam na tarefa dos escritórios de advocacia e dos departamentos jurídicos da empresa[1].
Mas não se assuste! Isto não quer dizer que a função da advocacia vai se extinguir. Os advogados continuarão sendo, e sempre serão, essenciais ao papel da justiça, conforme reza o artigo 133 da Constituição Federal, sendo que a inteligência artificial dependerá da atividade humana para desenvolvimento de suas tarefas.
Contudo, a importância da inteligência artificial não atinge apenas as atividades dos advogados, podendo ser aplicada ao Poder Judiciário, contribuindo para a celeridade e gestão dos processos.
Neste sentido, no início de 2018, o Supremo Tribunal Federal adotou a ferramenta de inteligência artificial batizada de VICTOR, que contribuirá na agilidade de tramitação de todos os recursos extraordinários que sobem ao Tribunal[2].
Inicialmente, o projeto VICTOR irá ler os recursos extraordinários que chegam ao STF e identificará a quais temas de repercussão geral que eles se vinculam. Desta forma, os servidores do Tribunal não precisaram realizar o trabalho manualmente, o que faz ganhar tempo.
Não apenas o Supremo Tribunal Federal está apostando na Inteligência Artificial, mas também a Procuradoria Geral do Distrito Federal, em parceria com a startup brasileira Legal Labs, está utilizando o robô denominado de “Dra Luiza” para confecção de petições ligadas às execuções fiscais[3].
As execuções fiscais chamaram a atenção dos idealizadores do projeto, pois estas ações ocupam cerca de R$ 32 milhões de processos nas prateleiras dos tribunais brasileiros.
Em artigo publicado no JOTA, um dos idealizadores do robô “Luiza” assim descreveu o software:
Com tecnologia 100% nacional, o software tem como objetivo melhorar a execução das dívidas públicas, podendo servir também a outros tipos de processos de massa, de cunho repetitivo. “Baseada em Inteligência Artificial, a robô-advogada é capaz de entender os processos, o seu andamento e quais suas possíveis soluções. A máquina também pode ser usada para cruzar dados e encontrar endereços ou bens dos envolvidos nos processos”, conforme afirmei em entrevista.[4]
Nesta mesma perspectiva, entendemos como plenamente possível a utilização de robôs aplicados às ações de recuperação de créditos não-fiscais, tais como as ações de execução de título extrajudiciais, ações monitórias e ações de cobrança.
Importante destacar que segundo relatório “Justiça em Números”, divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça, as ações de execução civis ocupam grande espaço no estoque dos processos que tramitam na área cível, apresentando taxa de congestionamento de 85% (oitenta e cinco por cento) em 2017[5].
Os processos envolvendo cobranças de dívidas civis apresentam temas repetitivos, que podem ser filtrados por matérias, com auxílio dos institutos jurídicos como o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) e o Incidente de Assunção de Competência (IAC).
Desta maneira, assim como acontecem nas execuções fiscais, é possível a adoção de robôs que elaborem petições contendo endereços e bens do devedor nas ações de recuperação de crédito, sugerindo ao advogado, qual a melhor estratégia processual para determinado caso concreto.
Entretanto, para que os sistemas de inteligência artificial possam desenvolver bem, entendemos ser importante a aplicação de dados emanados da jurimetria[6], bem como de alterações na estrutura do Poder Judiciário e nos sistemas de busca de bens imóveis do executado.
Ora, de nada adiante a adoção de robôs superinteligentes atuando no auxílio dos advogados e juízes, se não sabemos onde deve ser o foco estatístico de sua concentração, e se não possuímos um sistema sério de pesquisa patrimonial de modo a dar efetividade aos processos de execução.
Assim, por exemplo, por meio da ajuda da jurimetria, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, identificou a necessidade de criação de mais duas varas especializadas em recuperação judicial e falências na Capital[7].
Nesta mesma toada, entendemos como medida viável, a criação de varas especializadas em execuções de título extrajudicial e cumprimento de sentença, visto que estes tipos de ações judiciais congestionam os estoques de ações cíveis perante o Poder Judiciário, como já enfatizado pelo Conselho Nacional de Justiça[8].
Não fosse isto, pensamos como medida a facilitar a adoção de sistemas de inteligência artificial, no âmbito das ações de recuperação de crédito, a criação de sistemas de um cadastro nacional de pesquisa de bens imóveis, bem como a implementação de um cadastro nacional de pesquisa de processos judiciais.
Tais medidas visam contribuir para a busca do acervo patrimonial dos devedores, acelerando os trâmites da ação de recuperação de crédito, e evitando as famigeradas “execuções frustradas”.
Diante do exposto, entendemos que a inteligência artificial deve ser aplicada nas ações de recuperação de crédito que tramitam na seara cível, sendo a adoção de dados estáticos oriundos da jurimetria, e a reforma do sistema de busca patrimonial, medidas importantes para a sua completa viabilização e efetividade.
Notas e Referências
[1] A respeito do tema, veja recente matéria lançada no jornal Folha de São Paulo: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/11/robos-advogados-analisam-processos-fazem-peticoes-e-aceleram-contratos.shtml. Acesso em 11 de novembro de 2018.
[2]Para saber mais sobre, confira: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=380038. Acesso em 11 de novembro de 2018.
[3]Vide:https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2017/08/15/interna_cidadesdf,617701/pgdf-ganha-robo-advogada-para-auxiliar-na-cobranca-de-dividas.shtml. Acesso em 11 de novembro de 2018.
[4] FERNANDES, Ricardo Vieira de Carvalho. Inteligência Artificial (IA) aplicada ao Direito. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/inteligencia-artificial-ia-aplicada-ao-direito-16112017. Acesso em 11 de novembro de 2018.
[5] CNJ, Justiça em Números. Pág 125. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/08/44b7368ec6f888b383f6c3de40c32167.pdf. Acesso em 11 de novembro de 2018.
[6] A jurimetria constitui-se na aplicação de dados estáticos à ciência do Direito. Para saber mais sobre o tema, confira-se: NUNES, Marcelo Guedes. Jurimetria: como a estatística pode reinventar o Direito. Editora Revista dos Tribunais. Ano 2016.
[7] Sobre o tema, confira a seguinte matéria: https://www.lexisnexis.com.br/lexis360/noticias/154/apos-estudo-da-jurimetria-tjsp-cria-duas-varas-esp/. Acesso em 11 de novembro de 2018.
[8] Importante frisar que no Brasil, o Distrito Federal e o Estado de Minas Gerais já possuem varas especializas em execução de título extrajudiciais e cumprimento de sentença, por força do que dispõe a Resolução nº 11/2012 do TJDFT e a Resolução nº 871/2018 do TJMG.
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